Caroline Camargo da Silva, irmã de Cauã, reafirmou que adolescente não era bandidoReginaldo Pimenta/Agência O Dia

Rio - O que deveria ser uma comemoração pela classificação para o Campeonato Mundial de Grappling, se tornou em uma tragédia, com a morte do adolescente Cauã da Silva Santos, de 17 anos. O jovem era faixa laranja de Jiu-jitsu, praticava luta livre e teve o sonho de seguir carreira militar interrompido por um tiro no peito, na noite desta segunda-feira (4), quando saía de um evento do Centro Esportivo Resgate, projeto social da associação de moradores da comunidade do Dourado, em Cordovil, na Zona Norte do Rio. O corpo da vítima também foi jogado em um valão e resgatado por moradores. A família do jovem acusa a Polícia Militar pelo crime. 
De acordo com presidente da associação, Thiago Velasco, de 37 anos, que é tio de Cauã, a celebração tinha a presença de diversas crianças, que brincavam em pula-pulas na rua e recebiam lanches. Ele relatou que o sobrinho estava em um grupo de sete amigos quando os policiais chegaram atirando na comunidade. Para fugir dos militares, cinco jovens se esconderam na casa de um morador e outro atrás de um poste, mas a vítima não conseguiu se abrigar. Segundo Velasco, o adolescente era talentoso e tinha um futuro promissor no esporte. 
"O Cauã era um jovem talentoso, cabeça dura para escola, não era dos melhores alunos, mas era dedicado, daquele tipo que passava na recuperação. Mas era um bom filho, um bom garoto e um excelente atleta, com um grande futuro. Já foi campeão de vários torneios individuais. Ele estava treinando muito, tinha acabado de passar para a faixa laranja e o sonho dele foi ceifado. Ele ia se alistar esse ano, estava muito esperançoso, porque para um garoto que mora na favela, o alistamento no Exército brasileiro é uma saída para vida, com plano de carreira. Ele queria muito isso", lamentou o tio. 
Irmã da vítima, a dona de casa Caroline Camargo da Silva, de 27 anos, contou que Cauã havia deixado crianças menores que participavam do evento em suas casas, antes dos disparos começarem. Ela relembrou que o irmão pretendia se alistar ao Exército ainda este ano com o objetivo de conquistar e oferecer um futuro melhor para ele, a irmã e os sobrinhos. A jovem reforçou que o adolescente não tinha nenhum envolvimento com o crime organizado. 
"Meu irmão não era bandido. Meu irmão tinha o sonho dele, era a luta, ele queria seguir o Exército. Ele falava para mim: "Irmã, eu quero me aprofundar lá. Eu quero mudar de vida, eu quero te dar um futuro, para os meus sobrinhos". Não tinha operação nenhuma. Foi o tempo do meu irmão acabar o treino, pegar as crianças pequenas, levar para casa, e começar tudo. Ainda jogaram meu irmão dentro do rio como traficante, como lixo. Meu irmão não era lixo. Meu irmão estava com a roupa do treino. Eles rasgaram a roupa do meu irmão, tem o furo da bala. Se meu irmão fosse algum bandido, ele não estaria no treino", desabafou Caroline. 
Na manhã desta terça-feira (5), moradores de Cordovil realizam um protesto pedindo justiça pela morte de Cauã. Manifestantes atearam fogo em três ônibus. Dois deles ficaram totalmente destruídos e as chamas que atingiram o terceiro foram contidas. O fogo também atingiu postes com fiação elétrica. O Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar foram acionados para o local. Na noite de ontem, um ônibus também foi incendiado em protestos pelo crime. 
Em uma nota enviada ao BDRJ, da TV Globo, a PM havia informado que agentes do 16º BPM (Olaria) realizavam policiamento na Rua Antônio João, nas imediações da comunidade da Tinta, quando foram atacados. Houve confronto e um suspeito foi atingido. Com o homem, que seria foragido do sistema prisional, foram apreendidas drogas e R$ 39. 
A nota diz ainda que, mais tarde, os policiais seguiram até um valão próximo onde outros criminosos tinham pulado durante fuga. No local, eles apreenderam uma pistola e três carregadors. A Polícia disse também que os militares souberam, depois, que um homem atingido por bala de fogo deu entrada no Hospital Estadual Getúlio Vargas, mas não resistiu.
Entretanto, procurada pelo DIA, a PM disse apenas que "a 1ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM) já instaurou um Inquérito Policial Militar para apurar todas as circunstâncias do caso". Apesar do relato de testemunhas sobre não haver confronto na região e que os militares entraram atirando na comunidade, em entrevista ao RJ1, da TV Globo, o porta-voz da Polícia Militar, tenente-coronel Ivan Blaz, reforçou a versão sobre uma troca de tiros no local. Os policiais envolvidos no caso foram retirados das ruas e suas armas apreendidas. 
"Na ação de ontem, nós tivemos a prisão de um criminoso evadido do sistema prisional que estava ali, que mostra claramente a presença de marginais naquela área. Esses policiais apresentaram ocorrência na Delegacia de Homicídios. Nesse momento, estão sendo ouvidos na Corregedoria da Polícia Militar, as armas já foram separadas para perícia e eles serão afastados das ruas por determinação da Secretaria", afirmou o porta-voz, que disse que não havia operação, mas ressaltou que a região vive sob patrulhamento constante. 
"Agora a gente tem um trabalho investigativo pela frente. Assim que tomou ciência do fato, o secretário de Polícia Militar, coronel Luiz Henrique Marinho Pires, determinou a entrada da corregedoria no caso. Vale lembrar que, por um clamor público e até mesmo da imprensa, Brás de Pina conta hoje com um reforço no patrulhamento. É uma área de interesse de diferentes facções criminosas e, por isso, temos ali uma ação constante de policiais militares naquela região. Era uma ação de patrulhamento, não era uma operação, ao contrário do que se diz. Esses policiais são constantemente atacados, por ambas as facções que disputam aquela região", justicou Blaz, que informou que o confronto teria ocorrido distante de onde o evento acontecia. 
"Na verdade, o evento esportivo que havia ali, ele se dava a cerca de 500 metros de distância da localidade. Infelizmente, quem escolhe o local do confronto não é a polícia, são os marginais que fazem os ataques", afirmou o tenente-coronel, que completou dizendo que as investigações vão determinar qual versão do caso é verdadeira, a dos PMs ou dos moradores. 
Cauã foi levado pela população local para o Hospital Estadual Getúlio Vargas, mas de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES), chegou já sem vida à unidade. O corpo do jovem foi encaminhado por volta das 8h ao Instituto Médico Legal (IML). Ainda não há informações sobre horário e local do sepultamento do jovem. 
*Colaborou Reginaldo Pimenta