'A gente agora deixa de sair a noite, se não tiver de carro, porque se não, não tem mais como voltar para casa direito. Nenhum carro por aplicativo aceita corrida para cá, porque vive em guerra, tem constantes tiroteios". Esse é o relato de um morador do bairro Amendoeira, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, que sofre com o "toque de recolher" que traficantes têm, indiretamente, imposto à população.
São Gonçalo foi a cidade do Leste Metropolitano que mais registrou tiroteios em 2020. Ao todo, foram 579 casos de disparos. O número foi divulgado no balanço anual da plataforma Fogo Cruzado, que apontou, ainda, o bairro Amendoeira como o mais violento de toda a região, com 62 tiroteios ocorridos. O local fica à frente de todos os bairros de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Maricá, Rio Bonito, Cachoeira de Macacu e Tanguá.
Segundo o comandante do 7º BPM (São Gonçalo), Gilmar Tramontini, grande parte desses tiroteios na Amendoeira aconteceram porque o Complexo da Alma, localizado no bairro, é o único do município que tem o tráfico de drogas controlado pela facção Terceiro Comando Puro (TCP).
"Por ser o único local de São Gonçalo que tem criminosos do TCP, o Complexo da Alma acabou se tornando palco de disputas por controle de território. Traficantes ligados ao Comando Vermelho atacam o conjunto de favelas com a intenção de conseguir 'fechar o condomínio', como eles falam, e para dominar o tráfico no município", explicou.
De acordo com informações de inteligência do Batalhão de São Gonçalo, os principais responsáveis por esses ataques, são traficantes do Comando Vermelho (CV), oriundos do Complexo do Anaia, que são liderados por um criminoso identificado apenas como Recife.
Inocentes baleados
A disputa entre bandidos de grupos rivais pelo controle do tráfico do Complexo da Alma vitimou pessoas inocentes. Em dezembro, a missionária e cantora gospel Eunice Veiga, de 59 anos, morreu após ser atingida por uma bala perdida dentro de casa, no bairro Amendoeira. Ela estava na cozinha, quando o tiro entrou pela janela e feriu. O mesmo tiroteio que causou a morte de Eunice, ainda deixou outras duas pessoas baleadas.
Na época, os filhos da vítima contaram que o bairro estava enfrentando tiroteios há mais de duas semanas consecutivas por conta da guerra entre traficantes.
Meses antes, em julho, traficantes locais, liderados por um criminoso conhecido como Pai, executaram os soldados do Exército, Victor Hugo Xavier e Daniel Ferreira de Azevedo. Os rapazes, que moravam em um bairro que tem o tráfico dominado pelo CV, haviam acabado de deixar uma amiga em casa, quando bateram de frente com os traficantes do TCP.