'Até quando mãe vai chorar?', questionam parentes em enterro de jovem morto durante operação
A dor dá lugar à revolta: pelo menos 100 pessoas acompanharam, na manhã deste domingo, o sepultamento de Thiago Santos, morto com tiro na cabeça durante operação 'Coalizão do bem', da Policia Civil, no Morro da Fé
Parentes pedem Justiça pela morte do adolescente Thiago da Conceição - Lucas Cardoso/ Agência O Dia
Parentes pedem Justiça pela morte do adolescente Thiago da ConceiçãoLucas Cardoso/ Agência O Dia
Por Lucas Cardoso*
Rio - "Até quando mãe vai chorar?". "Favela pede paz". "Justiça". As mensagens, escritas em papelões por parentes do adolescente Thiago Santos da Conceição, de 16 anos, demonstram a dor e a revolta durante o velório do jovem, no Cemitério de Irajá, na Zona Norte do Rio, na manhã deste domingo. Thiago foi morto com um tiro da cabeça na sala de casa durante a operação 'Coalizão do Bem', realizada pela Polícia Civil, em parceria com a Polícia Militar, na última sexta-feira, no Morro da Fé, no Complexo da Penha. Segundo familiares, ele tinha acabado de acordar e, ao se aproximar da janela da residência, foi atingido. A mãe, o padrasto e a irmã da vítima estavam no local e presenciaram tudo.
Na ocasião, a Polícia Civil disse que não havia policiais no local onde o jovem foi baleado, mas a família contestou a versão e divulgou, no sábado, vídeos que mostram duas viaturas da corporação em rua próxima ao local onde ele morreu. Cerca de 100 pessoas estiveram presentes. O cortejo começou por volta das 11h30. Todo o trajeto até o local onde ocorreu o sepultamento foi feito em silêncio. Após o fechamento do jazigo, parentes e amigos prestaram uma salva de palmas em homenagem ao adolescente. O coro de "justiça" também foi repetido pelos familiares.
"Destruiu a família, né? Não só a família, na verdade. Destruiu os amigos também. Quem conhecia ele, vai falar que era um garoto muito bom. Uma vida pela frente. Cheio de sonhos. Já falava em começar a carreira militar, tirar a carteira de motorista. Tudo foi interrompido", disse no enterro Geovane Gilson Santos, tio de Thiago.
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Geovane também contestou que nenhum representante das polícias teria procurado a família até o momento, dois dias após a morte. "Ninguém da parte dos policiais nos procurou para dar assistência nenhuma", afirmou. Apesar disso, agentes da Secretaria de Estado de Vitimados compareceram ao enterro para prestar auxílio à família. O tio foi quem resgatou o jovem ao Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, onde ele chegou a receber atendimento, mas não resistiu.
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O tio ressaltou ainda a revolta da família diante de vídeos divulgados neste sábado que mostram viaturas policiais próximo à rua onde Thiago foi baleado, ao contrário da informação divulgada pelo delegado Rodrigo Oliveira, subsecretário operacional da Polícia Civil, na sexta-feira, de que não havia policiais na área do fato. "E o que é mais revoltante, como vocês viram, uma série de vídeos, imagens, provando que os policiais estavam lá e mesmo assim eles negando. É revoltante", comentou Geovane.
"Sei que isso não vai trazer a vida do meu sobrinho de volta, mas até quando? Hoje foi o Thiago, ontem foi aquela garota (Kathlen) e amanhã? Quem será? Pode ser um filho, um sobrinho. Até quando?", questionou o tio do adolescente.
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No velório, os parentes exibiam os cartazes em forma de protesto e gritavam por "justiça". Visivelmente abalada, a mãe do adolescente chegou a passar mal e não conseguiu acompanhar o sepultamento. Ela precisou ser amparada por familiares. A avó do rapaz, dona Angelina, também passou mal durante o velório e precisou de atendimento médico. Uma equipe de saúde da Capela Nossa Senhora da Apresentação, que fica ao lado do cemitério, deu suporte à idosa.
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No sábado, parentes de Thiago disseram a O DIA acreditar que disparo que atingiu a cabeça do jovem partiu de um atirador de elite da Polícia Civil. "Eles não foram nem no local. Simplesmente atiraram. Não prestaram socorro. Em momento algum os policiais que estavam lá em baixo subiram. Não se certificaram que era bandido, o que que era. Da onde que foi atirado, realmente foi um sniper. Porque a altura da casa dele, só mesmo um profissional, um sniper, para poder acertar. Não tinha como", afirmou no sábado uma prima do jovem, que preferiu não se identificar.
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“Isso será objeto de uma investigação para a gente tentar chegar na autoria. O que eu posso afirmar com absoluta convicção é que no local que ele foi baleado, me parece que dentro de uma residência, não havia nenhum policial, seja da Policia Civil, seja da Militar, naquela localidade", afirmou o subsecretário operacional da Polícia Civil, Rodrigo Oliveira, na sexta-feira. "Foram 14 viaturas que vieram para o Morro da Fé. Tem fotos circulando entre os moradores com a movimentação deles. Teve operação sim. Por mais que eles neguem, eles estavam lá", contou a prima do jovem.
Os policiais teriam, inclusive, de acordo com o relato dela e do padrasto, Gilcinei da Silva, se negado a prestar socorro ao menino, que chegou a ser levado para o Hospital Estadual Getúlio Vargas, mas já chegou à unidade de saúde sem vida.
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"Quando o carro desceu, eles entraram na frente e não deixaram descer. E eu, automaticamente quando escutei a freada, fui para a frente e parei em frente ao fuzil. Aí ele gritou: 'vai ficar na minha mira'. Daí eu revidei: 'Já mataram um. Querem matar mais um inocente'. Aí foi onde que ele escutou e começou a discutir comigo. Me chamou de vagabunda, me mandou calar a boca e disse que se eu não parasse iria me dar uma banda e me levar para a delegacia", relembrou a prima.
Segundo ela, a família quer que seja feita Justiça no caso de Thiago. "A gente está tentando entender o porque se chegou a esse desfecho. O que causou esse tiro. Por que ele atirou no menino que só apareceu na janela por curiosidade? Estava a mãe, o pai no sofá e ele tinha acabado de acordar", lamentou. Na ação conjunta, além do adolescente, outros três homens foram mortos: Douglas Constantino Alves, de 33 anos; Jorge Xavier Quintanilha, de 30 anos; e um não identificado. A operação Coalizão do Bem visava prender criminosos de uma quadrilha que teria ordenado ataques em Manaus.
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O grupo seria o responsável por movimentar cerca de R$ 125 milhões em acordos com o Comando Vermelho. A ação também teve desdobramentos no Amazonas, Pará e São Paulo. Ao todo, foram 15 presos, sendo oito só no Rio de Janeiro. Uma tonelada de maconha foi apreendida, além de um fuzil calibre 7.62, munição e granadas.
A Polícia Civil foi procurada pela reportagem para falar sobre os vídeos que comprovariam a existência de pelo menos quatro viaturas na Rua Manoel de Matos, próximo ao local onde Thiago foi morto. Até a publicação desse matéria, nenhuma resposta foi enviada.
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