Ex prefeito Zelito TringuelêFoto/Reprodução Facebook

Guapimirim – O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) decretou a dupla cassação dos direitos políticos do ex-prefeito de Guapimirim Jocelito Pereira de Oliveira, mais conhecido como Zelito Tringuelê, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, por improbidade administrativa. As decisões são dos dias 18 de dezembro de 2020 e 28 de abril de 2021, as quais são reveladas com exclusividade por O Dia.
Descumprimento da Lei de Transparência
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A mais recente decisão é do dia 28 de abril deste ano. Contra o ex-mandatário foram decretadas: a suspensão dos direitos políticos por três anos; a perda da função pública; a proibição de contratar com o poder público por três anos, inclusive na forma de pessoa jurídica em que seja sócio ou proprietário; multa de 20 vezes o valor do último salário recebido como prefeito; e o pagamento de R$ 50 mil por danos morais coletivos com correção monetária a contar da data da decisão e juros legais de 1% ao mês contados a partir dos atos praticados. O salário dele era de R$ 22 mil.
Em 2019, Zelito Tringuelê foi denunciado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) por suposto descumprimento da Lei da Transparência (Lei Complementar nº 131/2009) e da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), pois no site da Prefeitura de Guapimirim, durante seu mandato (2017-2020), não constavam informações completas acerca de contratos licitatórios nem da folha de pagamento do quadro de pessoal.
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Na decisão judicial, a juíza Rafaela de Freitas Baptista de Oliveira, da Comarca de Guapimirim, destacou que durante uma audiência ocorrida no TJRJ, em 17 maio de 2017, Tringuelê havia se comprometido pessoalmente em disponibilizar as informações sobre o quadro de funcionários. Em outra audiência realizada em 07 junho de 2018, mais de um ano após, tais informações foram requeridas pela magistrada. O governo Tringuelê não cumpriu com o prazo estipulado para a entrega da documentação. Em 15 de janeiro de 2019, em seu terceiro ano de governo, o portal da prefeitura estava desatualizado. Ainda não constavam todos os dados.
“Em 15.01.2019: (...) constata-se, portanto, que o portal não está atualizado, eis que apenas são encontradas informações afetas à estrutura salarial até novembro de 2018, não constando informações sobre servidores comissionados atuantes no Município de 2017 e de janeiro a julho de 2018”, escreveu a magistrada num trecho da decisão.
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O Portal da Transparência era de responsabilidade da Secretaria Municipal da Casa Civil. Funciona como um submenu no site da Prefeitura de Guapimirim e precisa ter informações sobre receitas, despesas com servidores e fornecedores, processos licitatórios etc. Tudo isso deve ficar acessível para qualquer visitante da página, tanto um morador quanto órgãos fiscalizatórios como Ministério Público e Tribunal de Contas, por exemplo.
Em 2020, o MPRJ enviou recomendação ao então prefeito Zelito Tringuelê para que o site da administração municipal tivesse informações sobre os gastos no enfrentamento à pandemia de coronavírus (Covid-19).
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No dia 29 de abril de 2020, no início da pandemia, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) recebeu denúncia de suposto superfaturamento na aquisição de álcool 70º. O governo Tringuelê havia publicado na edição nº 431 do Diário Oficial do Município, em 13 de abril de 2020, a compra de mil galõezinhos de álcool 70º em gel de 5 litros por R$ 280 cada, totalizando R$ 280 mil.
Equipe técnica do TCE-RJ realizou pesquisa de mercado na internet e constatou que o valor do álcool 70º em gel de 5 litros variava entre R$ 59,85 e R$ 116,90 e que o preço médio de mercado era de R$ 80,75. Ainda, segundo a corte, o sobrepreço no álcool vendido a Guapirimirim era de 241%, o que resultaria num prejuízo de R$ 163,1 mil
ao erário público.
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Em resposta, o governo Tringuelê disse que o produto objeto de questionamento ainda não tinha sido entregue pelo fornecedor e que o valor do álcool 70º em gel tinha sido baixado para R$ 65, com valor abaixo da média de mercado. O TCE-RJ tinha pesquisado que o preço médio era de R$ 80,75.
A prefeitura também publicou ter comprado quatro mil garrafas de álcool 70º em gel de 500ml por R$ 19,93 cada, totalizando R$ 79.720,00.
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A verdade é que Tringuelê ainda pagou caro. Dez garrafas de álcool 70º em gel de 500ml cada equivalem a 5 litros e totalizam R$ 199,30. Bastava ele ter comprado apenas álcool em gel de 5 litros cada. No comparativo, a economia entre 10 garrafas de 500ml e uma garrafa de 5 litros seria de R$ 134,30. Mas isso, no cálculo da suposta correção.
Depois que o TCE-RJ recomendou a suspensão dos pagamentos e a elaboração de um novo aditivo de contrato a preços médios de mercado, o governo Tringuelê anunciou que o valor do contrato com fornecedores tinha sido revisto de R$ 779,6 mil para R$ 564,6 mil. A diferença foi de R$ 215 mil.
