Alberto Chebabo, infectologista
Alberto Chebabo, infectologistaDivulgação
Por Sidney Rezende
A pandemia da covid-19 projetou vários especialistas que há anos estudam doenças infecciosas. Um dos mais respeitados é o médico infectologista Alberto Chebabo. Membro do Comitê Especial de Enfrentamento da Covid-19 da Prefeitura do Rio de Janeiro e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Chebabo tem acompanhado de perto a propagação do novo coronavírus que já matou mais de 345 mil brasileiros desde o início da pandemia. Para ele, que é diretor-médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ, faltou uma gestão centralizada que deveria ter sido feita pelo Ministério da Saúde com orientações a estados e municípios. "Ao invés disso, fragmentamos o discurso e se privilegiou o tratamento ao invés de medidas de prevenção recomendadas pela OMS e implementadas na maior parte dos países", disse.
Qual a explicação para a pandemia ter se tornado tão descontrolada no Brasil?
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Faltou uma gestão centralizada da epidemia no país. Essa gestão deveria ser realizada pelo Ministério da Saúde, com ações que orientassem Estados e Municípios sobre medidas de prevenção, melhor momento para implementação de medidas restritivas baseado em indicadores claros e objetivos. Ao invés disso, fragmentamos o discurso e se privilegiou o tratamento ao invés de medidas de prevenção recomendadas pela OMS e implementadas na maior parte dos países.
O presidente Jair Bolsonaro é acusado de sabotar políticas públicas que poderiam ter sido adotadas no início da pandemia. Esta crítica é justa?
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Sim, pois ele politizou e polarizou os temas que deveriam ser consenso. Trocar o discurso de prevenção pelo do tratamento com drogas que não têm eficácia dividiu a população e enfraqueceu o discurso que privilegiava medidas reconhecidamente eficazes como distanciamento social e uso de máscaras. A tentativa de convencer as pessoas que poderiam se expor, pois teriam uma droga para tratar a doença, reduziu a adesão às medidas que reduziriam a disseminação. E isso custou um número importante de vidas.
A situação do Rio de Janeiro diante da expansão do vírus é igual a de todo o Brasil ou aqui existem características específicas?
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O Rio de Janeiro teve uma evolução diferente de outros estados. Apresentou como todos uma primeira onda no primeiro semestre de 2020 e uma segunda onda em novembro/dezembro. Com exceção dos estados do norte, nenhum outro estado teve essa segunda onda precoce. Todos os estados da região sudeste, sul e centro-oeste estão tendo esta segunda onda agora, a partir de fevereiro/março/2021. No Rio de Janeiro, estamos vivendo uma terceira onda. Ainda não sabemos qual o tamanho dela, mas os dados mais recentes apontam que ela pode ser menor do que o que está acontecendo nos estados vizinhos. Mas ainda é cedo para termos certeza.
O lockdown ao lado da vacina são os melhores antídotos para enfrentar o coronavírus?
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Diria que as medidas restritivas e as vacinas são as melhores armas. O lockdown é uma medida extrema que deve ser aplicada quando o crescimento da epidemia se torna exponencial e não pode mais ser contido apenas com medidas restritivas mais brandas. O lockdown permite que a transmissão caia rapidamente, reduzindo a demanda nos hospitais e evitando mortes que ocorrem devido à incapacidade de atender a todos, como vimos recentemente em Manaus e Porto Alegre, apenas para citar duas cidades. Mas, sem dúvida, a vacinação em massa da população é o melhor antídoto. Quando combinada com lockdown, como fizeram Israel e Reino Unido, o controle dos casos se mantém mesmo após a liberação das atividades, o que não ocorre quando fazemos apenas o lockdown, pois a tendência é os casos voltarem a subir com a reabertura.
O ministro da Saúde acredita que, em breve, o Brasil vacinará 1 milhão de pessoas por dia. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, mais otimista, aposta em 2 milhões de imunizados por dia de maio em diante. As metas dos dois serão atingidas?
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Esperamos que sim, mas ainda há muitas incertezas. A oferta de vacina ainda está muito instável, com produções do Butantan e da Fiocruz ainda dependentes de importação do IFA que não é produzido no Brasil. No mês de março, houve redução importante das vacinas entregues aos estados e municípios e em abril o cenário, apesar de melhor do que o de março, já mostra as dificuldades que teremos com o Butantan anunciando a parada da produção devido ao atraso do IFA importado da China e a Fiocruz também com problemas na produção, já projetando uma redução de entregas frente ao que foi prometido pelo Ministério da Saúde. E os novos contratos assinados pelo Ministério da Saúde só preveem entregas maiores ocorrendo apenas no segundo semestre. Temos estrutura para vacinarmos de 1,5 a 2 milhões de pessoas por dia no SUS, mas faltam vacinas para cumprirmos esta meta.
Os hospitais brasileiros beiram o colapso, os profissionais de saúde estão exaustos. Quanto tempo mais o senhor acredita que se suportará este número crescente de infectados e de óbitos?
