Fachada do Teatro Glauce Rocha em 2022Pedro Ivo / Agencia O Dia

Rio-Fechado desde 2018, o teatro Glauce Rocha será reinaugurado em dezembro próximo. Localizado na região central do Rio de Janeiro, a casa de espetáculos passou por reformas de infraestrutura e modernização de instalações. O espaço é administrado pela Fundação Nacional das Artes (Funarte), autarquia federal ligada à Secretaria Especial da Cultura, e é responsável pela promoção de políticas públicas nas áreas de artes visuais, dança, teatro e circo. A data específica da reabertura do espaço só depende agora da realização de testes iniciais de verificação do funcionamento dos novos equipamentos. A programação de retomada do teatro será formada por peças selecionadas por um edital público lançado pela Funarte em outubro deste ano para escolher quatro espetáculos, dois voltados para o público adulto e dois para o público infantil.
A reforma englobou a modernização das instalações elétricas e das traves de sustentação do teto do palco. Foram feitos ainda outros trabalhos e serviços de manutenção, como impermeabilização, manutenção de isolamento acústico e da cabine de controle. Neste momento, está sendo finalizada a limpeza e instalação de sonorização e iluminação. O teatro havia sido interditado pela Funarte em 2018, quando se identificaram diversos problemas de conservação, entre os quais uma instalação elétrica precária e extremamente antiga, com fios da década de 20 encapados com tecido. O processo de interdição contou com laudo de engenharia que apontava risco para os frequentadores. Com a reinauguração, a Funarte pretende inserir o teatro na sua programação e retomar o protagonismo que o espaço sempre teve na agenda cultural do centro do Rio de Janeiro.
História da casa
Fundado na década de 60, o Teatro Glauce Rocha teve lugar destacado na história da dramaturgia do Rio de Janeiro e do Brasil. A casa de espetáculos foi criada para ser sede da companhia Teatro Nacional da Comédia (TNC), que deu o primeiro nome ao teatro, que era uma iniciativa do Serviço Nacional de Teatro (SNC), então sob a direção de Edmundo Moniz. A ideia era ter uma companhia teatral oficial mantida pelo governo com repertório de excelência com os melhores profissionais da época. O prédio onde hoje funciona o Glauce Rocha foi originalmente preparado para ser a sede daquela companhia, contando com equipamento e estrutura com o que havia de melhor na época, com um andar exclusivo para a montagem de cenários e com estrutura administrativa própria.
O primeiro espetáculo montado pela companhia foi “Don Juan”, ainda no Teatro Municipal, já que a estrutura do TNC ainda não estava pronta. Com cenários personalizados inspirados na obra de Salvador Dali e com a presença do ator Rodolfo Maia, considerado um grande galã da época, o espetáculo primou pela excelência da montagem. Posteriormente o espetáculo inspirou o livro lançado por Moniz intitulado “Don Juan e o surrealismo”, no qual é contada toda a trajetória de encenação do mesmo com reunião de todas as críticas e polêmicas geradas pela peça. Depois disso, a Companhia Nacional de Comédia realizou uma série de espetáculos no antigo TNC até que Edmundo Moniz abandonou a direção do SNT. Nos anos 70 teatro foi então rebatizado Glauce Rocha e passou a abrigar uma série de companhias profissionais.
Na nova fase, com Orlando Miranda na direção no SNT, inicia-se uma etapa importante na qual o Glauce Rocha é palco de espetáculos de várias partes do país, que recebem apoio para realizar temporadas no Rio de Janeiro. Segundo Carmen Gadelha, professora de direção teatral da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tratou-se de uma iniciativa muito importante de descentralização da produção teatral do eixo Rio-São Paulo, com a vinda de peças de diversas regiões do Brasil, como o Norte, o Nordeste, o Distrito Federal e o Sul do país. “Era uma agenda muito interessante, com os espetáculos se revezando por teatros como o Glauce Rocha, o Cacilda Becker e outros teatros do Rio”, conta a professora. Além disso a casa de espetáculos inicia no período o preenchimento de sua agenda através da abertura de editais, o que a torna extremamente concorrida pelas companhias da época, uma vez que as montagens selecionadas podiam contar com toda estrutura do Glauce Rocha, como equipe de som, iluminação, staff profissional e toda a montagem de cenários.
