Em uma década, o Brasil registrou cerca de 1 milhão de casos de desaparecimentosAndrea Piacquadio - Reprodução/ Pexels

Rio - Em uma década, o Brasil registrou cerca de 1 milhão de casos de desaparecimentos, sendo em torno de 50 mil no Rio de Janeiro e dentre eles cerca de 60% dos casos ocorreram na Baixada Fluminense. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2019, o Estado do Rio de Janeiro ocupava o sexto lugar em números absolutos de registros de casos de pessoas desaparecidas.

O despreparo já se inicia com a falta de delegacias especializadas: apenas uma, a Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA), localizada na Zona Norte da cidade. Qualquer delegacia distrital pode fazer o registro do desaparecimento, porém não são feitas investigações. Atualmente no estado do Rio apenas três delegacias possuem núcleos especializados para a investigação de casos de desaparecimento, que são a Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí e a Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, somando com a DDPA. O resultado disso é que mais de 55% dos casos registrados em todo o estado não são investigados.

Paula Napolião, pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC),mestre e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ, é coautora do estudo “Teia de ausências: familiares negros e pobres de pessoas desaparecidas são os que mais sofrem com falhas no atendimento e na investigação no Rio de Janeiro”, em entrevista à coluna Tá Na Rede, do Jornal O DIA, relata que é difícil ter noção da quantidade real de desaparecimentos pois muitos familiares após encontrar seu ente acabam não retornando à delegacia para comunicar o reaparecimento.
Ouça a entrevista na íntegra em podcast

O fenômeno pode atingir todo mundo, porém casos de desaparecidos brancos e de classe média à alta ganham mais notoriedade por parte da mídia e sofrem menos preconceito nas delegacias, portanto ganham mais chances de serem resolvidas.

A maior dificuldade relatada pelas famílias mais pobres, sobretudo negras, é no primeiro atendimento nas delegacias, onde é feito o registro de ocorrência - considerado o "pontapé inicial" para a busca. Muitos relatam ouvir dos policiais que precisam esperar de 24 a 48 horas para registrar a ocorrência. É falsa essa informação e é direito do cidadão pedir a busca imediata. O estudo aponta para a criação da Lei de 2005, conhecida como “lei da busca imediata”, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente para determinar que as investigações do desaparecimento de menores de idade fossem iniciadas imediatamente após notificação aos órgãos competentes.

Além da dor do desaparecimento, Paula relata que muitas vezes o familiar precisa lidar com o descaso do poder público, de ter o registro do desaparecimento negado, receber orientações erradas, dentre outras violências.

Foi o caso de Rogéria Alves da Cruz, de 64 anos, mãe de Vitória Nogueira, que desapareceu no dia 5 de junho de 2009, em Irajá, quando tinha 11 anos. Rogéria está à frente da ONG Mães Braços Fortes que trabalha no apoio a outras mães e familiares de pessoas desaparecidas.


Rogéria conta ao Tá Na Rede que ao comunicar o desaparecimento de sua filha foi desrespeitada pelas autoridades. “Ouvi do detetive, ‘mas é sexta-feira, ela deve estar em um baile de comunidade com o namorado’, só que minha filha só tinha 11 anos, nunca havia ido a baile, meio difícil né”, diz.


É muito comum para famílias negras e pobres ouvir dos policiais que a garota estava com namorado em baile funk ou que o garoto estava envolvido com tráfico, desconsiderando a dor e o sofrimento dos entes. “Conheci uma senhora na delegacia de Belford Roxo que já havia tentado fazer o registro três vezes, e só ouvia que ela não deveria estar ali e sim procurando em hospitais, no IML, dentre outros lugares”, diz Rogéria.

“Eu fui demitida do meu emprego porque eu precisava ir atrás da minha filha, eu passava noites nas ruas, não sei quantas vezes eu entrei em comunidade, apontaram fuzil na minha cara e eu precisava explicar que eu só estava procurando a minha filha que havia desaparecido”, finaliza Rogéria.

Além da falta de preparo dos policiais, a escassez de políticas públicas do Estado, como a de apoio psicológico aos familiares dos desaparecidos é um grande problema segundo Paula Napolião. “Não podemos romantizar a existência de ONGs como a Mães de Braços Fortes porque elas foram criadas justamente para suprir a falta de suporte dado pelo poder público”, diz.
 
 
Busca por desaparecidos sempre em pauta no DIA
Conduzida por André Oliveira e Carina Petrenko, esta edição especial do podcast Tá na Rede, do jornal O Dia, contou com a participação de Charles Rodrigues, que conduz há dois anos a coluna Desaparecimentos em Pauta. "É um trabalho muito satisfatório. O desaparecimento é um tema que precisa ser problematizado, visto que ele é uma questão social", destacou o jornalista.