Movimentação de agentes da Caro em operação no Complexo do AlemãoReginaldo Pimenta/Agência O Dia

Rio - Até o momento, são 19 mortos, sendo um PM, duas mulheres alvos de balas perdidas e 16 suspeitos. Desde maio de 2021, o Rio de Janeiro registra as três operações com mais mortes na história. Apesar da proibição do Supremo Tribunal Federal (STF) para ações do tipo durante a pandemia, entidades denunciam emboscadas, execuções, corpos pela favela e adulteração de cenas de crimes. Especialista em Segurança Pública fala em tentativa tentativa das forças policiais em transformar "o brutal em cotidiano".
Vítima de bala perdida no Alemão é socorrida por moradores da comunidade - Reginaldo Pimenta/Agência O Dia
Vítima de bala perdida no Alemão é socorrida por moradores da comunidadeReginaldo Pimenta/Agência O Dia
Por determinação do ministro Edson Fachin, do STF, em junho de 2020, as forças policiais estavam proibidas de fazer operações durante o período da pandemia. O texto da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), número 635, prevê responsabilização civil e criminal em caso de descumprimento. A decisão de Fachin permite operações somente em "hipóteses absolutamente excepcionais", sem exemplificar quais seriam.

Nesses casos, seriam necessárias justificativas por escrito — com comunicação imediata ao Ministério Público (MP-RJ). O órgão é o responsável pelo controle externo da atividade policial.
Segundo Fabiana Silva, presidente do Conselho de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro, não há informações de que documento algum foi produzido. Presente no local durante à operação, Fabiana relata que corpos foram resgatados pelos próprios moradores em carrinhos de mão na tentativa de socorro e que recebeu vários relatos de execuções. "Ouvimos muitos relatos que agentes executaram acusados, mesmo rendidos, no interior da comunidade. Como confrontar a narrativa policial de morte em confronto, se não há perícia para provar as denúncias?", disse.
Ludimila Cindra, advogada, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB, fala em relatos de abusos policiais e diz estar presente dando assistência às famílias das vítimas. Em nota, a Defensoria Pública afirma estar presente no Complexo recebendo denúncia de moradores e que há indícios de situações de grave violação de direitos, com possibilidade desta ser uma das operações com maior índice de mortos no Rio de Janeiro.
Também em nota, esta assinada por Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, a entidade cobra, mais uma vez, que o Ministério Público cumpra com seu dever constitucional de exercer um controle externo e participativo do trabalho das polícias, para que, segundo eles, a brutalidade não se torne uma constante na política de segurança pública.
 
Ainda na tarde de quinta, o Conselho questionou ao Ministério Público das razões para operação e quais os elementos que justificavam o descumprimento da determinação do STF. Até o momento, segundo Fabiana, não obtiveram resposta. Procurado, o MP afirmou que a PMERJ informou ao órgão da operação às 5h40. No entanto, em descumprimento ao exigido pela ADPF 635, não informou os motivos que justificavam a intervenção.
Além disso, há informações que a ação na Comunidade teria começado antes das 5h da manhã. Ou seja, anterior até mesmo ao horário que a PMERJ teria informado ao MP que faria a operação. Questionada, a PM ainda não respondeu à reportagem do DIA que horas, exatamente, iniciaram-se os trabalhos.
André Rodrigues, cientista político, especialista em Segurança Pública e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Política e Violência (LEPOV) da UFF, enxerga um padrão de ampliação do patamar de alta letalidade de operações policiais no Rio de Janeiro. Segundo ele, uma clara provocação ao Supremo e sua autonomia. "As polícias do Rio estão buscando transformar o inaceitável em trivial, o brutal em cotidiano, o desumano em rotina. Um agente, por exemplo, que mata ilegalmente, executa, por assim dizer, está se credenciando para as fileiras do crime", afirmou.