Casa que foi de Maysa em Maricá abrigará museu. Larissa Maciel e Marat Descartes gravaram cenas de minissérie no localMarcos Fabrício

Rio - "Só fui feliz em Maricá". Assim Maysa (1936-1977) resumiu em seu diário a relação de amor que tinha com a cidade. Passados 44 anos da morte da cantora, o município vai transformar a casa que foi da estrela da MPB, na Praia de Cordeirinho, num museu com mais de 20 mil itens. O acordo foi selado entre o diretor de TV Jayme Monjardim, filho único de Maysa, e a Companhia de Desenvolvimento de Maricá (Codemar), que comprou o imóvel por R$ 3,2 milhões. O escritor e biógrafo da artista, Lira Neto, e a atriz Larissa Maciel, protagonista da minissérie 'Maysa - Quando Fala o Coração' (2009), exibida na TV Globo, comemoram a novidade.
"Acho excelente e meritória a ideia de transformar a casa de Maysa em Maricá em um museu dedicado à memória da cantora. Quando eu trabalhava na biografia dela, Jayme me fraqueou amplo acesso à grande parte do acervo. Há preciosidades ali. Centenas de fotografias, milhares de recortes de jornais e revistas, cadernos pessoais — incluindo os maravilhosos e reveladores diários que ela escreveu, desde a adolescência até os últimos dias de vida", destaca Lira.
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Projetada pelo famoso cenógrafo e diretor de teatro Gianni Ratto (1916-2005), a casa teve uma importância muito grande para Maysa, como lembra o biógrafo. "Maricá foi o refúgio de Maysa, quando ela decidiu romper com a lógica do mercado fonográfico, afastar-se do buchicho noturno, manter-se à distância dos paparazzi e dos repórteres das revistas de escândalo. Ali, ela buscava superar os problemas derivados do alcoolismo, numa espécie de jornada espiritual em direção a si própria. Infelizmente, teve pouco tempo para usufruir dos benefícios que, sem dúvida, isso poderia lhe trazer".
Muito elogiada pela crítica e pelo público quando fez a minissérie Manoel Carlos, Larissa Maciel acredita que o futuro museu será uma chance para que as novas gerações possam conhecer a trajetória da cantora. "Fiquei feliz em saber que a casa que foi de Maysa vai se transformar em museu. Ela foi uma artista muito importante e merece ter sua memória preservada. Lembro que o Jayme tinha muito material da mãe. Tive acesso na época em que me preparava para gravar a minissérie. Roupas, fotos, artigos de jornal, quadros, objetos... A casa, que já podia ser considerada um ponto turístico, tem tudo para atrair muita gente. É uma casa linda, com uma energia boa, pude conhecer quando estive lá durante a minha pesquisa. A época que Maysa viveu em Maricá foi uma das mais felizes da vida dela", analisa Larissa, que chegou a gravar cenas da minissérie na residência com o ator Marat Descartes. Ele deu vida ao ator Carlos Alberto, última paixão da cantora.
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No último dia 13, uma cerimônia marcou a transferência de posse. Emocionado, Jayme Monjardim comemorou o novo destino do imóvel, que serviu como moradia para a estrela da MPB na década de 1970. "É a realização de um sonho. Foi aqui que a minha mãe viveu os momentos mais felizes. Aqui em volta não tinha nada, foi um investimento emocional que ela fez aqui, ela jogou na construção dessa casa tudo o que ela tinha de melhor. Tudo que ela conseguiu recolher em vida está aqui", afirmou o diretor na ocasião. "No dia que ela sofreu o acidente e faleceu, eu cheguei aqui e encontrei a casa intacta e logo em seguida, vim morar aqui. Sei muito bem o que minha mãe passou. Tenho certeza de que essa casa vai ficar como uma casa de amor, amor às pessoas, amor à vida. Vamos ter que entender como é a solidão, pois para muita gente a solidão não é fácil, mas minha mãe, com trinta e poucos anos, encontrou aqui paz dentro da solidão", comentou.
Ansioso para a inauguração, ainda sem data, Jayme revelá que está à disposição para colaborar com a construção do Museu Casa Maysa. 'Os textos dela ficarão disponíveis aqui. São mais de 20 mil itens, como fotos, objetos pessoais, músicas e outros materiais que estarão à disposição e que de alguma maneira, de forma tecnológica, com de fácil acesso. Será digital e interativo. Por tudo isso eu estou muito feliz por entregar a Maysa para todos".
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O prefeito de Maricá, Fabiano Horta (PT), também comemorou o acordo. "O Jayme Monjardim entendeu que essa casa tem um lugar de pertencimento para além da sua família e entregou esse lugar cheio de significados existenciais da Maysa para a cidade, para o Brasil. Só tenho a agradecer em nome de Maricá por esse ato de liberdade", disse.
Maysa Matarazzo já dá nome a uma das principais vias de Maricá. A Avenida Maysa liga o primeiro e segundo distritos da cidade, passando por Barra de Maricá, Guaratiba, Cordeirinho e Ponta Negra.
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Circuito cultural
O imóvel vai integrar o projeto Orla do Samba e das Utopias, iniciativa da Companhia de Desenvolvimento de Maricá (Codemar), que deve reunir outras duas casas-museus (Beth Carvalho e Darcy Ribeiro). O imóvel que pertencia à sambista, também localizado na Praia de Cordeirinho, foi comprado pela prefeitura em junho. O futuro centro cultural que homenageará a Madrinha do Samba, morta em 2019, tem o aval da filha única de Beth, a atriz e cantora Luana Carvalho.
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'Musa cult'
Maysa Figueira Monjardim se situa entre as compositoras e intérpretes determinantes da MPB da segunda metade do século XX. Nascida no Rio em família aristocrática do Espírito Santo, casou-se jovem com o empresário paulista André Matarazzo (herdeiro da família mais rica do estado na época), com quem teve um único filho, Jayme Monjardim.
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Maysa gravou seu primeiro disco em 1956 e escreveu seu nome no panteão das grandes artistas da MPB pela personalidade forte e pelo estilo único de interpretar. Escreveu canções como 'Ouça', Meu Mundo Caiu' e 'Resposta', sucessos de seu repertório. Em 1961, lançou "O Barquinho" (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli), que se tornaria um dos maiores clássicos da bossa nova. Outro momento marcante da carreira foi em 1966, quando gravou 'Ne Me Quite Pas', que décadas depois seria o tema de abertura da minissérie 'Presença de Anita'. Fez, ainda, trabalhos como atriz no teatro e na TV. Morreu em janeiro de 1977 num acidente de carro na Ponte Rio-Niterói, quando estava a caminho de Maricá.
Para Lira Neto, a influência da cantora pode ser notada até os dias de hoje. "Quando publiquei a biografia 'Maysa: Só numa multidão de amores', surpreendi-me com a força que a imagem e a música de Maysa exerce sobre as novas gerações. Imaginei que seria um livro lido prioritariamente por antigos fãs saudosos, mas acabou por ser lido avidamente por muita gente nova, que até hoje me escreve e-mails e mensagens nas redes sociais para declarar a paixão, o amor e a verdadeira adoração por ela. Maysa virou uma musa cult, dado o caráter transgressivo de sua personalidade", analisa.
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Em 2014, a escola de samba Acadêmicos do Grande Rio homenageou Maricá na Avenida e retratou a relação da cantora com a cidade. Na ocasião, a cantora Tania Mara interpretou Maysa no último setor do desfile. O título do enredo era "Verdes olhos de Maysa sobre o mar, no caminho: Maricá".