Em tempo de democracia
Com a chegada dos anos 80, com a redemocratização do Brasil, o Glauce Rocha passa a abrigar uma série de espetáculos que haviam sido censurados, o que faz dele um polo difusor de inovações estéticas e de conteúdo para a prática teatral. Desta época destaca-se o espetáculo “Moço em Estado de Sítio”, de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, com direção de Aderbal Freire Filho. O texto retrata os conflitos do personagem Lúcio Paulo com outros membros de um coletivo teatral e aborda desentendimentos no campo amoroso, engajamento político e temas estéticos no interior do grupo, além de retratar os embates do protagonista com o pai, que pressiona o filho para abandonar o teatro e ir trabalhar em um escritório de advocacia
Outra peça que marcou época no Glauce Rocha foi “Escuta Zé Ninguém”, baseada no texto homônimo do psicanalista e escritor ucraniano Wilhelm Reich, dirigido por Celso Nunes com roteiro, adaptação e atuação da teatróloga e atriz paulista Marilena Ansaldi. A peça enfocou a questão da alienação humana e sua condição marcada pelo senso comum e intrigas. A partir daí aborda a dificuldade de lidar com a liberdade, os temores humanos e o medo da verdade. Segundo Carmem Gadelha, a encenação marcou época por seu caráter vanguardista. “Era um espetáculo muito inovador por unir dança e teatro, de maneira grandiosa, que fez muito sucesso na época”, acentua.
Importância da localização
Outro aspecto que marcou a história do Glauce Rocha foi seu papel decisivo na valorização do Centro da cidade, como local de importância decisiva para a cena cultural. Até os anos 60 os teatros do Centro eram desvalorizados e chegavam a ser chamados de “cadeiras de burro”, já que ninguém queria frequentá-los, ocupando posição desprestigiada em relação aos teatros da Zona Sul carioca. Segundo Gadelha, foi fundamental a existência de políticas culturais para reverter esta situação: “Eu acho que a política estatal de ocupação e uso dos espaços é que realmente tirou estes estigmas. O Centro, a partir do fortalecimento de teatros como o Glauce Rocha e Dulcina, passou a ser frequentado”, avalia.
Bianca de Felipes, coordenadora da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), assegura que o Teatro Glauce Rocha sempre teve lugar destacado na cena cultural da cidade por sua localização no Centro da cidade e seu fácil acesso por sua proximidade com a estação de metrô Carioca. “A facilidade de acesso faz com que o teatro tenha um histórico de público bem popular; é um teatro muito significativo para o Centro do Rio de Janeiro, que nos últimos anos tem sido um pouco degradado. É muito bom que a gente tenha lugares para o Centro reviver”, afirma ela.

Ainda de acordo com De Felipes, a região central da cidade está com falta de palcos em razão do fechamento do Teatro Maison de France e do Ginástico, além de o Teatro Carlos Gomes estar em obras. Ela diz que neste cenário todo novo palco aberto deve ser comemorado pelo público e pelos profissionais de teatro da cidade. Além disso, destaca o fato de que o Glauce Rocha já abrigou outras atividades, como encontros teatrais e palestras, sempre abrindo espaço para as inovações dramatúrgicas:“Era um lugar de muita pesquisa e experimentação. Pela localização, pode abrigar programações alternativas de tarde, como espetáculos para o horário do almoço ou no final da tarde, antes de o público voltar para a casa do serviço. Tem tudo para o teatro voltar a brilhar como já foi um dia.”
A coordenadora da APTR ressalta ainda que o Glauce Rocha é um teatro federal e que com as perspectivas abertas por um novo governo existe a expectativa de que se crie uma agenda de espetáculos no espaço que volte a animar a cena cultural carioca. Neste sentido ela destaca a importância de um trabalho de administração do teatro: “Agora é necessário um trabalho de gestão para que as pessoas voltem a frequentar a casa. Sempre que um espaço reabre depois de ficar muito tempo fechado, as pessoas perdem o hábito. Então, tem que ter uma programação que chame o público, que leve as pessoas para o teatro”.