Marcelo e Kathlen moravam juntos Divulgação

Rio - Uma vida interrompida por um tiro de fuzil. Nesta quarta-feira (8), completa-se um ano da morte da designer Kathlen Romeu, de 24 anos, grávida de quatro meses quando foi atingida pelo disparo de um policial militar no tórax no Complexo do Lins, Zona Norte do Rio. Seu companheiro, Marcelo Ramos da Silva, amigos e familiares, lutam para que o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) denuncie os PMs envolvidos também por homicídio. Ao longo da semana, estão programadas mesas de debates, sessão solene, construção de memorial e outras mobilizações com o objetivo de pedir justiça pela vida da jovem e seu bebê.


"Nesse um ano que estamos sem a Kathlen, que foi tirada cruelmente da gente, posso dizer que foi o pior ano da minha vida. Tudo virou de cabeça pra baixo. Foi um ano de dor, de saudade, de luto e de luta", disse Marcelo. "Estamos vindo de uma luta por justiça. Conseguimos provar que a versão contada pelos policiais é mentirosa, não houve confronto. Hoje, eles estão sendo acusados apenas pelo crime de fraude processual, mas nós queremos que eles sejam denunciados por homicídio e que futuramente sejam condenados e paguem pelo que fizeram. Essa é a nossa luta maior atualmente", declarou. "Foram duas vidas arrancadas da gente de forma muito cruel, a dela, uma menina incrível, especial para todos, feliz e esforçada e a do meu filho ou filha. É difícil dizer em palavras o quão horrível é passar por isso", completou.

De acordo com o Ministério Público, a 2ª Promotoria de Justiça junto à auditoria da Justiça Militar denunciou o capitão da Polícia Militar Jeanderson Corrêa Sodré, o 3° sargento Rafael Chaves de Oliveira e os cabos Rodrigo Correia de Frias, Cláudio da Silva Scanfela e Marcos da Silva Salviano, por fraude processual e falso testemunho. Ainda segundo o MP, o juízo está ainda na fase da oitiva de testemunhas da acusação e, em seguida, da defesa. A 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada do Núcleo Rio de Janeiro aguarda a remessa do inquérito policial. Questionado sobre a denúncia, o órgão não respondeu até a data da publicação desta reportagem.

Kathlen morava com Marcelo no Méier, Zona Norte do Rio, e tinha ido visitar sua avó naquele dia, no Complexo do Lins. Temente a Deus, ela tinha acabado de se formar e estava estruturando a vida para receber o filho. "Nada chega perto da grandiosidade dela. Ela era linda por fora e maravilhosa por dentro. Sempre doce, gentil e empática. Tinha um senso crítico de justiça e acreditava muito em Deus, sempre pedia direção a ele", afirmou a engenheira de produção, Mariana de Paula, de 28 anos, amiga de Kathlen.
"Ela era uma ótima amiga, filha e com certeza daria uma ótima mãe. Imagina o quão cuidadosa ela seria com o seu filho? Dói muito sua ausência, é muito difícil pensar que faz um ano que tudo isso aconteceu. Ela estava em sua melhor fase, um momento significante da sua vida e carreira. Consigo enxergar ela em tudo, no sol, em um muro colorido, em tudo", declarou. "É tocar no nome dela que eu choro. É difícil ter forças para lutar. Fiquei sem comer, sem dormir, um processo doloroso. O tempo age, mas nunca mais volta a ser a mesma coisa", completou.

Mariana contou ao DIA que Kathlen havia dito que estava grávida no dia do seu aniversário, 27 de abril, no ano passado. Entre risos e abraços, ela brincava com a amiga pedindo segredo e que ela não chorasse. "Ia vir um sobrinho, um afilhado, e do nada isso acontece. Não conseguimos ver essa criança, não temos uma continuidade da Kathlen aqui. Não dá para entender essa dinâmica perversa, esse genocídio da população negra", disse Mariana.
Ela explicou que estava no trabalho no dia da morte de Kathlen e, de manhã, havia trocado mensagens com a amiga. Na hora do almoço, recebeu diversas ligações informando o que havia acontecido. "Ver a inércia da sociedade e dos órgãos públicos é mais revoltante ainda. Isso já era para ter resolvido. Eles querem fazer dela mais uma estatística no Rio, mas não vamos deixar. Eu espero que o MP tenha decência de ceder essa paz para a família e que denuncie os responsáveis", desabafou. "Queremos viver nosso luto em paz e não vive-lo em uma luta. Esse processo não pode ser arquivado. O que falta para a família da Kathlen viver em paz? Eu vou fazer o que tiver que fazer para que o nome dela não seja apenas mais um", finalizou.

A Polícia Militar informou que os policiais militares envolvidos na ação continuam afastados do serviço nas ruas. Procurada, a Polícia Civil não respondeu. 
Relembre o caso

Kathlen Romeu foi morta no dia 8 de junho do ano passado, no Complexo do Lins, Zona Norte do Rio. A designer de interiores estava grávida e tinha ido visitar sua avó na comunidade. Ela chegou a ser socorrida, mas não resistiu aos ferimentos e morreu logo após chegar ao Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, Zona Norte do Rio.

Seis dias antes de morrer, Kathlen anunciou em seu perfil de Instagram que estava grávida. “Há 13 semanas e 3 dias com o amor da minha vida. Confesso que estão bem diferentes! Toda hora uma novidade! Acordo às vezes assustada e pensando que não é real, mas aí vem uma fome de leão, uma dor de cabeça, um sono inacabável, uns enjoos incontroláveis e as azias que só Jesus me ajudando! Tem horas que penso que ficarei presa com os meus arrotos! É, tem sido desse jeito e nessa hora que eu lembro: ESTOU GRÁVIDA”, escreveu ela no post.

Naquele dia, a Polícia Militar disse que, na ocasião, policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Lins foram atacados por traficantes. Conforme a corporação, os policiais tinham sido os primeiros a chegar no local em que Kathlen estava e não foram os responsáveis pelos disparos que mataram a jovem.

No entanto, ao contrário da versão oficial, os moradores da comunidade Barro Vermelho, no Complexo do Lins, reafirmam que o tiro de fuzil que matou Kathlen Romeu partiu da PM. Eles usaram o termo "cavalo de troia" — tática para emboscar traficantes — para explicar a ação dos militares.

Em dezembro do ano passado, a Delegacia de Homicídios da Capital concluiu que um policial militar foi o responsável pelo tiro que matou a jovem. O Ministério Público denunciou cinco policiais por terem alterado a cena do crime; o capitão da PM Jeanderson Corrêa Sodré, o 3° sargento Rafael Chaves de Oliveira e os cabos Rodrigo Correia de Frias, Cláudio da Silva Scanfela e Marcos da Silva Salviano.