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Somente quando o caso veio à tona pela Rádio Bandnews que o governo Tringuelê publicou uma suposta correção na edição nº 444 do diário oficial, no dia 5 de maio de 2020, ou seja, 22 dias após. Em defesa, tentou culpar por má apuração a emissora que noticiou o ocorrido.
Em 2020, durante uma visita ao site da Prefeitura de Guapimirim, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) constatou que num submenu destinado à publicização dos gastos com a pandemia não havia nenhuma informação disponível. Somente se tornaram públicos foi possível observar que a administração Tringuelê chegou a pagar até quatro vezes mais por materiais hospitalares, conforme noticiado pela TV Globo.
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Em Guapimirim, 17 camas fawler elétricas custaram aos cofres municipais R$ 234,6 mil. Cada uma saía por R$ 13,8 mil. Já a Prefeitura de Resende, também no estado do Rio de Janeiro, pagou por 30 camas desse tipo R$ 123 mil. Cada item saía por R$ 4,1. Na internet era possível achar esse produto por R$ 9,6 mil.
Guapimirim pagou por duas mil máscaras N95 a cifra de R$ 74 mil. Cada item custou R$ 37. Já a cidade vizinha de Teresópolis pagou por 2,5 mil máscaras N95 o valor de R$ 24,8. Cada item saía por R$ 9,90.
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Vários gestores Brasil afora se aproveitaram da brecha criada pelo momento crítico que o Brasil estava passando para comprar sem licitação.
Nepotismo
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A outra condenação contra Zelito Tringuelê, por nepotismo, mencionada nesta reportagem, é do dia 18 de dezembro de 2020. Ele teve os direitos políticos cassados por três anos, perda da função pública, proibição de contratar com o poder público pelo prazo de três anos, inclusive como pessoa jurídica na qual seja sócio ou dono, ademais o pagamento de multa civil de 10 vezes a última remuneração recebida acrescida de juros de 1% a contar da data da sentença. O dinheiro será revertido aos cofres municipais. Ele também foi condenado ao pagamento de custas processuais.
O ex-prefeito foi acusado pelo Ministério Público fluminense de praticar nepotismo, ao empregar a esposa Paula Francinete Machado de Jesus – que hoje assina como Paula Tringuelê – para o cargo de secretária de Assistência Social e Direitos Humanos e o irmão Jocélio Pereira de Oliveira para subsecretário de Urbanismo e Regularização Fundiária. Em 2017, o ex-chefe do Executivo guapimiriense acatou em parte as recomendações do MPRJ, ao exonerar parentes de secretários e de vereadores, contudo manteve os familiares mencionados e outros dois servidores. A esposa e o irmão não conseguiram comprovar perante a Justiça capacitação técnica ou política para justificar a permanência nos postos.
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A juíza Rafaela de Freitas Baptista de Oliveira também havia determinado a exoneração de Paula Tringuelê e de Jocélio Pereira.
Comentários sobre os casos
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Nas duas sentenças, Zelito Tringuelê foi condenado pelo TJRJ a três anos cada de perda dos direitos políticos. As penas são somadas, segundo o advogado Leonardo Sales de Castro.
"Já esperávamos por uma reprovação judicial dos atos nepotistas e insultos administrativos praticados pelo ex-prefeito Zelito Tringuele. Após duas sentenças judiciais, duas condenações que, cumuladas, o retiram definitivamente do cenário político, se confirmada em segunda instância, o condenam a sua perda dos direitos políticos, acabando com suas pretensões para 2022. O que nos causa espécie é a edilidade da época não ter reprovado as suas contas e não ter aberto um processo de cassação do mandato. Será que os edis não viam nepotismo nas ações daquele Prefeito?
Certo é que Guapimirim parece ter entrado nos trilhos e caminha para definitivamente uma emancipação política e administrativa. Para 2022, esperamos ver atitudes sensatas por parte da população e fazendo valer a sua autoridade de cidadão e detentora do verdadeiro poder constituinte.
Guapimirim merece respeito", opinou ao O Dia o advogado Leonardo Sales de Castro, especialista em Direito Público e pós-graduando em Direito Eleitoral.
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Vários comissionados durante o governo Tringuelê eram cônjuges ou parentes de vereadores, sendo que apenas alguns deles foram denunciados pelo MPRJ na questão do nepotismo.
Muitas coisas ainda precisam ser explicadas. Em maio de 2020, por exemplo, o governo Tringuelê anunciou cortes salarias de até 50%, mantendo o pagamento de pelo menos um salário mínimo. Na folha de pagamento referente ao depósito feito no dia 5 de junho de 2020, constava como se os servidores tivessem recebido na íntegra os antigos salários, mas as contas bancárias provavam o contrário. A redução salarial não atingiu a todos os funcionários. E não houve comunicação direta por parte do prefeito acerca dos cortes. Era ano eleitoral e ele não poderia ter sua imagem atrelada a isso. Os avisos eram feitos pelos secretários e chefes de cada área a seus subordinados.
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Ambas as decisões judiciais são de primeira instância. Isso significa que o ex-prefeito pode recorrer.