Universitárias contam os dilemas da adptação ao ensino remoto.
Universitárias contam os dilemas da adptação ao ensino remoto.Reprodução
Por Maria Nobre*
Foi divulgado, na última quarta-feira (12), um calendário com novas previsões para a vacinação da população carioca. Um pouco de esperança em meio aos atrasos na entrega de vacinas e um alto número de vítimas por coronavírus - ao todo são mais de 430 mil brasileiros que perderam as vidas por causa da doença. Para os universitários, essa é, também, a chance de poder voltar às tão sonhadas aulas presenciais. Segundo estudos divulgados este ano por uma ONG ligada à empresa de tecnologia educacional norte-americana Chegg, mais de 76% dos universitários brasileiros afirmam que a saúde mental foi prejudicada durante a pandemia - o índice mais alto dentre todos os 21 países alvo da pesquisa.
Se adaptar ao ensino à distância (EaD), especialmente durante a maior pandemia da história, não é uma tarefa simples. Seja para os recém-chegados no mundo acadêmico ou para aqueles que já estão no final dessa trajetória, os acontecimentos dos últimos meses têm afetado (e muito) a saúde psicológica.
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Francinne Sophie, de 19 anos, iniciou o curso de Museologia na UniRio e comentou que, antes mesmo de conseguir a vaga na universidade, o processo de ingresso já foi algo difícil: da realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) à espera dos resultados. Com três meses de atraso, a aplicação do Enem foi realizada em janeiro, em meio a mortes, aumento de casos de covid no país e uma crise educacional sem precedentes.
“O Inep estava muito despreparado, assim como na edição anterior, para essa edição do processo. Com toda a questão do adiamento das inscrições, acho que isso mexeu muito com o psicológico de todos os participantes”, disse Francinne.
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Recém-matriculada e ainda na espera do início das aulas, que começam em junho, a caloura conta que essa distância da faculdade acaba quebrando as expectativas que existem em relação ao curso, principalmente pela impossibilidade de poder aproveitar o ambiente universitário e ter que se adequar à rotina acadêmica dentro do próprio quarto.
“Eu sempre tive muita dificuldade para qualquer coisa online (...), ultimamente eu tenho tentado me adaptar, mas eu acho que meu curso envolve muitas disciplinas práticas e eu já sei que eu vou sentir falta disso, porque era uma das minhas maiores expectativas”, contou.
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Para a estudante de Museologia, durante esse período, a internet tem sido uma grande aliada na hora de perseguir a liberdade oferecida pelo universo acadêmico. As exposições online em museus, por exemplo, são como a jovem consegue se aproximar do curso e matar a saudade das vivências presenciais.
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“Eu sinto que a minha fonte, no momento, de aprendizado, de liberdade e de poder procurar conteúdo voltado para o meu curso, enfim, procurar o mundo no geral tem sido a internet”, falou.
Francinne também conta que, desde que entrou para o ensino médio, sonhava em cursar uma universidade pública, seguindo o caminho dos pais. A pandemia, entretanto, acabou tirando parte dessa experiência.
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“Para mim, tinha toda uma expectativa e eu sempre fiquei muito ansiosa com essa possibilidade, passei um ano inteiro estudando no pré-vestibular e aí chega a pandemia (...), eu confesso que o psicológico ficou extremamente abalado, a frustração foi algo, não só foi, como é algo muito presente”, contou.
Sobre um possível retorno à vida presencial, Francinne evita criar expectativas, especialmente por conta dos atrasos subsequentes no calendário de vacinação.
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“Eu acho que para a gente vai demorar bastante ainda (...), acho que por todas as situações que estão acontecendo, sejam políticas ou econômicas, que influenciam muito para a demora ”, afirmou.

Perto da formatura
Para Tayná Zozias, de 25 anos, estudante de Biologia (licenciatura) na Uerj, a situação também é estressante. Quando a pandemia começou, Tayná estava no sétimo período e conta que, no início do Ensino à Distância (EaD), houve dificuldades na adaptação, tanto dos alunos, quanto da universidade.
“Estava sendo muito cansativo para a gente porque, pelo menos antes, quando não estávamos nessa pandemia, a gente tinha a possibilidade de ter as aulas, mas quando acabava, a gente tinha uma interação, a gente podia distrair a nossa cabeça, conversar”, desabafou.
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De acordo com a jovem, a dinâmica para quem está estagiando na área de licenciatura durante o período de EaD tende a ser mais difícil, pois é necessário acompanhar, de forma remota, a aula (também remota) de outros estudantes. Além disso, ela afirma que as oportunidades também diminuíram, especialmente para os graduandos de licenciatura, já que muitas escolas tiveram que suprimir os gastos.
