Luciano Gonçalves e Jaqueline de Oliveira, pais de Kathlen, contestaram porta-voz da PM Luciano Belford/Agência O Dia

Por Yuri Eiras
Rio - O expediente dos policiais militares envolvidos na ação policial que acabou com a morte de uma jovem grávida no Complexo do Lins, Zona Norte do Rio, na última terça-feira (8) precisa ser esclarecido. Caso fique comprovado que não houve operação, o Supremo Tribunal Federal deve obrigar o Estado do Rio a fazer um "freio de arrumação" em sua política de Segurança Pública. É o que analisa o professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio, Wallace Corbo.
Publicidade
O professor ressalta, que apesar da violência urbana, o Estado brasileiro não está sob estado de guerra e deve respeitar o estado de Direito. Grupos criminosos devem ser tratados como tais e precisam ser contidos, julgados e presos. Para fazer isso, o Estado precisa de inteligência, preparo, estrutura na Segurança Pública. "Policial dando tiro para tudo quanto é lado não é segurança pública: é barbárie", diz Wallace Corbo.
Moradores afirmam que policiais fizeram 'troia' dentro de uma casa para confrontar traficantes. A PM nega. Mas há previsão legal para esse tipo de ação da polícia?

A gente vê uma ação que não é pautada em nenhum protocolo de segurança, em nenhuma legislação, em nenhuma portaria. Essa troia, se isso envolve a entrada de um policial em um domicílio, a primeira pergunta que devemos fazer é: o policial tem mandado? Em geral, essa exigência de mandados judiciais é totalmente desconsiderada quando falamos de favelas. É inconcebível que se houvesse mandado judicial, ele autorizasse que eles ficassem de tocaia para trocar tiros com um criminoso. Independentemente dessa autorização para ingresso na casa, a gente tem a adoção de uma medida que, evidentemente, tem um potencial de gerar mortes que é altíssimo. Isso não tem previsão legal. É inconcebível.

A Polícia Militar afirma que foi recebida a tiros e revidou, e que não foi uma operação. A decisão do STF - de proibir incursões em comunidades, ou apenas em casos excepcionais - foi descumprida?

É preciso entender o que aconteceu. Precisamos saber em que tipo de expediente os policiais estavam envolvidos. Se houve de fato um planejamento, oficial ou não, no sentido de ficar de tocaia, esperar o confronto, se isso foi planejado, isso cai, sim, no conceito de operação policial. E isso estaria sim, proibido pela decisão do STF. Seria mais um caso de descumprimento.

Se não é esse o ponto, se realmente não foi planejado, e as informações não deixam ainda claro, aí o problema é mais profundo e envolve a ação do STF, mas a necessidade de o STF tomar a decisão de obrigar o Estado do Rio de Janeiro a fazer um freio de organização para rearrumar a política de Segurança Pública: obrigar o estado a implementar protocolos de uso progressivo da força; protocolos de atuação dos policiais em campo.

O Direito Internacional prevê proteções especiais para gestantes em casos de guerra. No Rio, segundo o Fogo Cruzado, 15 foram baleadas deste 2017. Destas, oito morreram. Qual a responsabilidade do Estado sobre a proteção dessas mulheres?

Existe um aparato do direito internacional que protege os civis, em geral, nos contextos de guerra. E é importante a gente perceber aqui que não importa o discurso das polícias: o Rio de Janeiro não está em guerra. Para o Direito, para a lei brasileira, não existe guerra interna. É importante a gente entender que estamos violando regras internacionais que seriam aplicáveis para um contexto muito mais grave. O que temos no Rio é um problema de Segurança Pública. O Estado brasileiro não pode usar a força gerando tantos danos e violando direitos internos; violando, ainda mais, direitos internacionais.
Publicidade
Ainda há incoerência sobre a cena do crime. A Polícia Militar afirma não ter feito qualquer alteração no local. O quão grave seria caso a investigação aponte que houve alteração na cena?

Independentemente de a bala ter atingido a Kathlen ser da polícia, ou do criminoso, o Estado do Rio de Janeiro tem responsabilidade na morte dessa civil por conta de os policiais terem violado os protocolos de atuação.