Aqueles escritores davam voz à cultura negra, falavam de protesto, tradição e amor. Aliás, é mesmo apaixonante a Velha Guarda da Azul e Branco, que tive a sorte de ver cantando num bar em frente à Praça Paulo da PortelaArte: Kiko

O bairro de Madureira, quem diria, já foi associado a um choro meu de infância. Até hoje lembro que a minha mãe costumava frequentar o Polo 1, popular centro comercial da região. Era o lugar onde comprava brincos, cordões, anéis e pulseiras, mais conhecidos como chapeados, para depois revendê-los entre as amigas em Duque de Caxias. Mas o trânsito na volta para a Baixada era tão intenso que ela geralmente se atrasava para me buscar no colégio e já me encontrava aos prantos na porta da escola.
Repassei essa história na memória no último domingo, quando Madureira se reapresentou para mim. Viajei pelas ruas do subúrbio e pelo mundo das palavras, criando novas lembranças do bairro. No Parque Madureira, rebatizado de Mestre Monarco, embarquei numa nave do conhecimento — quem via de fora jurava ser apenas um ônibus elétrico. A bordo, vários escritores ostentavam o orgulho do subúrbio nas palavras, roupas e atitudes.
A canção 'Meu lugar', de Arlindo Cruz e Mauro Diniz, também ecoava forte nos meus pensamentos. Afinal, o espaço "cercado de luta e suor" estava ali: nos textos declamados e nas histórias do bairro. E também numa foto incrivelmente potente que estampava o caderno de uma professora dentro do ônibus. Era a imagem da poetisa negra Carolina Maria de Jesus, que nasceu mineira, foi catadora de papel e mostrou que sua trajetória não era passageira.
Ali, na minha frente, a cultura se entrelaçava e eu nem via o tempo passar. Aqueles escritores davam voz à cultura negra, falavam de protesto, tradição e amor. Aliás, é mesmo apaixonante a Velha Guarda da Azul e Branco, que tive a sorte de ver cantando num bar em frente à Praça Paulo da Portela.
Naquele dia, eu vi o bairro de Madureira de outras faces, bem diferente daquele que me fazia chorar na infância por levar a minha mãe para longe de mim. E percebi que a canção está certíssima: "Doce lugar/ Que é eterno no meu coração/ Que aos poetas traz inspiração/ Pra cantar e escrever..."