A idosa teve obras de arte furtados pela quadrilha organizada pela própria filha. Os quadros foram apreendidos em apartamento de suspeita em Ipanema, Zona Sul do RioDivulgação

Rio- A idosa de 82 anos que sofreu um golpe, com prejuízo de centenas de milhões de reais em joias e obras de arte, revelou o medo que sentia de perder a própria vida devido as ameaças impostas pela própria filha. Ela estava sendo mantida em cárcere privado a mais de um ano após se negar a realizar pagamentos a uma quadrilha de videntes comandada pela filha em que prometiam tratamento espiritual. A filha e mais três pessoas foram presas em Ipanema, na Zona Sul, no último dia 10.
Em entrevista ao 'Fantástico', a idosa que preferiu não se identificar contou que sempre tratou a filha com muito amor e carinho. "Eu não procurei mais cedo a justiça porque meu estado físico e emocional estava muito abalado e eu estava com muito medo. Não é fácil falar de filha, ainda mais filha que criada com muito amor, carinho e conforto que de repente vira seu maior inimigo e pesadelo, e te faz temer pela sua própria vida. Mas graças a Deus e aos meus amigos a justiça foi feita, me sinto agora protegida e livre de uma situação que poderia ser macabra", desabafou.
Durante o cárcere, a idosa era agredida pela filha, privada de comida e até chegou a ter uma faca colocada em seu pescoço para realizar a transferência de dinheiro.
A idosa é viúva de um marchant (negociador de obras de arte) e teve várias obras roubadas. Em depoimento a delegacia, ela informou que seu prejuízo foi exatamente de R$ 724.668.965,85. Deste total, a Polícia Civil afirmou já ter recuperado R$ 303 milhões. A parte mais valiosa do roubo foram quase todas recuperadas. O valor é referente a recuperação de três obras: "O Sono", de Tarsila do Amaral; "O menino", de Alberto Guignard e "Mascaradas", de Di Cavalcanti, que estavam em uma galeria de São Paulo. Já outras duas pinturas, "Maquete para o meu espelho", de Antônio Dias, e "Elevador Social", de Rubens Gerchman, foram expostas no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, na Argentina, e ainda não foram recuperadas.
Golpe
Uma outra vítima, que preferiu não se identificar, revelou ao 'Fantástico' ter vendido um apartamento de mais de R$ 100 mil para pagar uma das videntes que também a prometia melhora espiritual. 
A Operação Sol Poente que ocorreu no último dia 10 contra prendeu parte da quadrilha que roubou a idosa. Até o momento foram presos além da mentora, Jacqueline Stanescos, Rosa Stanesco Nicolau e Gabriel Nicolau Traslaviña Hafliger, filho de Rosa, foram presos.
Um outro integrante da quadrilha e Diana Rosa Aparecida Stanesco Vuletic, de 37 anos, permanecem foragidos. Foi Diana, inclusive, que, segundo depoimento da idosa, em janeiro de 2020, abordou-a quando saía de uma agência bancária em Copacabana, na Zona Sul do Rio. De acordo com a vítima, Diana se apresentou como vidente e disse que a vida da filha da vítima corria grande perigo. A falsa vidente convidou a senhora para acompanha-la até sua casa, onde jogaria búzios e confirmaria a previsão.

A quadrilha se valeu do fato da idosa ser uma pessoa interessada em questões místicas, ter feito curso de astrologia e ter um cuidado especial com a filha em questão, pois, desde a adolescência, ela sofre de depressão e já teria tentado se matar.
Ela foi levada a uma segunda vidente (Jacqueline Stanescos) para que o fosse comprovada a previsão da primeira. Durante a consulta, Jacqueline comentou da possibilidade de fazer um trabalho que afastaria o mau agouro e, na sequência, perguntou das posses da mulher, o que levantou suspeitas. Contudo, a vítima foi levada a uma terceira vidente (Rosa, também conhecida como Valéria de Oxóssi), que afirmou saber que a mãe tinha posses para pagar o trabalho, além de informações pessoais, como seu endereço.
Convencida de que estava diante de alguém com um verdadeiro dom, a idosa transferiu, num espaço de duas semanas, cerca de R$ 5 milhões. Com o início do golpe e sob o pretexto de isolar a mãe da Covid-19, a filha começou a dispensar antigos funcionários da casa e afastar a vítima de suas amizades, chegando até a controlar o acesso ao telefone.
Com o passar do tempo, a idosa passou a ser coagida a fazer novas pagamentos à quadrilha, chegando a ser ameaçada pela própria filha com uma faca no pescoço e privando-a de comer, como revelou a Polícia Civil. Com a recusa, a quadrilha passou a levar os quadros com a desculpa que precisavam ser "rezados", pois estavam com "mau olhado", além de joias. Após ser convencida, a vítima chegou a fazer uma nova transferência no valor aproximadamente R$ 4 milhões, depositados na conta de Gabriel Nicolau.
Em uma das saídas da filha de casa, a idosa usou de uma chave reserva, a qual a filha não tinha ciência, para ir até a casa de uma amiga contactar profissionais que fossem até sua residência para internar a filha em um hospital psiquiátrico. Após esse episódio, a filha saiu de casa, indo morar com Rosa Nicolau, com quem tem um caso amoroso. A idosa, então, trocou todas as fechaduras e proibiu que a filha pudesse subir ao apartamento.
Os fatos ocorreram de janeiro de 2020 até abril de 2021. Do término do cárcere até a ida à delegacia, segundo o responsável pelo caso, a idosa precisou de quase um ano para criar coragem de denunciar a própria filha. Ela, Rosa, Gabriel e Jacqueline cumprem prisão preventiva de 30 dias. Os quatro, além de Diana e o outro integrante, responderão pelos crimes de associação criminosa, cárcere privado, estelionato, roubo e extorsão.