Delegado e perito criminal participam da coletiva da Operação Sol PoenteVanessa Ataliba / Agência O DIA

Rio - A idosa de 82 anos que sofreu um golpe, com prejuízo de centenas de milhões de reais em joias e obras de arte, disse à polícia que foi ameaçada pela própria filha com uma faca, em seu pescoço, e que chegou a deixá-la sem comida. As informações foram repassadas pelo delegado Gilberto Ribeiro, titular da Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade (Deapti), em coletiva realizada na tarde desta quarta-feira (10), na Cidade da Polícia, Zona Norte do Rio. A filha e mais três pessoas foram presas em Ipanema, Zona Sul, na manhã desta quarta.
Coletiva sobre a Operação Sol Poente, que aconteceu na manhã desta quarta-feita (10), na Cidade da Polícia (CIDPOL), no bairro do Jacarezinho, Zona Norte do Rio de Janeiro.  - Vanessa Ataliba/ Agência O Dia
Coletiva sobre a Operação Sol Poente, que aconteceu na manhã desta quarta-feita (10), na Cidade da Polícia (CIDPOL), no bairro do Jacarezinho, Zona Norte do Rio de Janeiro. Vanessa Ataliba/ Agência O Dia


Em depoimento, a idosa informou que seu prejuízo foi exatamente de R$ 724.668.965,85. Deste total, a Polícia Civil afirmou já ter recuperado R$ 303 milhões. A parte mais valiosa do roubo foram quase todas recuperadas. O valor é referente a recuperação de três obras: "O Sono", de Tarsila do Amaral; "O menino", de Alberto Guignard e "Mascaradas", de Di Cavalcanti, que estavam em uma galeria de São Paulo. Já outras duas pinturas, "Maquete para o meu espelho", de Antônio Dias, e "Elevador Social", de Rubens Gerchman, foram expostas no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, na Argentina, e ainda não foram recuperadas.
"Das dezesseis obras que procurávamos, conseguimos recuperar onze até o momento. Três delas estavam em uma galeria em São Paulo e estamos rastreando o paradeiro das demais, mas há informação de que dois tenham sido vendidos para um museu em Buenos Aires", disse Gilberto Ribeiro.
Todos os quadros recuperados passarão por uma perícia em duas etapas. "Por meio de um exame preliminar, uma perícia macroscópica das pinturas, a observação nos apontou para características que fazem crer que se tratam de telas autênticas. Contudo, em parceria com o Instituto Federal de Paracambi, técnicos farão novos exames, agora mais complexos, laboratoriais, de análise microscópicos e composição química e orgânica para certificação", disse Nilson Thaumaturgo, perito criminal do Instituto Carlos Éboli.
Coletiva sobre a Operação Sol Poente, que aconteceu na manhã desta quarta-feita (10), na Cidade da Polícia (CIDPOL), no bairro do Jacarezinho, Zona Norte do Rio de Janeiro.  - Vanessa Ataliba/ Agência O Dia
Coletiva sobre a Operação Sol Poente, que aconteceu na manhã desta quarta-feita (10), na Cidade da Polícia (CIDPOL), no bairro do Jacarezinho, Zona Norte do Rio de Janeiro. Vanessa Ataliba/ Agência O Dia
Thaumaturgo também comenta que todas artes estavam em perfeito estado. Segundo ele, causou perplexidade o fato de estarem corretamente embaladas com plástico bolha, como se faz normalmente em transporte, por se tratarem de pessoas que não são especialistas no manuseio desse tipo de obra. Contudo, durante o cumprimento de um dos mandados de busca e apreensão, policiais encontraram um dos quadros, assinado por Tarsila do Amaral e avaliado em R$ 250 milhões, escondido embaixo do colchão da cama de uma das suspeitas de pertencer à quadrilha.
