Gosto de gente que não é escudo, mas transparência. Pessoas que apreciam a natureza, ouvem o mar, escutam os outros e falam de siArte: Kiko

A vida que passa por mim a todo instante me encanta. Nem sempre estou atenta para percebê-la, é verdade, já que a correria do dia a dia me acelera e coloca os meus pensamentos muitas vezes no modo automático. Justamente por isso, valorizo quando me dou conta dos universos que cruzam o meu caminho.
Pensei nisso no início da semana passada, quando comprei um girassol numa floricultura em Caxias e segui para uma loja que sempre frequento. Lá, a atendente olhou para a flor nas minhas mãos e disse que era a sua preferida. De uma forma simples, mas efusiva. Imediatamente, passei o pequeno buquê para ela admirar mais de perto a beleza das pétalas amarelas. Sorridente, ela revelou que a sua próxima tatuagem será um girassol, unindo-se ao nome da filha, à palavra família e aos desenhos de uma borboleta e de uma xícara de café — tudo já eternizado na sua pele.
De lá, segui para o supermercado. No caixa, fui atendida por um senhor que logo puxou papo. Enquanto eu começava a passar as compras na esteira, ele me contou que um cliente havia procurado uma bebida muito antiga. Foi o bastante para ele resgatar na memória as pequenas doses tomadas pelos pais em cálices — e também uma peraltice da sua época de menino. Certa vez, ele resolveu bebericar o tal líquido e se assustou com o teor álcoolico, tendo uma crise de tosse. Na época, não revelou a travessura a ninguém.
Essas e tantas outras vidas passam a todo instante ao nosso lado. E eu gosto de ter tempo para percebê-las. Também admiro quem deixa os olhos ficarem levemente marejados ao relembrar um gesto de generosidade. Vi essa cena recentemente numa confraternização, quando uma convidada que conheci na ocasião transbordou a sua gratidão eterna por uma amiga que temos em comum.
Sou fã dessa espontaneidade que nos torna humanos. E admiro quem abre o coração sem vergonha de suas fraquezas. Afinal, as fragilidades nos tornam gigantes quando reconhecemos que elas existem, mas decidimos que não vão nos dominar. Gosto de gente que não é escudo, mas transparência. Pessoas que apreciam a natureza, ouvem o mar, escutam os outros e falam de si.
Gosto mesmo de quem mostra as suas sensações. E chego à conclusão do porquê isso me encanta tanto hoje em dia. Já fui muito tímida e cabisbaixa, de pouca conversa e quase não revelava para o outro o que se passava no meu mundo. Hoje, sinto vontade de me comunicar — virei uma tagarela assumida — e quero ver e ouvir todas as histórias que cruzarem o meu caminho. Desejo saber mais, muito mais, de gente como a gente.