Tomógrafo da Rocinha, que fica na Igreja Universal do bairro, é um dos 12 que estão fora de operação
Tomógrafo da Rocinha, que fica na Igreja Universal do bairro, é um dos 12 que estão fora de operaçãoDaniel Castelo Branco
Por Bernardo Costa
Rio - Os tomógrafos instalados, no ano passado, em unidades básicas de saúde da Prefeitura do Rio com o propósito de salvar vidas na pandemia, a partir do diagnóstico precoce da covid-19, deixaram de funcionar no último dia 31. A empresa responsável pela operação dos 12 equipamentos alega nove meses de atrasos de repasses pela prefeitura, o que impossibilitou o pagamento dos salários de cerca de 80 técnicos de radiologia e funcionários administrativos que operavam os aparelhos. Sem receber, a Amo-RX Imagens Rio Radiologia LTDA. decidiu interromper o serviço e colocar os profissionais de aviso prévio.

Os dois contratos firmados pela empresa com a prefeitura, na gestão do ex-prefeito Marcelo Crivella, foram assinados nos dias 18 e 24 de junho para a operação do serviço de tomografia e raio X dos 12 tomógrafos instalados em hospitais, clínicas da família, UPAs e nos estacionamentos da Igreja Universal do Reino de Deus, na Rocinha, e do shopping Via Rio Pavuna. O valor dos contratos é de R$4.266.000 e R$6.684.018 pelo período de seis meses.

"Esses valores foram estimativas. Nós deveríamos receber por exames realizados. Fizemos cerca de quatro mil exames por mês e calculo que temos a receber cerca de R$3 milhões da prefeitura. O único pagamento que recebemos até o momento foi de R$388.158 em novembro do ano passado, que é referente à parte do valor devido pelo mês de junho", explica o médico Adriano Mofato Pinto, administrador da empresa Amo-RX, que diz ter arcado com os salários dos funcionários, por conta própria, por um período de seis meses:

"Peguei empréstimos em bancos e vendi bens pessoais para poder honrar o compromisso com os meus funcionários. Boa parte deles está comigo há 11 anos e nunca houve atraso de salários. Mas, depois de noves meses sem repasses, não pude mais prosseguir. Se a prefeitura não me pagar, terei um endividamento por toda a minha vida". 
Portões trancados no acesso ao tomógrafo da Rocinha: exames interrompidos - Daniel Castelo Branco
Portões trancados no acesso ao tomógrafo da Rocinha: exames interrompidosDaniel Castelo Branco
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No último sábado, os portões que davam acesso ao tomógrafo da Rocinha, que fica no estacionamento da Igreja Universal do Reino de Deus, estavam trancados com cadeados, e não havia nenhuma movimentação de exames no local.

"Os portões ficavam sempre abertos e tinha um movimento intenso de ambulâncias trazendo pacientes para exames. Na semana passada, parou tudo. Acho isso um absurdo, ainda mais nesse momento em que os casos de covid estão aumentando na cidade. Dizem que parou porque a prefeitura não paga os funcionários", disse uma vendedora ambulante que trabalha em frente ao estacionamento da Universal, e preferiu não se identificar.

Ela conta que, na semana passada, presenciou casos de pacientes que, com a prescrição médica para a realização do exame, foram surpreendidos com a desativação do tomógrafo.

"Várias pessoas deram de cara na porta, inclusive ambulâncias", disse.

Também pedindo o anonimato à reportagem, uma das técnicas de radiologia que trabalhavam na operação do tomógrafo da Rocinha comenta sobre a importância dos exames de tomografia para o tratamento da covid-19:

"A grande maioria dos diagnósticos e controle da covid é feita pelos exames de tomografia, pois não tem teste de PCR para todo mundo. É pelos tomógrafos que se vê o quanto os pulmões estão comprometidos pela doença e, só por meio desse diagnóstico, as pessoas conseguiam internação de vaga zero, que são aquelas de extrema urgência, em que o paciente nem passa pela central de regulação por conta do risco iminente de morte. Esses tomógrafos ajudaram a salvar muitas vidas na pandemia", diz a funcionária.

Os dois contratos firmados com a empresa para operação dos tomógrafos venceram nos dias 14 e 20 de dezembro. No entanto, foi publicado no Diário Oficial do município, no dia 14 do mesmo mês, a autorização para a prorrogação dos contratos por mais seis meses.

"Na ocasião, a Secretaria municipal de Saúde disse para continuarmos trabalhando porque o contrato seria renovado e os pagamentos, quitados. Mas isso não aconteceu e trabalhamos por mais três meses sem contrato e sem receber por esses meses e nem pelos atrasados", diz Adriano Pinto.
Pichação no muro que dá acesso ao tomógrafo da Rocinha, instalado em estacionamento da Igreja Universal. Exames interrompidos por falta de pagamento - Daniel Castelo Branco
Pichação no muro que dá acesso ao tomógrafo da Rocinha, instalado em estacionamento da Igreja Universal. Exames interrompidos por falta de pagamentoDaniel Castelo Branco


Com a mudança de gestão na prefeitura, foi publicado decreto no Diário Oficial do município, em 1 de janeiro, determinando auditoria nos contratos da administração anterior, e quitação dos débitos do governo Crivella somente após sindicância.

"Mas os repasses a partir de janeiro seriam feitos. O problema é que não tínhamos mais contratos, mas, assim mesmo, continuamos realizando os exames de tomografia. Dez dias antes de encerrarmos, mandamos ofício à atual gestão da prefeitura, mas não obtivemos resposta. Não tivemos mais condições de continuar sem receber", diz Adriano Pinto.

Localização dos tomógrafos

Os 12 tomógrafos que eram operados pela empresa Amo-RX Imagens Rio Radiologia LTDA., e estão desativados, ficam nos seguintes locais: estacionamento da Igreja Universal, próximo à UPA da Rocinha; Clínica da Família Otto Alves de Carvalho, em Jacarepaguá; UPA Cidade de Deus; CMS Harvey Ribeiro de Souza Filho, no Recreio; estacionamento do Shopping Via Rio Pavuna; Clínica da Família Adib Jatene, na Maré; Policlínica Rodolpho Rocco, em Del Castilho; UPA Madureira; Hospital Municipal Francisco da Silva Telles, em Irajá; Policlínica Guilherme Manoel da Silveira, em Bangu; CMS Belizário Penna, em Campo Grande; e Policlínica Lincoln de Freitas Filho, em Santa Cruz.
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Resposta da prefeitura
A Secretaria municipal de Saúde (SMS) informou que não poderá renovar o contrato com a empresa Amo-RX Imagens Rio Radiologia LTDA. devido a inconformidades no contrato emergencial realizado pela gestão Crivella, sendo obrigada a suspender os serviços de operação dos tomógrafos temporariamente. 
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Compra dos tomógrafos 
A aquisição dos equipamentos foi feita em 2019 pela Prefeitura do Rio, na gestão do ex-prefeito Marcelo Crivella. Segundo informações divulgadas pelo órgão à época, a compra fez parte de um investimento de R$370 milhões para adquirir 18 mil itens de saúde em licitação internacional firmada com fabricante chinês. Dentre eles, 27 tomógrafos e 726 respiradores. Em notícia divulgada no site da prefeitura, em 12 de agosto do ano passado, sobre inauguração de um tomógrafo no Hospital Miguel Couto, consta a informação de que o equipamento teve custo de 950 mil dólares, o equivalente a R$5,4 milhões.