Policiais recuperam quadro 'Sol Poente' de Tarsila do Amaral - Divulgação
Policiais recuperam quadro 'Sol Poente' de Tarsila do AmaralDivulgação
Enquanto as obras passam pelo processo de análise minuciosa — e que pode demorar meses para ser concluída —, o delegado informou que elas serão alocadas em uma galeria de arte, onde possam permanecer em segurança. Após a conclusão da perícia, todas voltaram para a idosa, que, à pedido do delegado que conduz o caso, não terá nem seu nome e nem o da filha divulgados, primeiro para que a vítima de 82 anos não sofra novamente com a exposição, como também que não seja, mais uma vez, alvo de nenhuma quadrilha.
O golpe
A Deapti deflagrou, na manhã desta quarta-feira (10), a Operação Sol Poente, contra suspeitos de roubar obras de arte — entre eles, quadros de Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral — joias e relógios Rolex, além de pagamentos em dinheiro feitos pela vítima aos integrantes da quadrilha. A filha da vítima, segundo investigações, teria sido a idealizadora do crime. Ao todo, foram expedidos seis mandados de prisão e 14 de busca e apreensão. Até o momento, além da mentora, Jacqueline Stanescos, Rosa Stanesco Nicolau e Gabriel Nicolau Traslaviña Hafliger, filho de Rosa, foram presos. 
Um outro integrante da quadrilha e Diana Rosa Aparecida Stanesco Vuletic, de 37 anos, permanecem foragidos. Foi Diana, inclusive, que, segundo depoimento da idosa, em janeiro de 2020, abordou-a quando saía de uma agência bancária em Copacabana, na Zona Sul do Rio. De acordo com a vítima, Diana se apresentou como vidente e disse que a vida da filha da vítima corria grande perigo. A falsa vidente convidou a senhora para acompanha-la até sua casa, onde jogaria búzios e confirmaria a previsão.
A quadrilha se valeu do fato da idosa ser uma pessoa interessada em questões místicas, ter feito curso de astrologia e ter um cuidado especial com a filha em questão, pois, desde a adolescência, ela sofre de depressão e já teria tentado se matar.
A senhora foi levada a uma segunda vidente (Jacqueline Stanescos) para que o fosse comprovada a previsão da primeira. Durante a consulta, Jacqueline comentou da possibilidade de fazer um trabalho que afastaria o mau agouro e, na sequência, perguntou das posses da mulher, o que levantou suspeitas. Contudo, a vítima foi levada a uma terceira vidente (Rosa, também conhecida como Valéria de Oxóssi), que afirmou saber que a mãe tinha posses para pagar o trabalho, além de informações pessoais, como seu endereço.
Convencida de que estava diante de alguém com um verdadeiro dom, a idosa transferiu, num espaço de duas semanas, cerca de R$ 5 milhões. Com o início do golpe e sob o pretexto de isolar a mãe da Covid-19, a filha começou a dispensar antigos funcionários da casa e afastar a vítima de suas amizades, chegando até a controlar o acesso ao telefone.
Com o passar do tempo, a idosa passou a ser coagida a fazer novas pagamentos à quadrilha, chegando a ser ameaçada pela própria filha com uma faca no pescoço e privando-a de comer, como revelou a Polícia Civil. Com a recusa, a quadrilha passou a levar os quadros com a desculpa que precisavam ser "rezados", pois estavam com "mau olhado", além de joias. Após ser convencida, a vítima chegou a fazer uma nova transferência no valor aproximadamente R$ 4 milhões, depositados na conta de Gabriel Nicolau.
Em uma das saídas da filha de casa, a idosa usou de uma chave reserva, a qual a filha não tinha ciência, para ir até a casa de uma amiga contactar profissionais que fossem até sua residência para internar a filha em um hospital psiquiátrico. Após esse episódio, a filha saiu de casa, indo morar com Rosa Nicolau, com quem tem um caso amoroso. A idosa, então, trocou todas as fechaduras e proibiu que a filha pudesse subir ao apartamento.
Os fatos ocorreram de janeiro de 2020 até abril de 2021. Do término do cárcere até a ida à delegacia, segundo o responsável pelo caso, a idosa precisou de quase um ano para criar coragem de denunciar a própria filha. Ela, Rosa, Gabriel e Jacqueline cumprem prisão preventiva de 30 dias. Os quatro, além de Diana e o outro integrante, responderão pelos crimes de associação criminosa, cárcere privado, estelionato, roubo e extorsão.