Renato Couto sofreu série de roubos em sua obra; ele foi morto por militares da Marinha após tentar recuperar materialArquivo pessoal
Policial morto por militares perdeu cerca de R$ 10 mil em furtos
Sonho de Renato Couto, 41, era construir casa para a família, no Maracanã. Desde que começou as obras, em 2021, foi injuriado racialmente, chamado de miliciano e furtado sete vezes
Rio - Desde que começou a obra na Rua General Canabarro, no Maracanã, para construir sua casa, em 2020, o papislocopista Renato Couto, 41, morto por militares da Marinha, teve de buscar a 18ªDP (Praça da Bandeira) nove vezes, sendo sete para denunciar furtos. Ao todo, baseado nos registros de ocorrências, aos quais a reportagem teve acesso, é possível contabilizar cerca de R$ 10 mil em metais furtados.
Os dois primeiros registros já mostravam que não bastaria trabalhar e economizar para conseguir realizar seu sonho: teria de enfrentar preconceito. Negro e na polícia desde 2018, Couto foi comunicar a um vizinho que havia comprado o imóvel e solicitou ao mesmo que retirasse o carro que estacionara na frente da garagem, de forma indevida. Houve discussão. Contrariado, ao saber que ele era policial, o vizinho disse a Couto que ele era "a parte negra da polícia" e que, por isso, "iria procurar a parte branca para reclamar do mesmo". O homem que estacionara o veículo foi até a Corregedoria da Polícia Civil reclamar do agente, mas o policial tinha uma testemunha que confirmou a injúria racial.
Cerca de um ano depois, em agosto de 2021, o mesmo vizinho ligou para a Polícia Militar e reclamou do barulho da obra, que estava sendo realizada na parte da tarde. O policial militar que atendeu à ocorrência relatou que, ao chegar no local, os dois estavam discutindo, um filmando ao outro. Na ocasião, o vizinho xingou Couto de "miliciano safado", sendo levado detido para a delegacia na mesma hora.
Mas, foi na madrugada do dia 7 de dezembro de 2021 que começaram os furtos. Couto foi até a delegacia afirmar que foram furtados cabo de eletricidade; duas máquinas lixadeiras; turquês; e um martelo. No total, ele estimou o prejuízo em R$ 1.500. Na ocasião, levou uma bolsa deixada para trás pelos criminosos, que poderia ser objeto de perícia.
Cinco dias depois, mais um furto. Dessa vez foram levados outra máquina lixadeira; cinco fechaduras; 10 maçanetas; e 10 metros de fiação. Nesse caso ele informou que o prejuízo fora de R$ 3.500. "Fui até a casa e observei que haviam cortado os cadeados do portão e da porta do cômodo onde ficam as ferramentas e máquinas guardadas, levando todo o descrito", declarou.
Dois meses depois, a partir de fevereiro de 2022, os crimes passaram a ser mais frequentes. Couto informou que, entre às 3h39 do dia 06 de fevereiro e às 10h39 do dia seguinte, teve uma janela de alumínio branca, tamanho 90x120m, com valor de R$ 1.500 furtada. Na sua declaração, afirmou que "as tábuas que estavam protegendo a obra da casa em reforma estavam no chão do segundo piso. Ao entrar, levaram a janela e 15 metros de fios".
Um dia após o registro, mais um furto. Na madrugada do dia 09 de fevereiro, Couto afirmou que foi levado um carrinho de mão, no valor de R$ 400. "Informo que por meio de escalada, adentraram ao imóvel, e subtraíram um carrinho de mão", relatou à polícia.
Em março, o quinto furto fora registrado: além de outro carrinho de mão, os criminosos levaram uma mangueira de nível; uma coluna de ferro, com valor de R$ 600.
Após isso, ele passou a pagar para um pedreiro dormir no local, na tentativa de afugentar os criminosos. Mas, o pedreiro foi assaltado. Os bandidos levaram ferramentas, em geral. O funcionário disse que conseguiria reconhecer os homens que entraram na casa, que andavam pelas redondezas.
O último furto ocorreu dois dias antes da sua morte: no dia 11 de maio, foram furtados um carrinho de mão, uma cafeteira, duas janelas de alumínio e diversos pedaços de viga.
No dia seguinte, ele dormiu no local e flagrou os bandidos entrando na casa. Os criminosos, então, afirmaram que passaram a vender os objetos de metal em dois ferros-velhos: um na Mangueira, e outro próximo ao prédio do INSS, na Praça da Bandeira.
O primeiro, citado pelos criminosos, já havia sido fechado pela 18ªDP (Praça da Bandeira) justamente por receptar produtos furtados da obra de Couto. Então, o agente foi no segundo citado pelos criminosos e reconheceu objetos dele.
Houve discussão, Couto chegou a puxar a arma. Ficou combinado com o dono do ferro-velho, Lourival Lima, 65, para que o agente retornasse mais tarde para ser ressarcido. Ao retornar, Couto foi vítima de uma emboscada: baleado três vezes, atirado dentro de uma van e jogado no Rio Guandu pelo idoso e por três militares da Marinha. Nesta segunda-feira, 16, seu corpo foi encontrado. Segundo a perícia, ele ainda estava vivo ao ser jogado no rio.
"Ele foi vítima três vezes: dos furtos, da receptação e do homicídio", afirmou um investigador.
Força-Tarefa foca em ferros-velhos
A morte do agente ocorre na mesma semana em que a Polícia Civil intensificou o combate a ferros-velhos, com a criação de uma força-tarefa. Na quinta-feira, um dia antes do crime, 13 ferros-velhos foram interditados pela receptação de material furtado. No mesmo dia, um estabelecimento do tipo foi interditado pela 13ªDP (Ipanema), no Pavão-Pavãozinho. Investigações mostraram que o dono do local comprava metal roubado por usuários de drogas que queriam financiar o vício.
Ao Dia, na ocasião, o coordenador da força-tarefa, delegado Felipe Curi, defendeu uma mudança na legislação. "A polícia Civil fez grandes operações, como as várias fases da Operação Caminho do Cobre, contra grandes recicladoras e ferros-velhos, com mais de 300 toneladas de fios de cobre apreendidos, mais de 50 estabelecimentos interditados e dezenas de presos. Em pouco tempo todos estavam em liberdade. O receptador tem a pena de 3 a 8 anos de reclusão. O furtador (usuário de drogas, na maioria dos casos), de 1 a 5 anos. Ainda podemos fazer uma construção jurídica e enquadrar no crime de perigo de desastre ferroviário, cuja pena é de 2 a 5 anos somado ao furto, por exemplo. Todos esses delitos têm em comum serem sem violência ou grave ameaça à pessoa. A legislação penal e processual permite que os criminosos não fiquem presos e tenham medidas alternativas à prisão. Isso faz com que a rotatividade dos presos seja rápida e, consequentemente, a reincidência".
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