Aline é também engenheira civil e faz pós-graduações em História da Arquitetura no Brasil e em Patrimônio CulturalArquivo Pessoal

Rio - Uma mobilização nas redes sociais pretende ajudar a atender ao pedido de um turista e influenciador digital árabe. Conhecido como Thawab, ele visitava pontos turísticos da cidade do Rio na última segunda-feira (12), quando se deparou com um azulejo escrito "Alá é vitorioso" em dos degraus da Escadaria Selarón, no bairro da Lapa, no Centro do Rio. Segundo ele, Alá significa Deus em árabe e na cultura islâmica, ter o nome de Deus no chão é desrespeitoso.
O caso viralizou nas redes sociais, depois de uma publicação da guia de turismo Aline Viana, de 33 anos, que realizava um passeio com Thawab, na terça-feira (13), sobre café e as histórias do Rio de Janeiro e do Brasil. O homem se apresentou como um influenciador árabe que vivia nos Estados Unidos e durante todo o trajeto, gravou vídeos para os seguidores. Segundo ela, ao fim do passeio, ele perguntou se poderia parar para rezar, já que para ele é muito importante fazer o rito cinco vezes ao dia, por ser muçulmano.
"Eu acho que com essa naturalidade que eu lidei com essa questão da reza, fez ele se abrir, porque ele não tinha me falado nada sobre ser muçulmano. Ele me contou que na segunda-feira tinha ido à Escadaria Selarón e tinha visto um azulejo com o nome de Alá, só que ele está no chão, em um dos degraus. Para cultura islâmica, ter o nome de Deus no chão, onde as pessoas podem pisar, é muito desrespeitoso", contou a guia.
Thawab disse à Aline que na Calçada da Fama, em Hollywood, a estrela do boxeador Muhammad Ali está na parede, diferente das outras, porque o nome também é sagrado na cultura islâmica. Ele então pediu para que ela compartilhasse um vídeo dele em suas redes sociais, mostrando o local onde o azulejo está. A guia relata que em menos de dez minutos após publicar, ganhou dois mil seguidores. Antes, ela contava com cerca de 800 seguidores e agora seu perfil já tem quase 8 mil.
"Eu não paro de receber mensagens, as pessoas estão agradecendo pelo meu esforço. Eu estou recebendo muita mensagem de carinho, de amor, de desejo de felicidade e saúde. Está sendo uma loucura muito boa. Hoje em dia a gente vê tanto ódio, tanto intolerância religiosa, e eu estou recebendo tantas mensagens boas das pessoas da Arábia Saudita, eles não estão com raiva de nada", afirmou Aline.
Ela também relatou que recebeu mensagens de ódio de pessoas que não estariam satisfeitas com uma possível mudança na Escadaria. Segundo ela, os comentários intolerantes partiram apenas de brasileiros. A guia explica que os árabes que mandaram mensagens entendem que a colocação do azulejo não ocorreu com a intenção de ofender. O grupo não quer que a peça deixe de fazer parte do monumento, mas que saia do chão e vá para a parede.
Para Aline, que é também engenheira civil e faz duas pós-graduações em História da Arquitetura no Brasil e em Patrimônio Cultural, o artista chileno Jorge Selarón considerava a obra arquitetônica que criou uma arte viva, já que sempre que ganhava peças novas, as mudava de lugar. Os trabalhos de Selarón começaram na década de 1990 e em 2005, o espaço foi tombado pela prefeitura do Rio. O artista também recebeu o título de cidadão honorário da cidade.
"A mudança não seria um problema para o artista, então eu acreditei que se é para o bem, por que não? Como a Escadaria é um organismo vivo, eu não vi problema nenhum em sugerir essa alteração. Essas pessoas não querem que tire, elas gostam, só querem que não fique no chão, que vá para a parede. É um bem tombado, mas patrimônio é uma coisa viva, não engessada. A gente tem que parar de pensar que o patrimônio é só aquela coisa parada que ninguém pode tocar. O patrimônio você precisa usar e ter contato para preservar."
Após a repercussão, Aline fez contato com pessoas que participam de um projeto de restauro do local, que também fizeram contato com a prefeitura do Rio. Em nota, a Secretaria Municipal de Planejamento Urbano informou que o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, órgão responsável pelo patrimônio municipal, vai analisar o caso, "já que a Escadaria Selarón é uma obra de arte urbana tombada por lei municipal em 2005 e, por isso, qualquer modificação deverá ser aprovada pelo Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio."
A pasta esclareceu que a obra de arte a céu aberto foi construída com peças de azulejos doadas por visitantes de todo o mundo e após a morte do artista, em 2013, todos os azulejos da escadaria foram escaneados em processo digital para registrar as imagens e suas localizações para salvaguardar o monumento. "O Rio de Janeiro é uma cidade que historicamente acolhe todas as diferenças, inclusive as de credo, e a prefeitura reafirma o seu compromisso pela preservação dessa atmosfera de respeito e tolerância", completou a nota. 
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