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Muito pouco tempo. Os hospitais, tanto públicos como privados, estão operando no limite de sua capacidade. E não é só pela questão da falta de leitos. Faltam insumos básicos, como luvas, medicamentos para intubação e sedação e até antibióticos. Além do oxigênio como vimos faltar em várias cidades. A demanda por insumos é tão grande que as indústrias não estão dando conta de entregar por falta de matéria-prima, a maioria importada. Todo o sistema de saúde no Brasil está à beira de um colapso. Além disso, vários profissionais de saúde estão se afastando da linha de frente por estarem extremamente esgotados e até doentes, física e psicologicamente. O dia a dia no CTI é muito estressante, com histórias tristes e óbitos. Estamos acostumados a lidar com a morte, mas, em excesso, como ocorre nessa doença, é muito difícil. A gente é preparado para salvar vidas. A morte é uma consequência da doença. Sabemos que não vamos conseguir salvar todos. Mas, em 30 anos de profissão, boa parte deles atuando na assistência, inclusive em CTI, nunca vi uma situação tão catastrófica como essa. Mesmo o surto recente de febre amarela, doença com letalidade muito alta, não foi tão estressante para as equipes, já que o surto foi de curta duração. Agora estamos há 1 ano assim e não vemos quando isso vai terminar.
O senhor acredita que o Brasil terá condições regulares de abastecimento de oxigênio e medicamentos de intubação nos próximos 3 meses?
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Se a situação não melhorar nas próximas semanas, certamente teremos desabastecimento de insumos básicos. Já estamos trabalhando com o plano B, pois alguns sedativos estão em falta no país todo. Não há para entrega e a indústria não tem previsão de novas remessas, pois falta a matéria-prima. E mesmo as medicações que estamos utilizando para substituir as que faltam também estão se esgotando rapidamente, com pouca previsão de reposição pela indústria. E, quando há, os preços subiram assustadoramente, muitas vezes 5 vezes mais caros. Quanto ao oxigênio, é provável que falte, principalmente em cidades menores, afastadas dos grandes centros.
A experiência de lockdown na cidade de Araraquara serve de modelo a ser adotado no Rio de Janeiro?
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O lockdown em Araraquara foi muito bem sucedido, reduzindo drasticamente a transmissão e o número de casos. Mas é uma cidade pequena, diferente de um grande centro como a cidade do Rio de Janeiro. Ou mesmo da cidade de São Paulo, por exemplo. Mas Araraquara mostrou que se for feito um lockdown bem feito, por tempo adequado, os resultados são claramente positivos. Mas precisa fechar toda a atividade e fechar as entradas da cidade, com barreiras sanitárias. Lá, até os mercados fecharam, só sendo permitido entregas. Toda a cidade ficou restrita praticamente às suas residências, com exceção dos serviços essenciais como saúde e segurança pública. Dá para fazer no Rio de Janeiro, mas teria que ter apoio do governador e dos prefeitos. Lockdown precisa de restrição de mobilização, inclusive com barreiras sanitárias para não permitir que as pessoas se desloquem de uma cidade para outra.
Quais os acertos e erros que o senhor destaca no trabalho das secretarias de Saúde do estado e da capital do Rio?
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Foram poucos acertos e muitos erros, infelizmente. Não à toa, fomos, em 2020, a capital com maior taxa de mortalidade. Hospitais de campanha que não funcionaram enquanto tínhamos leitos ociosos fechados em hospitais por falta de pessoal e equipamentos. Leitos abertos em hospitais de campanha sem um mínimo de qualidade de atendimento, se tornando locais com alta taxa de mortalidade. Fomos um dos estados que menos realizou testes diagnósticos, tão importantes para controle da epidemia. Felizmente, a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro modificou esse cenário em 2021, fechando o hospital de campanha do Riocentro e abrindo leitos que estavam fechados em hospitais, com estrutura mais adequada para atender à demanda de pacientes tão graves. Só isso já fez diferença enorme, reduzindo a mortalidade na cidade. E o lockdown de 14 dias que conseguiu reduzir a curva de crescimento que estava ocorrendo. Mas que não teve a contrapartida das cidades vizinhas e o apoio do governador. O que adianta fechar a cidade do Rio enquanto municípios vizinhos mantêm tudo aberto? E muitos dos que adoecem nessas cidades acabam internados aqui na cidade do Rio. O ideal é que todo o estado entrasse em lockdown ao mesmo tempo. Aí sim teríamos resultados mais expressivos. Pelo menos tivemos a união de 4 municípios (Rio de Janeiro, Niterói, Itaguaí e Maricá) nas estratégias de vacinação e na implementação de medidas restritivas. A boa notícia é que a cidade do Rio de Janeiro é uma das que mais vacina sua população, com postos e locais de vacinação organizados e sem grandes problemas. Ultrapassamos 1 milhão de vacinados com a primeira dose na cidade, mais de 15% dos cariocas. Vacinas salvam vidas.