A aconchegante Casa da Árvore, dos sócios Ivan Costa, Fabio Brito (ao centro) e Dudu Ribeiro, abriu na Rua Almirante Gavião. Ao lado, a nova loja da Leitura, no Shopping Tijuca Luciano Belford

Por Raphael Perucci
Rio - O bairro da Tijuca, na Zona Norte, acaba de ganhar duas novas livrarias. Em tempos de pandemia, a abertura da Casa da Árvore, na Rua Almirante Gavião, e da Leitura, no Shopping Tijuca, é um sinal de que o setor começa a retomar o fôlego. Dados da Associação Estadual de Livrarias do Rio de Janeiro (AEL-RJ) mostram que a cidade tinha aproximadamente 204 livrarias e sebos em 2017, segundo o último censo feito pela entidade. De lá para cá, pelo menos 30 teriam fechado as portas.

Especializada em obras de cultura popular, história, política, religiões de matriz africana e temas sociais, a Casa da Árvore, que já conta com uma pequena loja na Pedra do Sal, na Zona Portuária, aposta num público segmentado e tem a rua como principal atrativo, como explica Dudu Ribeiro, de 38 anos, um dos sócios. "Nossa ideia é promover a cultura e valorizar a vivência da rua. Essa é a missão em que a gente acredita. O Rio pede isso! Uma cidade com mais livrarias é uma cidade mais viva. Quem for nos visitar, não vai encontrar os mais vendidos do momento, mas terá uma grande variedade de livros não menos importantes".
Livrarias de rua ganham fôlego na Tijuca. Na foto acima os socios Ivan, Dudu e Fábio. Foto: Luciano Belford - Luciano Belford
Livrarias de rua ganham fôlego na Tijuca. Na foto acima os socios Ivan, Dudu e Fábio. Foto: Luciano BelfordLuciano Belford


Inaugurada no fim de maio quase em frente ao famoso Bar Madrid, um dos mais festejados do Rio, ela quer conquistar o público que já costuma passar pela região em busca de uma boa cerveja gelada e de petiscos caprichados. "Nosso acervo dialoga com a boemia. Queremos que a pessoa que já tem o hábito de tomar uma cerveja aos domingos, no Madrid, venha comprar um livro. Queremos aproveitar esse clima que a rua nos permite. Botar uma música na porta, quem sabe colocar um chorinho, aos domingos? Não sei se pode. Antes temos que criar um laço com a vizinhança e fazer tudo com muita calma. São planos para quando a pandemia permitir", revela Dudu, que quer promover, ainda, lançamentos com sessões de autógrafos quando não houver mais restrições sanitárias na cidade. Firmar parcerias com colégios e participar da próxima Bienal do Livro, no mês de outubro, também está nos planos. Os outros sócios do empreendimento são Fabio Brito e Ivan Costa, dono da livraria Belle Époque, no Méier.
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Livraria Leitura, no Shopping Tijuca, acaba de ser inaugurada - Divulgação
Livraria Leitura, no Shopping Tijuca, acaba de ser inauguradaDivulgação


Localizada no segundo piso do Shopping Tijuca, a Leitura, que abriu suas portas na última terça-feira (22), quer ser um centro de entretenimento na região, com lançamentos, oficinas para crianças e outras atividades. "Queremos fazer o máximo para que o cliente que vá passear no shopping, entre em nossa loja. Assim como os cinemas são um atrativo, a livraria também é. Estamos dentro de um polo comercial muito importante, por isso nossa ideia é fazer eventos e outras ações quando a pandemia permitir", detalha Rodrigo Bernardes, 30, sócio-gerente da gigante rede, que nasceu em Minas Gerais há 52 anos e hoje está presente em 22 estados brasileiros e no Distrito Federal, com 87 lojas. No Rio, o grupo possui nove. Em agosto será aberta a décima filial, no RioSul, em Botafogo.

Para a presidente da AEL-RJ, Danielle Paul, 47, as inaugurações representam um grande ganho para a sociedade. "Livrarias são locais de encontros, de troca de ideias. Vivemos um momento de desamparo afetivo muito grande, por isso é fundamental que a leitura seja incentivada. Só assim iremos conseguir formar novos leitores", analisa a livreira, que há 22 anos saiu de Niterói e foi morar em Araruama, na Região dos Lagos, onde abriu a livraria Castro Alves e o sebo Dante.

Moradores da Tijuca comemoram a chegada das novas "vizinhas" e já falam em novas opções de "lazer e cultura" para o bairro. "Livraria é sempre uma coisa muito boa. Fico até espantado com essa notícia, porque a gente tem visto tanta coisa fechando... Mas é de suma importância para o bairro e para cidade. Por causa da pandemia, as pessoas estão ficando mais em casa e lendo mais. Um país que atualmente valoriza mais a arma do que o livro só tem a ganhar com esses exemplos de resistência", diz o ator Nando Cunha, 54.

