Manifestantes realizaram ato após morte de primas Emily e Rebeca, em Duque de Caxias,  na Baixada Fluminense - Aline Cavalcante
Manifestantes realizaram ato após morte de primas Emily e Rebeca, em Duque de Caxias, na Baixada FluminenseAline Cavalcante
Por Aline Cavalcante
Rio - A plataforma Fogo Cruzado vai lançar na segunda-feira (11) o Relatório Anual 2020. Dados acessados com exclusividade pelo O DIA, mostram o panorama da violência na Baixada Fluminense. Somente em 2020, foram registrados 1033 tiroteios, uma média de três disparos por dia, resultando em 293 mortos e 198 feridos na região. Dentre os baleados, 13 foram vítimas de bala perdida. Dessas, oito pessoas morreram. Um crescimento de 167% em relação a 2019. Já o número de crianças baleadas (mortas e feridas) teve aumento alarmante: 267%. Duque de Caxias, Belford Roxo e Nova Iguaçu, são os municípios que mais registraram tiroteios.

Em 2020 foram 11 crianças atingidas por tiros. Dentre elas, seis morreram e outras cinco ficaram feridas. Entre os adolescentes houve queda em 2020, em comparação com 2019. Sete foram baleados, sendo seis mortos e um ferido. Enquanto em 2019 foram 16 baleados, com 10 mortos e seis feridos.

Os registros de idosos baleados em 2020 também mostram queda de 56%, se comparados com 2019. Foram quatro vítimas, dentre as quais três vieram a óbito.

As chacinas diminuíram em 68%. Ao todo, 36 pessoas morreram em oito chacinas na Baixada. O número de mortos nestes casos também diminuíram, cerca de 61%.

O número de agentes de segurança baleados na região teve queda de 50%. Ainda assim, 27 pessoas foram atingidas por tiros em 2020 (uma média de quase dois por mês), sendo 20 mortos e sete feridos.
Para Adriano Araújo, sociólogo e coordenador do Fórum Grita Baixada, a situação é complexa e preocupante. "Esses casos continuam acontecendo na Baixada pois não há uma postura firme e decidida dos governos e poderes locais em estancar essa violência, pois ela atinge muito mais os pobres, os negros e os moradores de periferias, onde várias outras atrocidades acontecem regularmente e ninguém fica sabendo. A violência na Baixada Fluminense é um sintoma de uma região que há décadas grita por atenção. Atenção para problemas históricos que não são encarados com a seriedade que merecem".
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Adriano ressalta ainda que, quanto mais pertencentes a camadas menos favorecidas, mais invisíveis a s pessoas se tornam. "Esta realidade é cruel pois estamos falando de vidas de pessoas pobres, negras e periféricas, que são invisibilizadas, assim como a própria Baixada. Alguém consegue imaginar a repercussão que teria se três crianças moradoras do Leblon desaparecessem?"
Para ele, a solução não está em uma única ação, mas em um conjunto. "Penso que não exista uma só solução que resolva um problema histórico, complexo e multifacetado.  É preciso que a “ocupação” da Baixada e das periferias se dê por meio de políticas públicas estruturadas e com vistas a reduzir ao máximo as desigualdades socioeconômicas nesse território. Estamos falando de gerações inteiras de famílias que vivem em condições extremamente precarizadas e que sobrevivem, muitas vezes, reféns dos esquemas do tráfico, da milícia, do agente público corrupto".
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Ele acredita ainda que seja necessário outras ações mais diretas e imediatas, de modo que atingissem o centro de poder financeiro e de funcionamento desses grupos. "O caminho passa pela mobilização e articulação dos atingidos por esta violência. Por aqueles que não compactuam com ela. Quem sabe assim, tenhamos mais esperança", conclui.

Motivação dos tiroteios

Na Baixada Fluminense foram registrados 1033 tiroteios em 2020, 37% a menos que em 2019, que teve 1650 disparos. Do total de 2020, 360 tiveram registros com informações sobre motivos dos disparos. As operações policiais foram os registros que lideraram os tiroteios. Foram 198 em 2020, uma redução de 29% em relação a 2019.

Os homicídios ou tentativas ficaram em segundo lugar com 86 registros em 2020, uma queda de 60% em comparação com 2019. Os roubos (ou tentativas) resultaram em 43 tiroteios na Baixada Fluminense, 58% a menos quem em 2019.

Já os ataques a civis cresceram 2000% no ano passado, se comparados com os registros do ano anterior. Foram 21 tiroteios em 2020. Os tiroteios em arrastões também cresceram 300%.

As cidades e bairros com mais registros

Em 2020, cinco cidades da Baixada Fluminense lideraram a quantidade de tiroteios. Foram elas: Duque de Caxias, Belford Roxo, Nova Iguaçu, São João de Meriti e Mesquita, nesta ordem.

Só em Caxias, foram registrados 318 tiroteios no passado, uma média de 26 mensalmente, 50 pessoas foram mortas e 51 se feriram. Em Belford Roxo foram 208 tiroteios, dos quais 103 pessoas saíram baleadas, sendo 59 mortas e 44 feridas. Em Nova Iguaçu, dos 138 tiroteios 83 pessoas foram atingidas, dentre as quais 58 morreram.

Já São João de Meriti teve 122 tiroteios, que resultou em 61 baleados. E Mesquita, 28 pessoas foram atingidas nos 73 tiroteios registrados na cidade.

