A icônica foto do maestro Pixinguinha, em 1967, na cadeira de balanço, com um saxofone Walter Firmo

Já havia passado das 11h de terça-feira quando Walter Firmo entrou num dos elevadores do CBBB RJ, no térreo do histórico prédio no Centro do Rio. Enquanto aguardava a chegada ao seu destino, o renomado fotógrafo admitiu: “Sempre bate um friozinho na barriga”. A expectativa tinha razão de ser: naquele dia, esse carioca de 85 anos guiou a imprensa numa visita prévia à exposição ‘Walter Firmo: no verbo do silêncio a síntese do grito’, que estreou na quarta-feira e se estende até 27 março de 2023. Durante o tour, ele mostrou uma relação de intimidade e respeito com cada um dos personagens retratados por ele, sejam celebridades ou anônimos.
Como a sua câmera, Walter Firmo ajudou a imortalizar grandes nomes — como Cartola, Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara e Pixinguinha — que o fotógrafo pretende um dia reencontrar espiritualmente. “É como se fosse uma família. Eles me colocavam como se eu fosse um deles, quando eu ia à casa deles. Era como se a gente se conhecesse há anos. Eles me deixavam muito à vontade. Também fiz um estudo psicológico disso tudo. Havia a identidade da pele”, diz ele.
Esse forte laço ficou nítido logo que Walter entrou numa das salas do segundo andar e olhou para as suas fotografias: “Toda a vez que eu entrava nessa mesma exposição em São Paulo, esses cidadãos pareciam me dizer: ‘Pô, está demorando, cara. Fica aqui com a gente’”, afirmou o fotógrafo, com bom-humor. “Espiritualmente, a gente vai se encontrar mais adiante. Mas ainda quero ficar aqui um pouquinho”, brincou.
A mostra, que traz um panorama dos 70 anos de trajetória do fotógrafo, é apresentada no CCBB RJ, após ter sido exibida no Instituto Moreira Salles de São Paulo, e marca o início da parceria inédita entre as duas instituições. São 266 fotografias, produzidas desde 1950, em que Walter exalta a cultura negra. Janaina Damaceno, que assina a curadoria ao lado de Sergio Burgi, destacou justamente a importância do lançamento da exposição no mês em que se celebra a Consciência Negra.
Durante a visita guiada, Walter falou sobre as suas obras com detalhes, explicou como os registros haviam sido feitos e interagiu com as fotografias, reavivando aqueles momentos. Foi assim quando ele falou sobre o icônico clique do maestro Pixinguinha numa cadeira de balanço, segurando um saxofone, em 1967. “O grande Muniz Sodré foi o meu foca, que é o nome que se dá a quem sai pela primeira vez para fazer uma reportagem. Ele ficou entrevistando o Pixinguinha e eu fiquei andando. Alguma coisa me dizia que ali eu tinha a oportunidade de fazer uma foto histórica”, contou.
De personalidades a anônimos, ele levou poesia aos cliques, como em ‘Vendedor de sonhos’, de um garoto carregando algodão doce na Bahia. Hoje, quando deseja capturar algo de interessante na rua, não hesita em fazer o registro com o celular. Afinal, ele mesmo diz: “Eu sobrevivo de imagem”.
Um olhar fotográfico desde menino
Walter Firmo parece ter nascido mesmo com o olhar fotográfico. Vem lá da infância o registro de quando ele capturou pela primeira vez uma cena e a congelou na memória. “A primeira fotografia que eu certamente fiz foi no ombro do meu pai. Era 1h de domingo para segunda, e os meus pais voltavam de uma festa. Eu vi as estrelas, vi uma lua, metade dela lua nova talvez, com aquela claridade que povoava, iluminando aquela vastidão onde havia jaqueiras, mangueiras e bananeiras, e o gado dormindo na Estrada da Água Grande. Isso nunca mais saiu da minha cabeça. É possível que, a nível freudiano, eu tenha feito ali a minha primeira fotografia”, contou ele.
Criado em Irajá e torcedor do Vasco, ele ainda descreveu o cenário da sua infância com um céu azul. “A minha avó, que me criou até os cinco anos, não deixava eu brincar com os meninos da minha idade na rua. E no quintal dela, tinha um pomar”.
Walter Firmo começou a fotografar cedo, após ganhar uma câmera do seu pai. Em 1955, aos 18 anos, passou a integrar a equipe do jornal Última Hora, após estudar na Associação Brasileira de Arte Fotográfica (Abaf), no Rio. De lá para cá, descobriu o que o move na vida, mas dispensa ser chamado de senhor. “Eu sou um menino”, diz, contando que está escrevendo um livro também.
Em sua longa trajetória, também ficaram na sua memória as vezes em que sonhou com o momento atual: ter uma exposição no CCBB RJ. Aos 85 anos, o desejo, enfim, está sendo realizado.
Walter Firmo: no verbo do silêncio a síntese do grito
Até 27 de março de 2023
CCBB RJ (Rua Primeiro de Março 66, Centro)
Segunda, quarta a sábado, das 9h às 21h. Domingo, das 9h às 20h. Fechado às terças
Classificação indicativa: 14 anos.
Entrada franca, com ingressos na bilheteria física ou
pelo site bb.com.br/cultura