Rio - Moradores da comunidade do Rio das Pedras, na Zona Oeste, voltaram a sofrer com alagamentos. A maré alta e a chuva que caiu no Rio desde a madrugada de terça-feira (14) deixou muitas ruas intransitáveis. Vídeos nas redes sociais mostram pessoas trafegando de barco na localidade conhecida como Areinha, onde um valão transbordou, na última segunda-feira (13).
Moradores de Rio das Pedras andam de barco em vias alagadas da comunidade.#ODia
Na manhã desta terça-feira (14), uma equipe do DIA esteve no local e constatou que algumas ruas continuavam alagadas. Em determinados pontos, a passagem está impossibilitada pelo volume de água e pelo esgoto. Em muitos dos becos que cortam a área, foram improvisadas passagens com pedras e madeiras.
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Jordânia Martins, de 34 anos, moradora do local, falou sobre os transtornos. Ela revelou que não é a primeira vez que isso acontece, e que em outras ocasiões o volume de água foi ainda maior. "Tem vezes de eu passar dias sem vir aqui em casa, porque estava muito alto. A água já chegou na altura do meu joelho. Às vezes vou para a minha mãe, que mora aqui perto, quando acontece isso", relatou Jordânia.
"A gente só mora aqui por necessidade. Se tivesse condições, nem moraria aqui nesse pedaço, porque não vale a pena você ficar andando dentro de esgoto. Você sai arrumada para ir trabalhar, e quando volta, está tudo cheio, e não pode entrar dentro de casa. Ou você entra e pisa no esgoto, ou tem que arrumar um lugar para ficar", complementou a moradora.
Ângela Fernandes, 37, é dona de uma papelaria em frente ao valão que transbordou. Ela afirmou que antes a maré só subia quando chovia forte, mas agora os alagamentos são frequentes, com qualquer chuva. "A maré agora 'tá' direto, e antes não era assim não".
Ângela contou que teve que ficar com a loja aberta, mesmo com a enchente, pois tinha que entregar seus serviços para os clientes. "Tive que trabalhar com a água, porque não tem outra opção. Tenho que entregar meus serviços, senão não ganho dinheiro. E não perco material, pois sei como funciona, e coloco tudo no alto. Eles (governantes) nunca vão fazer nada", criticou.
Alagamentos não são novidades para os moradores do Rio das Pedras. A comunidade sempre sofre quando chove, principalmente na Avenida Engenheiro Souza Filho, que é a principal via entre o local e os bairros da Barra da Tijuca e da Freguesia. Quando chove, em menos de 20 minutos a avenida costuma ficar alagada, impossibilitando o trânsito de carros e ônibus. Nesta terça-feira, foi possível observar bastante lixo boiando no entorno da via.
Nas fortes chuvas de abril deste ano, vários pontos da comunidade encheram e moradores perderam pertences. Iara Santos, 24, contou um pouco do que passou naquela ocasião. "Moro em uma região que fica ao lado do valão, não tive outra opção para ter acesso a minha casa a não ser passar por toda aquela água imunda. Tive perdas, perdi meu celular pois não tive como proteger da água que estava já quase chegando na cintura e a chuva forte molhou toda a minha roupa, não tive uma parte seca, e estava com capa de chuva, mas não foi o suficiente pra me manter seca. Onde moro é uma situação caótica em dias de chuva. Essa é a minha situação, e de muitos moradores da comunidade", disse.
Segundo o biológo Mario Moscatelli, os alagamentos daquela região não se devem apenas à alta das marés. Para o pesquisador, além das marés altas, as chuvas e as ressacas combinam no que ele chama de "tempestade perfeita".
Para Mário, outro fator que piora a situação, é o grande assoreamento na lagoa da Tijuca, que é a principal via de escoamento de todas as águas que escoam de toda a baixada de Jacarepaguá e os maciços da Tijuca e Pedra Branca. "Essa lagoa já tinha em 2007, sete milhões de metros cúbicos de lama e lixo. De lá para cá, a situação só piorou pois nada foi feito em termos de dragagem, mesmo com as olimpíadas, onde por vários motivos, o legado olímpico ambiental das lagoas não saiu do papel".
"Se a lagoa da Tijuca não estivesse tão assoreada, ela teria condições de escoar as águas com mais velocidade, coisa que não consegue por conta do seu assoreamento", complementou Mário.
O biólogo deu um alerta. "Se levarmos em conta a provável elevação no nível do mar em termos de médio prazo, a cidade do Rio de Janeiro terá gravíssimos problemas sócio-ambientais, e um deles será nessa localidade de Rio das Pedras, uma bomba relógio sócio-ambiental que em algum momento explodirá", afirmou Moscatelli.
Terreno de argila
Em nota, a Rio-Águas informou que muitas construções no Rio das Pedras estão assentadas em terreno de argila mole, cujo processo de afundamento é acelerado. Com isso, as casas ficam mais expostas ao efeito das marés, o que é um fenômeno natural do mar. O órgão também informou que as casas nesta região encontram-se em cotas baixas e muito próximas ao sistema lagunar. Sobre a limpeza do Rio das Pedras, a Rio-Águas informou que uma equipe tem atuado no canal com equipamentos há cerca de dois meses.
Já a Iguá, responsável pela distribuição de água e coleta e tratamento do esgotamento na região, informou que não foi identificada qualquer intercorrência operacional que tenha ocasionado o alagamento em Rio das Pedras. A concessionária disse, também, que a solução para expandir os serviços de esgotamento sanitário na comunidade consiste na instalação de coletores de tempo seco, que será feita ao longo dos próximos anos, evitando o despejo irregular de esgoto.
Ainda segundo a Iguá, já foi enviado o cronograma do projeto dos coletores para a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) e, após aprovação, aguardará as licenças ambientais para dar início às obras. A concessionária informou que desde fevereiro tem realizado ações preventivas na região, assim como tem atuado regularmente nos serviços corretivos.
A subprefeita de Jacarepaguá, Talita Galhardo, informou que o local foi ocupado sem qualquer orientação técnica ou anuência do poder público e que o possível tem sido feito através de ações com a Rio Águas para amenizar os problemas enfrentados pelos moradores da região.
Talita destacou também que muitas vezes acontecem operações de demolição e desocupação justamente pelas ocupações irregulares que são feitas de forma desenfreada. Ela lembrou ainda que o local foi ocupado sem qualquer autorização, "mas se coloca à disposição estando presente em todos os cenários".
Matéria de Wellington Melo, sob supervisão de Raphael Perucci
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