O administrador Fabrizio Premazzi, 30, faz coro. "Certamente é um ganho para a Tijuca. A Casa da Árvore já se tornou uma referência em livros de cultura negra na cidade. Tive a oportunidade de visitar a loja outro dia e fiz questão de comprar um livro para a minha filha Laura. No caso da livraria que abriu no Shopping, acho que faltava algo desse tipo lá", comenta. 

"Ainda não tive a oportunidade de conhecer, mas gostei muito da proposta por tudo que já li a respeito, principalmente porque livrarias que só vendem os blockbusters não me interessam muito. Acho que cada vez mais existe um público que consome livros que não saem pelas grandes editoras. Por ser uma pessoa que vem da área de Ciências Humanas, achei a ideia excelente", exalta o professor de História Thiago Nogueira, 36.

Aos 76 anos, a aposentada Terezinha Santos acredita que os netos serão beneficiados. "As livrarias são muito bem-vindas. Tenho certeza que serão ótimas opções de lazer e cultura para os moradores e pessoas de outros bairros. Sempre frequentei livrarias, até porque não tenho o hábito de comprar nada pela internet. Lembro que a Tijuca tinha várias livrarias de rua. Era uma coisa muito marcante na Praça Saens Peña, assim como os cinemas. Agora, faço questão de levar meu netos para olhar os livros de vez em quando. Temos que começar a incentivar o gosto pela coisa desde cedo", diz.

Símbolo do bairro completa 60 anos

Em uma movimentada galeria na Rua Conde de Bonfim, resiste, há 60 anos, um dos símbolos da Tijuca: a Eldorado, referência em livros didáticos no Rio. Alécio Alvico, 42 anos, um dos sócios, conta que a pandemia obrigou a empresa a enxugar custos e a fortalecer as vendas por WhatsApp. "Os últimos meses não têm sido nada fáceis, mas a Tijuca tem um público leitor muito grande. Além dos livros escolares, somos referência em livros técnicos e de idiomas. Nossa parte de raridades também é muito forte", resume.
Livraria Eldorado, a mais antiga da Tijuca, está completando 60 anos - Foto: Divulgação
Livraria Eldorado, a mais antiga da Tijuca, está completando 60 anosFoto: Divulgação


Com lojas também em Copacabana (Copabooks) e em Jacarepaguá (Eldorado Kids), Alécio aponta alguns dos segredos para a longevidade do grupo, que atualmente emprega 25 pessoas. "O importante é manter cada cliente que entra na loja, focando em um atendimento diferenciado. Muitos dos nossos funcionários já passaram por outras livrarias que fecharam. Então isso qualifica ainda mais o nosso time. Buscamos também fazer parcerias com escolas para renovar nosso público", revela.

Fundada há 30 anos na Rua Major Ávila, na Tijuca, a Galileu, que tem filiais em Ipanema e no Largo do Machado, é outra que atravessa gerações de cariocas. O proprietário Antônio Carlos de Carvalho, 63, revela que os livros infantis são os que vendem mais. Após ficar 100 dias com as portas fechadas em 2020, ele acredita na força das lojas de rua. "As livrarias têm seu público. Quem não gosta de passar por uma vitrine e namorar um livro? Muita gente gosta de entrar e olhar com calma. Alguns até nem compram na hora, mas voltam outro dia. Outros pegam alguma informação e depois compram pela internet. O público é bem heterogêneo, mas principalmente formado por mulheres, cerca de 80%".

Associação quer projeto com escolas

Há pouco mais de um mês na presidência da AEL-RJ, Danielle Paul pretende realizar em parceria com a Prefeitura de Niterói, em outubro, uma ação para fortalecer as livrarias da cidade. "Nossa ideia é que as escolas da rede pública estimulem os alunos a conhecer as livrarias de Niterói e desenvolvam trabalhos em sala, no mês do Dia do Professor. "O estímulo à leitura é fundamental. Há ações que precisam ser estimuladas também pelas instituições de ensino, e acho até que professores vocacionados têm se empenhado, mas efetivamente precisa existir um esforço maior, institucionalizado, público e privado", diz.
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Danielle Paul é a presidente da Associação Estadual de Livrarias do Rio de Janeiro - Foto: Divulgação
Danielle Paul é a presidente da Associação Estadual de Livrarias do Rio de JaneiroFoto: Divulgação


Para obter um raio-X atualizado do setor, Danielle conta que a AEL-RJ também pretende fazer um novo censo. "Precisamos saber quais são as novas livrarias da cidade do Rio e do estado também. Queremos saber que público é esse? Que mercado é esse?"