Ana Paula Ambrósio, mãe de Fernando Ambrósio. O menino ganhou uma pintura em sua homenagemReprodução
Há seis anos a historiadora Nívia Raposo viu o filho Rodrigo Tavares, de 19 anos ser morto na porta de casa, na Rua Morro Agudo, em Santa Eugênia, Nova Iguaçu. O jovem iniciava a carreira no Exército. Segundo a mãe, uma semana antes de morrer, um homem abordou o militar, o acusando de roubar no bairro e o cobrou R$ 500 por semana. Este homem o ameaçou, caso ele não pagasse, mas Rodrigo não deu importância. Uma semana depois, foi morto com seis tiros.
"No momento que entramos na delegacia para fazer o B.O. as perguntas já são tendenciosas. Acredito que na cabeça desse servidor todos esses jovens pretos e pobres são culpados até que se prove o contrário. A presunção da inocência é seletiva. Os moradores da Baixada carregam um estigma pesado, com muitos marcadores sociais: os três Ps (ser preto, pobre e periféricos) nos tornam sujeitos matáveis. Somos aqueles que o Estado sempre tentou esconder. Isso explica nosso genocídio".
Ela ressalta que quando os casos são esquecidos ninguém é responsabilizado. "Muitos casos são esquecidos porque o apagamento é uma arma eficaz do Estado. Juntando ao racismo institucional e estrutural, o esquecimento é a arma perfeita. Um dos motivos que me fazem lutar a cada dia. Penso que não existe interesse em investigar essas mortes porque o Estado jamais assumiria essa culpabilidade".
"Desde que aconteceu o crime a gente vem na luta. Uma luta incansável e dolorosa em busca de justiça e até agora não tivemos uma resposta. O que me dizem é que as coisas estão lentas por conta da pandemia. É sempre uma eterna espera. O tempo está se passando e cada vez fica mais difícil resolver o caso, porque quanto mais o tempo passa fica mais difícil de captar provas. Infelizmente, estamos até hoje, três anos e seis meses e o caso ainda nem virou processo. Isso é um absurdo. Não sabemos nada concreto, nem aonde está o inquérito", conta Ilsimar.
"Estamos reféns de uma justiça que não olha para preto, pobre e favelado, esta é a verdade que a gente vive. O lugar que a gente mora determina como somos tratados, infelizmente. A polícia criminaliza as famílias daqueles que eles abatem como se fossem animais. Chega, atira e não pergunta quem é. Ainda me pergunto porque tiraram o meu filho. Por que não o abordaram e pediram identificação dele? É este o tratamento que a gente tem na periferia. O Estado não olha pelas famílias que ele próprio destruiu, não reconhece suas falhas".
A mãe de Vitor, Elisabete de Oliveira contou que os rapazes estavam caídos no chão e os policiais atiraram mesmo depois que eles se identificaram como morador.
“Estava ele e o Victor. Ele estava na garupa, mas a moto era dele mesmo. A polícia bateu na moto, eles se desiquilibraram e caíram. Os meninos ainda gritaram dizendo que eram morador do bairro. O policial atirou neles mesmo depois que eles estavam caídos. O caso está totalmente parado”, conta.
Elisabete disse que o policial alegou, em depoimento, que o tiro foi acidental. Ainda segundo ela, o filho estava fazendo o processo para tirar a habilitação e não obedeceu a ordem de parada para não perder a moto.
“Na delegacia, o policial confirmou que ele tinha dado um tiro, mas tinha sido acidental. Foram dois disparos que foram dados, então não pode ter sido acidental. O MP pediu um novo perito e foi provado que um tiro só não mataria os dois”.
Era dia 23 de outubro de 2017, quando Ana Paulo Ambrósio encontrou o filho, de 15 anos, caído no quintal de casa, na Rua da Paz, no bairro São Jorge, em Japeri. Ela voltava da padaria e tinha ficado fora de casa por apenas dez minutos. O adolescente Fernando Moraes foi morto enquanto ocorria um confronto entre policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) e bandidos. O crime até hoje permanece sem solução.
"Os policiais invadiram o meu quintal e disseram que tinha bandido lá. Alguns estavam no quarto jogando tudo no chão. E outro policial estava ao lado do meu filho, que estava estirado no chão com dois tiros. Ele não era envolvido com nada errado. A rotina dele era de casa para a escola", relembra.
Ao avistar o filho caído, Ana Paula foi ao encontro dele e os policiais ainda teriam tentado impedi-la por achar se tratar de um bandido. Ao se darem conta de que se tratava de um adolescente que morava no local, permitiram que ela se aproximasse, mas não socorreram o garoto. Os agentes não apresentaram a ocorrência à Polícia Civil. Na 48ª DP (Seropédica) registraram apenas um confronto com dois suspeitos baleados, com quem foram apreendidos duas pistolas, um revólver e uma granada. O inquérito sobre a morte de Fernando só foi aberto dias depois, por parentes do menino.
"Até a data de hoje, não vimos a justiça ser feita. Quaro anos se passaram e nada. Isso dói muito. Meu filho foi executado covardemente. Moradores viram o momento que eles entraram lá. Quem deveria nos proteger é quem nos mata. A promotoria na época disse que não tinha como provar que a morte foi culpa da polícia. Às vezes a gente perde a esperança na justiça dos homens", desabafa Ana Paula.
Casos de violência crescem
Amparo à vítimas da violência
Na última semana, algumas iniciativas sinalizaram conquistas no que diz respeito a assistência das vítimas e familiares e no combate da violência. A Prefeitura de Nova Iguaçu lançou o Núcleo de Atendimento Municipal a Vítimas de Violência de Estado e seus Familiares (NAMVIF), onde será realizado acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais, grupos de reflexão e de apoio. O atendimento será feito na Rua Terezinha Pinto 297, Centro de Nova Iguaçu, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h.
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