“Escolas não estão contratando muito, porque já estão tendo muitos gastos, então caiu muito a oportunidade. Já era difícil antes, com a pandemia ficou pior ainda”, relatou
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A jovem também compartilhou que, ao final da graduação, os universitários acabam tendo mais um plano frustrado: a chegada da tão sonhada festa formatura. A celebração, que estava programada para o final de 2020, não tem mais data.
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“Está sendo horrível, porque a gente estava com a nossa formatura toda planejada, a gente ia se formar no final do ano passado. Agora a formatura não tem nem previsão, porque, como é uma festa, estamos esperando todo mundo estar vacinado”, explicou.
E mesmo com as novas previsões para aplicação da primeira dose no Rio de Janeiro, divulgadas nesta quarta-feira (13), Tayná conta que não há muitas expectativas de que ela volte à universidade de forma presencial antes da conclusão do calendário letivo, em novembro.
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“É difícil criar expectativa porque depende de muitos fatores, né? Por mais que tenha saído o calendário a gente está vendo que têm faltado vacinas para a segunda dose, então para não criar expectativas e se frustrar, às vezes eu nem tento pensar muito nisso”, finalizou.
Dificuldades na adaptação
Já a estudante de Pedagogia da UFRJ, Millena Pereira, de 20 anos, ingressou na universidade no primeiro semestre de 2020 e chegou a ter uma semana de aulas, mas com a chegada da pandemia a universidade paralisou. Para a jovem, a vida acadêmica à distância também não tem sido fácil.
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"É bem difícil, porque eu não me adapto bem ao ensino à distância. Até hoje, por exemplo, eu não consigo puxar todas as matérias do semestre, porque à distância é muito mais pesado, eu sinto isso pelo menos”, explicou.
Para a jovem, a interação durante o EaD também acaba ficando mais difícil, pois não há um convívio direto entre os estudantes.
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“Quando eu deixei o meu outro estágio, as pessoas me pediram indicação de outra pessoa para pôr no meu lugar e eu não tinha, porque eu não conheço as pessoas de fato, sabe? Eu tive só um primeiro contato”, relatou.
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Dos muitos desafios do EaD, Millena conta que um dos mais complicados é o ambiente, já que nem sempre é fácil ou sequer possível substituir a estrutura universitária. Além disso, a rotina em quarentena também acaba complicando ainda mais a situação.
“Eu convivo com seis pessoas dentro de casa, então não é um ambiente escolar, sabe? É muito barulho, tem criança (...) e a quarentena também mexe muito com a cabeça. Eu, por exemplo, só saio para trabalhar, então é uma rotina que fica muito pesada psicologicamente”, relatou.
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E sobre um possível retorno dos cariocas às atividades presenciais, Millena afirma estar animada, mas a situação exige cautela.
“A gente fica animado e a gente espera que dê certo, mas é meio complicado criar expectativas na situação em que a gente está. Então eu fico animada, mas ao mesmo tempo com um pé atrás”, finalizou.
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Psicóloga: esperança é motivadora, mas sem ansiedade
Para a psicóloga Maria Flávia Bernardes, a maior dificuldade para os jovens que precisam lidar com a distância da universidade e com a pandemia, é a ansiedade que esse cenário acaba gerando.
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“Ele tinha toda uma expectativa, todo um planejamento em relação à faculdade e ao curso em si e isso foi tirado de uma hora para a outra. E essa falta que você tem de ter o controle ou [achar] que está nas suas mãos fazer alguma coisa ou não fazer, gera uma ansiedade muito grande”, explica a psicóloga.
Para a especialista, é fundamental que o jovem dimensione o que está, de fato, sob sua responsabilidade. E quanto ao retorno breve às atividades, Maria fala que a esperança é sempre bem-vinda, mas é preciso ter cuidado ao criar expectativas.
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“Quanto mais você se mobiliza em cima da sua expectativa, maior é a sua frustração, então é diferente a expectativa da esperança. Eu acho que temos que ter esperança (...) a esperança faz com que a gente acorde mais feliz e mais motivado para fazer o que tem que ser feito hoje”, concluiu a psicóloga.
As aulas nas universidades mencionadas no texto seguem ocorrendo de forma remota e respeitando as restrições propostas pelas autoridades de saúde para evitar a propagação do vírus. Por enquanto não há previsão de retorno das atividades presenciais.
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*Estagiária sob supervisão de Gustavo Ribeiro