Ainda filhote, o gatinho caçula chamava a atenção, tão miúdo e gracioso. Inicialmente, me assustou com a sua unha afiada, mas depois passou a se aconchegar nos meus pés até escalar a minha calça jeans. Não demorou muito para estar no meu colo. Afinal, ganhar espaço de mansinho também é uma arteArte: Kiko

A tevê do quarto ainda transmitia o filme da 'Sessão da Tarde'. Enquanto isso, eu dava uma "passadinha" na blusa que havia escolhido usar, como diria a minha mãe. Em poucos minutos, eu estava pronta para um reencontro com a infância e a juventude, na última segunda-feira. De carro, cheguei à casa da minha amiga Camila, que estudou comigo durante muitos anos em Caxias. Com ela, guardo lembranças do colégio, desde que éramos crianças, e também da folia em Rio das Ostras, numa época em que o vigor da adolescência desconhecia o cansaço.
Nosso encontro para um café de fim de tarde foi no mesmo lugar onde ela, as duas irmãs e os pais moravam antigamente. O lar segue abrigando uma família, agora com o seu marido, seis gatos e um cachorro. Afinal, a gente cresce e aprende que não há somente uma maneira de morada para o coração.
Assim, a segunda-feira foi uma volta ao passado, mas com versões bem atuais de nós duas. A fase adulta estava evidente no café sem adoçar, hábito adquirido depois de crescidas, e no frequente "tira e bota" de óculos, por conta das lentes de leitura e também para longe. As recordações, no entanto, se faziam presentes. "Nós somos apaixonados pela ideia de mudar o mundo através da educação": eram os dizeres de uma das canecas, que me fizeram lembrar da minha mãe e do pai dela. Ambos foram professores, trabalharam juntos e hoje nos guiam de outro plano.
Na mesa posta com todo o carinho pela Camila, o pão doce logo me chamou a atenção. E não foi à toa: a guloseima — que não faz mais parte do nosso dia a dia — nos remete à infância. E talvez esse seja um dos segredos da vida: abrir uma fresta de lembranças para deixar o passado entrar. Ou, quem sabe, fazer igual a um dos gatos, que passou o tempo todo na janela da cozinha diante do pôr do sol alaranjado do outono. A beleza, muitas vezes, está ali; basta termos tempo e paz para contemplá-la.
Ainda filhote, o gatinho caçula chamava a atenção, tão miúdo e gracioso. Encontrado por um vizinho, ele foi ficando na casa. Inicialmente, me assustou com a sua unha afiada, mas depois passou a se aconchegar nos meus pés até escalar a minha calça jeans. Não demorou muito para estar no meu colo. Afinal, ganhar espaço de mansinho também é uma arte. E nem todos a dominam.
Entre risos, bate-papos e miados, o tempo foi passando, e o relógio já apontava 20h quando fui embora. Ao sair, ainda reparei num quadro de São Francisco de Assis, desenhado com um gatinho, um cachorro e um passarinho. Logo comentei que era preciso adaptar a imagem para retratar os outros cinco felinos da casa. Aliás, falando novamente neles, a Camila ainda acredita que o gatinho mais novo esteja só de passagem e ganhe um novo lar. Mas eu suspeito que ele já tenha feito a sua escolha.