Velório reuniu cerca de 50 amigos e familiares de Eduardo da Silva GuilhermeBeatriz Perez/ Agência O DIA
Familiares criticam descaso com jovem atropelado na Vila Aliança e cobram Justiça
Parentes dizem que disparos só foram feitos após o atropelamento
Rio - Eduardo da Silva Guilherme, de 21 anos, cresceu entre familiares e amigos na Vila Aliança, na Zona Oeste do Rio, local que frequentava até segunda-feira passada (23), quando foi vítima de um atropelamento que o matou na comunidade. Durante o enterro nesta quarta-feira (25), no Cemitério de Campo Grande, cerca de 50 amigos e parentes choravam a morte do rapaz descrito como gentil e prestativo.
Em meio à emoção, parentes da vítima se dispuseram a falar com a imprensa. Eles criticaram a forma como a ocorrência foi conduzida e dão uma versão diferente para o caso. O jovem foi atropelado no fim da tarde de segunda-feira por uma mulher que disse ter entrado por engano na comunidade. Ela afirma que não notou que atropelou Eduardo durante a fuga da favela. O jovem foi socorrido por moradores em uma kombi. A perícia só foi realizada no carro da condutora. Até agora, os parentes não foram chamados a depor. Eles também ressaltam que a CNH da motorista não foi apresentada durante o registro de ocorrência e querem saber qual era a condição da condutora.
Outro ponto divergente da versão que vinha sendo apresentada até agora é de que, segundo testemunhas, a motorista arrastou Eduardo por dezenas de metros. Eles relatam que não houve disparos até o momento em que ele foi atropelado. O jovem alto e forte estava em uma bicicleta, que ficou destruída. A causa da morte, segundo os familiares, foi hemorragia interna decorrente de diversas fraturas. "É impossível que ela não tenha visto ele, como diz", afirma a prima Karoline Mendonça, 28. A mulher da vítima, Michelle Francisco, 40, contou que o rapaz havia montado aquela bicicleta para levá-la ao ponto de ônibus quando ia ao trabalho.
Segundo uma moradora da Rua do Desenhista, via principal da comunidade em que aconteceu o atropelamento, a motorista já havia atravessado a favela e passado por outras barricadas antes do acontecer o impacto.
"Eu não defendo bandido. Mas isso acontece na favela: ela parou em uma barricada e já tinha passado por outras, quando saiu acelerada. Foi aí que deram tiro para o alto, depois que ela já estava arrastando o Eduardo, e depois alvejaram o carro", disse uma familiar.
O atropelamento, segundo os parentes, não se deu após os disparos. Primeiro houve o atropelamento e na sequência os disparos. "Ela lutou pela vida dela mas e a do próximo?", questionou a tia do jovem que ressaltou que não houve prestação de socorro à vítima.
A indignação durante o velório era pela sensação de que a morte de Eduardo estava sendo alvo de descaso por ele ser morador de comunidade. "Não fizeram perícia, não socorreram, não procuraram saber o que aconteceu", afirmou outro primo do rapaz.
Eduardo da Silva estava casado há cerca de dois anos com Michele, que também morava na Vila Aliança, mas o casal se mudou para a Rua Rio da Prata, em Bangu. O jovem havia ligado para a mulher para que planejassem o lanche. Ele estava na comunidade, onde sempre visitava a família, e iria comprar molho de tomate e cebolinha que estavam faltando para o cachorro quente, quando foi atropelado. "Ele falou: 'negona, vou fazer cachorro quente'. Eu até brinquei: 'você que vai fazer?', até que 17h07 me deram a notícia", contou a esposa Michele. Ela também pede Justiça. "Eduardo era uma pessoa, até pela idade, madura. Ele foi um homem como nunca tive. A gente tinha sonhos, íamos para a igreja. Vai ter que ter Justiça. Não desejo mal de ninguém. Mas a gente quer Justiça", afirmou.
"É muito descaso porque é um morador de comunidade e eles acham que não merece a consideração que tiveram pela motorista", desabafou a tia da vítima.
Eduardo trabalhava como ajudante de pedreiro, passeava com cachorro e já trabalhou em lojas de material de construção. Ele planejava ter realizado o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), marcado para a última terça-feira (24), para completar os estudos. "Falava que iria me dar uma princesa de verdade", contou Michele.
No boletim de ocorrência, consta que Jozeli Terezinha Hart conduzia o carro S10 com o filho adolescente e os dois entraram na Vila Aliança pela Estrada do Taquaral, rota indicada pelo GPS. Segundo a versão da condutora, criminosos teriam disparado contra ela, que foi atingida e fugiu em alta velocidade. O caso é investigado como tentativa de homicídio qualificado contra Jozeli e seu filho por parte dos criminosos e como homicídio culposo (sem intenção de matar) contra Eduardo.
O delegado Bruno Gilaberte, responsável pela investigação, afirmou que Jozeli foi ouvida ontem (24), no Hospital Salgado Filho, onde está internada com estado de saúde estável. O filho também foi ouvido. O carro foi periciado, mas o laudo ainda não está pronto. Os parentes do rapaz morto e eventuais testemunhas ainda serão ouvidos.
"Por enquanto, trabalhamos com a hipótese de estado de necessidade em relação ao atropelamento: aparentemente a mulher estava fugindo para preservar a própria vida, quando acabou atropelando a vítima fatal. Isso, em Direito Penal geral responsabilidade penal, não há crime. Mas, evidentemente, é uma impressão inicial, isso pode ser modificado de acordo com a evolução da investigação. Ainda temos provas a coletar para que eu possa emitir um pronunciamento mais definitivo", disse o delegado .
Em seu depoimento, Jozeli disse que não viu Eduardo e apenas se concentrou em fugir da comunidade. O filho também afirmou aos investigadores que não percebeu o atropelamento.
O delegado Bruno Gilaberte afirmou que a ausência da CNH seria irrelevante se ela estava agindo no "estado de necessidade". "Ela estar ou não na posse de documento é irrelevante. Isso, no máximo, geraria uma infração administrativa passível de multa", considerou.
Eduardo foi enterrado às 11h06. Filho do meio entre seis irmãos, a despedida foi marcada pela emoção dos pais, do avô e amigos da família. Morador da Vila Aliança, o amigo da família Luan Carvalho tocou músicas de louvor no saxofone durante a despedida.
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