Carga de cigarros ilegais apreendidos no RioFoto: Policia Civil da 71ª DP

Rio - Um levantamento realizado pelo Instituto Ipec, e Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), apontou que, em 2020, ano marcado pelo enfrentamento da pandemia de covid-19, a ilegalidade respondeu por 31% de todos os cigarros consumidos no estado do Rio – destes, 14% foram contrabandeados principalmente do Paraguai e 17% produzidos no Brasil por fabricantes classificadas como devedores contumazes, que fazem do não pagamento de impostos o seu negócio. Em 2019, o mercado ilegal de cigarros respondia por 41% de participação no estado.
A redução inédita é atribuída, especialmente, ao cenário da pandemia mundial, que provocou uma alta na moeda norte-americana, ultrapassando a marca de R$ 5. Com isso, o custo médio do cigarro do crime no estado do Rio de R$ 3,61 (2019) para R$ 4,35 (2020), aproximando, assim, o produto do crime do cigarro legal. "Essa diminuição na diferença de preços provocou, pela primeira vez nos últimos seis anos, uma queda considerável no consumo do cigarro ilícito e consequente migração do consumidor para o cigarro legal, produzido nacionalmente, sob as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)", apontou Edson Vismona, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO).
Publicidade
Ainda segundo Vismona, apesar da diminuição do mercado ilegal no último ano, o resultado é circunstancial. "Esta queda é reflexo de um cenário atípico e, sem estratégias de longo prazo, o mercado ilegal voltará a crescer", afirmou.
Além da alta do dólar, o recuo incomum na economia ilegal também é resultado de restrições implementadas para contenção da pandemia, como o fechamento parcial de fronteiras e dos comércios formais e informais,além do fechamento temporário de fábricas de cigarros no Paraguai e o trabalho das forças de segurança.
Publicidade
Crescem as fabricantes nacionais que vendem abaixo do preço mínimo
No último ano, subiu a participação de mercado de fabricantes no Rio cujos cigarros são vendidos abaixo de R$ 5, preço mínimo estipulado por lei. Classificadas como devedoras contumazes, estas empresas utilizam o não pagamento de impostos como estratégia de negócio e, assim, conseguem competitividade desleal no mercado. O aumento foi de 5 pontos percentuais, saltando de uma participação de mercado de 12%, em 2019, para 17%, em 2020.
Publicidade
Das 10 marcas de cigarros mais vendidas no estado, três são ilegais – juntas, elas representam 30% do mercado. A principal fabricante é a nacional Cia. Sulamericana de Tabacos, que produz o cigarro Club One, com 14% de participação no mercado fluminense. Na sequência no ranking está o cigarro paraguaio Gift (13%), que por ser um dos mais consumidos no estado é copiado tanto pela Sulamericana como também pela fabricante nacional Quality In, concorrente que produz o Gift nacional. Ambas utilizam a mesma estratégia para capturar mercado: os maços trazem similaridades no nome, identidade visual ou embalagem do produto paraguaio.
Perda do Estado com arrecadação em 2020 é de R$ 247 milhões
Publicidade
Dados da Receita Federal mostram que foram apreendidos mais de 1,46 milhões de maços de cigarros no Rio – ou 29 milhões de unidades do produto – o equivalente a mais de R$ 7 milhões. O cigarro ilícito lidera o ranking de apreensões no Brasil. Mesmo com a queda do mercado ilegal de cigarros no Rio de Janeiro, as organizações criminosas movimentaram cerca de R$ 740 milhões com o produto. Somente em ICMS, o estado deixou de arrecadar R$ 247 milhões. O imposto é justamente uma das principais fontes de receita do Estado para o desenvolvimento de políticas públicas sociais para educação, saúde e segurança.
O cigarro ilegal continua sendo facilmente encontrado no Rio – e não é na barraquinha na rua e no comércio informal que se concentram muitos dos cigarros ilícitos à venda no estado. Segundo o Ibope/Ipec, 43% dos produtos do crime foram comprados no comércio legal – como bares, mercearias, mercadinhos, bancas de jornal e padarias.
Publicidade
O efeito de medidas econômicas no combate ao contrabando
Edson Vismona chama atenção para o impacto da mudança de fatores econômicos no negócio do crime organizado. Segundo ele, os resultados do levantamento em 2020 mostram que é possível para o Brasil combater a ilegalidade no setor de cigarros, substituindo o ilícito pelo produto legal. "A pandemia alterou fatores econômicos que impactaram diretamente o preço do produto do crime organizado. Isso mostra que se mexermos nas variáveis econômicas de modo a atacar de frente o produto ilegal, o mercado legal nacional tem toda a capacidade de assumir essa parcela, gerando emprego e arrecadação, sem resultar em aumento de consumo", apontou.
Publicidade
O ETCO defende o debate tributário também sobre o ponto de vista de combate à ilegalidade. No Brasil, os impostos sobre os cigarros variam de 70% a 90%, dependendo do Estado. Já no Paraguai, o produto é taxado em apenas 18%. "É importante que sejam tomadas medidas que impactem a demanda do cigarro do crime e não apenas medidas que se restrinjam ao combate da oferta do produto ilegal. Para isso, a questão tributária é fundamental e deve ser colocada em discussão", afirmou o presidente do ETCO.
O contrabando no Brasil
Publicidade
O Ibope apontou que, em 2020, a ilegalidade respondeu por 49% de todos os cigarros consumidos no Brasil, sendo 38% contrabandeados (principalmente do Paraguai) e 11% produzidos no Brasil por fabricantes classificadas como devedores contumazes. Com isso, 53,9 bilhões de cigarros ilegais circularam no país, uma cifra ainda extremamente alta. Com o aumento do preço do ilegal (de R$ 3,44, em 2019, para R$ 4,44, em 2020), o consumidor migrou, pela primeira vez em seis anos, para o produto formal, provocando queda de 8 pontos percentuais do mercado ilícito no Brasil, enquanto o mercado formal aumentou na mesma medida, chegando a 51%.
A arrecadação de impostos do Brasil teve um incremento de R$ 1,2 bilhões sobre o setor do tabaco, alcançando R$ 13,5 bilhões. Mas a sonegação ainda é alta: R$10,4 bilhões. Esse valor, se revertido em benefícios para a população,poderia ser usado para construir 94 mil unidades de casas populares, ou 18 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS), ou ainda 58 mil leitos de UTI para o tratamento de covid-19.
Publicidade
Realizada desde 2014, a pesquisa Ibope/Ipec tem abrangência nacional e, nesta edição, foi a campo entre outubro de 2020 e janeiro de 2021. Foram entrevistados presencialmente 9 mil fumantes com idades entre 18 e 64 anos, residentes de municípios com 20 mil habitantes ou mais.