No ranking dos 10 bairros que mais registraram tiroteios estão, três são de Caxias, outros três de Belford Roxo, dois de Nova Iguaçu e Queimados e Meriti aparecem uma vez cada.

São eles: Olavo Bilac (Caxias) com 61, Vila Centenário (Caxias) com 25, Gláucia (Belford Roxo) tem 21 registros, Vilar dos Teles (Meriti) 20, Bom Pastor (Belford Roxo) e Gramacho (Caxias) têm 16, Centro (Belford Roxo) e o Caonze (Nova Iguaçu) tiveram 15 e São Simão (Queimados) e Centro (Nova Iguaçu) com 14 cada.


Casos de violência

Na noite desta quinta-feira (7), um ataque a tiros terminou com três pessoas mortas e outras três feridas. As vítimas estavam em bar de Vilar dos Teles, em São João de Meriti. Testemunhas contaram aos policiais que os bandidos já chegaram atirando contra as pessoas.

Não coincidentemente, o bairro onde aconteceu este episódio é o que teve o maior número de baleados em 2020. Ao todo, no ano passado, 12 pessoas, dentre mortos e feridos, foram atingidas por disparos de arma de fogo na localidade.

Também em 2020, no dia 4 de dezembro, uma tragédia marcou Duque de Caxias. As primas Emily Victória da Silva Moreira Santos, de 4 anos, e Rebeca Beatriz Rodrigues dos Santos, de 7, brincavam na porta de casa na comunidade Barro Vermelho, em Gramacho, quando foram atingidos por tiros de fuzil. Emily foi atingida na cabeça e morreu na hora. Rebeca levou um tiro no peito, chegou a ser socorrida, mas não resistiu.
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Em Belford Roxo, no dia 13 de dezembro, dois jovens apareceram mortos após uma abordagem policial. Edson Arguinez Junior, de 20 anos, e Jordan Luiz Natividade, de 18, foram encontrados mortos a quilômetros do local da abordagem. A PM considerou a ação "extremamente errada".

Também em dezembro de 2020, dois policiais militares morreram em menos de 24h na Baixada Fluminense. No dia 4, o cabo Derinaldo Cardoso dos Santos, de 34 anos, tentou impedir um assalto a uma loja da Casa & Vídeo, no Centro de Mesquita, quando foi baleado na cabeça e não resistiu. No dia 5, Douglas Constantino Barbosa estava em um bar, no bairro Santa Rita, em Nova Iguaçu, quando criminosos armados desceram de um veículo e dispararam contra ele.

Os crimes aconteceram em municípios, que de acordo com relatório do Fogo Cruzado, registraram o maior números de tiroteios no ano de 2020.
Seguem os números do relatório detalhado:
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Tiroteios na Baixada- 1033 (-37%)
Com Presença de Agentes- 262 (-34%)
Mortos na Baixada- 293 (-41%)
Feridos na Baixada- 198 (-29%)
Média de tiros por dia- 3 (-38%)
Casos sem vítimas- 69% (1%)

Vítimas de bala perdida- 13 (13%)
Mortos bala perdida- 8 (167%)
Feridos bala perdida- 5 (-58%)

Agentes baleados- 27 (-50%)
Agentes mortos- 20 (-13%)
Agentes feridos- 7 (-77%)

Chacinas (casos)- 8 (-68%)
Chacinas (mortos)- 36 (-61%)

Crianças baleadas- 11 (267%)
Crianças mortas- 6
Crianças feridas- 5 (67%)

Adolescentes baleados- 7 (-56%)
Adolescentes mortos- 6 (-40%)
Adolescentes feridos- 1 (-83%)


Idosos baleados- 4 (-56%)
Idosos mortos- 3 (-50%)
Idosos feridos- 1 (67%)


Motivos dos tiroteios registrados em 2020

Ação/Operação Policial- 198
Homicídio/Tentativa- 86
Tentativa/Roubo- 43
Ataque a civis- 21
Brigas- 5
Arrastão- 4


Tiroteios por município

Números totais da Baixada Fluminense- 1033 (293 mortos e 198 feridos)
Duque de Caxias- 318 (50 mortos e 51 feridos)
Belford Roxo- 208 (59 mortos e 44 feridos)
Nova Iguaçu- 138 (58 mortos e 25 feridos)
São João de Meriti- 122 (42 mortos e 19 feridos)
Mesquita- 73 (16 mortos e 12 feridos)
Queimados- 48 (19 mortos e 11 feridos)
Japeri- 37 (12 mortos e 17 feridos)
Nilópolis- 32 (4 mortos e 1 ferido)
Itaguaí- 22 (19 mortos e 7 feridos)
Magé- 22 (12 mortos e 9 feridos)
Paracambi- 5 (2 mortos e 1 ferido)
Seropédica- 5
Guapimirim- 3 (1 ferido)


Tiroteios por bairro (ranking de 10)

Olavo Bilac (Caxias)- 61
Vila Centenário (Caxias)- 25
Gláucia (Belford Roxo)- 21
Vilar dos Teles (Meriti)- 20
Bom Pastor (Belford Roxo)- 16
Gramacho (Caxias)- 16
Centro (Belford Roxo)- 15
Caonze (Nova Iguaçu)- 15
São Simão (Queimados)- 14
Centro (Nova Iguaçu)- 14