Raphael Montenegro (no detalhe e de camisa azul) chega à sede da Polícia Federal, na Praça Mauá Reginaldo Pimenta
Ex-secretário prometia 'vista grossa' à expansão internacional do Comando Vermelho
Em conversas com Claudinho da Mineira e Marcinho VP, Raphael Montenegro, então responsável pela Seap, diz que sabe da atuação da facção em países da América do Sul. 'Você vai me perguntar, isso me importa? Nem um pouco, cara!'
Rio - Gravações ambientais captadas no presídio federal de Catanduvas (PR) mostram que o ex-secretário da Seap (Secretaria de Administração Penitenciária), Raphael Montenegro, sabia da atuação do Comando Vermelho em outros estados e países, mas não entregaria à polícia. A contrapartida da 'vista grossa' seria o bom comportamento dos líderes da facção a partir do momento que fossem transferidos para cadeias do Rio. Montenegro e outros dois subsecretários foram presos na quarta-feira (17) em operação da Polícia Federal. Eles respondem por associação ao tráfico, advocacia administrativa e falsidade ideológica.
Em um diálogo captado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e pela Polícia Federal - e que consta na decisão de prisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) -, Raphael Montenegro conversa com José Cláudio de Souza Fontarigo, o Claudinho da Mineira, sobre a parceria do Comando Vermelho com a Família do Norte (FDN), facção que domina os presídios do norte do país. Montenegro diz que sabe da atuação de criminosos do CV até em outros países, como Peru e Paraguai.
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"A gente já conversou com colegas, com irmão seus, e falaram ó: estado tal é fulano, estado tal é de ciclano, Peru... Tem braços no Peru, no Paraguai, eles falam, assim, eles falam e não sai da nossa relação, eu não vou pegar e 'polícia, tá aqui ó'", comenta Montenegro. Em troca de não denunciar, o ex-secretário cobra atitudes de 'sujeito homem' a Claudinho.
"Da mesma forma que eu te cobro ser sujeito homem, ter o papo reto, eu aceito que você me cobre isso, que eu tenha papo reto... E o dia, o dia que eu quebrar isso, quando eu entrar na cadeia, você virar para mim e falar 'tu não tá podendo', eu vou aceitar".
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Claudinho da Mineira é um dos remanescentes do Comando Vermelho da década de 1990, considerado um dos líderes da facção. Segundo a Polícia, Claudinho tem domínio do Complexo do Estácio, Morro da Mineira, Complexo do Lins e Chapadão. Até 2013, ele cumpria pena em uma unidade estadual de Rondônia, mas recebeu progressão para o semiaberto e não retornou. Em 2015, voltou a ser preso durante uma ação do Bope.
Em outro diálogo com Marcio Nepomuceno dos Santos, o Marcinho VP, Raphael Montenegro volta a falar sobre a atuação da facção no Peru. "Você vai me perguntar, isso me importa? Nem um pouco, cara!", diz o ex-secretário.
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"A gente sabe que vocês já tomaram a Família do Norte (FDN), que o irmão 1, que o irmão X, tá não sei aonde, o irmão Y tá não sei aonde, a gente sabe isso tudo [...]. O Charles já falou 'pô, a gente conseguiu chegar no Peru, cara', tudo isso a gente sabe. Você vai me perguntar, isso me importa? Nenhum um pouco, cara! Mas, mas, mas a minha preocupação não é se você vai continuar vendendo ou deixar de vender teu negócio, até porque o negócio que você vende, se você sair alguém vai vender, essa p... vende no mundo inteiro".
Ex-secretário deu parecer favorável para transferir traficante de Catanduvas para o Rio
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O documento que compõe a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) pela prisão de Raphael Montenegro mostra que o então secretário opinou a favor da transferência do traficante Tineném de Catanduvas para o Rio. Montenegro "foi o único, com a exceção da própria defesa do apenado, a se manifestar favoravelmente".
Montenegro responde por falsidade ideológica por conta da situação de Tineném. O motivo é que, na manifestação favorável pela transferência, o então secretário mencionou que a pena de Tineném era de 20 anos de reclusão. Mas "há elementos objetivos", segundo a PF, que apontam para um somatório de penas que passa dos 60 anos de prisão - Tineném responde por homicídio qualificado e tentativa de homicídio (sete vezes).
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Na manifestação, o ex-secretário escreveu que "percebe-se que o nacional Rodrigo da Silva Rodrigues, na maior parte do tempo, pareceu dizer a verdade; sendo certo que na data de hoje não existem indícios de que exerça qualquer posição de liderança na facção criminosa".
Tineném, apelido de Rodrigo da Silva Rodrigues, liderava o tráfico no Complexo do Caramujo, em Niterói, e foi condenado pela morte de um cabo da PM em setembro de 2014.
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O ex-secretário da Seap também conversou com outras lideranças do Comando Vermelho dentro de presídios. A lista inclui Fabiano Atanásio da Silva, o FB, Claudio José de Souza Fontarigo, o Claudinho da Mineira, Luiz Cláudio Machado, o Marreta, e Carlos Eduardo Rocha Freite, o Cadu Playboy — líder do tráfico do Comando Vermelho na Região dos Lagos. Mas Raphael não conversou apenas com integrantes da facção de 'Marcinho VP', ele também agendou uma visita a Carlos José da Silva Fernandes, o Arafat.
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