Complexo do Salgueiro, em São GonçaloArquivo / Reginaldo Pimenta / Agencia O Dia

Rio - O camelô André Pacheco, de 43 anos, diz estar "sem chão" desde domingo, dia em que afirma ter sofrido racismo por um motorista de aplicativo. No estacionamento de um supermercado, Pacheco chamou a viagem para casa, em Santa Teresa, mas ouviu do motorista que não o levaria se o destino fosse uma comunidade. A frase, segundo o camelô, veio após um olhar "preconceituoso" para a sua roupa. Ele é um dos passageiros que relatam casos de discriminação ao pedir corridas por aplicativo para áreas próximas à favelas. Do outro lado, motoristas reclamam de experiências traumáticas em regiões de risco. 
"Compro minha mercadoria num atacadista da Avenida Brasil e pedi um carro. O motorista entrou no estacionamento e quando me viu de longe balançou a cabeça, insatisfeito. Não deu boa tarde e perguntou: 'Vai para aonde? Se for para comunidade, não vou te levar'. Não moro em comunidade, não seria problema também se morasse. Mas ele só fez essa pergunta porque sou negro e não estava bem vestido", afirma André, que não chegou a registrar queixa, mas publicou um vídeo que viralizou nas redes sociais. A Uber, plataforma utilizada pelo camelô, respondeu com um pedido de desculpas e afirmou que a conta do motorista foi desativada após a denúncia de racismo.
A recepcionista Samantha Tavares, 26, desinstalou os aplicativos de corrida após observar uma dificuldade cada vez maior de chamar viagens. Moradora da Pavuna, Zona Norte do Rio, ela frequentemente recebia mensagens através do chat da ferramenta. "Eles perguntavam: 'Vai para aonde? Não vou subir', e mesmo eu afirmando que não era comunidade, cancelavam a corrida. Entendo o medo, mas não tenho culpa de morar onde moro. Agora, tenho pegado mais mototáxi". 
Motoristas relatam ameaças e ataques: 'fuzil na cara'
Do outro lado da tela, o que aceita as corridas, motoristas reclamam da insegurança de trabalhar em áreas de risco da cidade, e também da falta de apoio por parte dos aplicativos. A plataforma Fogo Cruzado, que mapeia tiroteios no Rio, registrou sete motoristas de apps baleados na Região Metropolitana em 2021; destes, quatro morreram. Somente em outubro foram três trabalhadores mortos, em São Gonçalo, em Nova Iguaçu e em Campo Grande
Diretor executivo da Associação de Motoristas Particulares Autônomos (AMPA/RJ), Dênis Moura recebe semanalmente casos de ameaças e ataques contra prestadores de serviço. 
"Três sugestões poderiam melhorar o cenário. A primeira é as empresas pararem de exibir o modelo do carro, somente a placa. Ficou cômodo para o ladrão, que agora escolhe o assalto a partir do modelo. Depois, um cadastro mais exigente. Passageiros podem se cadastrar com o nome que quiserem. Por parte do poder público, há muito tempo a gente pede que se tipifique o crime contra motorista de aplicativo. Só terá ação contra isso quando tivermos dados", avalia Moura.
"O que a gente pratica é transporte individual privado. O táxi é concessão pública, a gente não. Todas as despesas e responsabilidades são por conta do carro e do motorista. Para o seu negócio, você tem o direito de escolher a corrida. Eu moro no Méier, entro em qualquer lugar do bairro porque conheço. Mas não entro em outros, porque não conheço"
O que dizem os apps
Sobre a denúncia de racismo, a Uber afirmou que tem trabalhado em propostas para debater a discriminação racial, com um podcast com "conteúdos educativos sobre racismo"; o aplicativo afirmou também que "revisou o processo de atendimento na plataforma, a fim de facilitar as denúncias de racismo e acolher melhor o relato da vítima", em parceria com um grupo de advogadas.
A Uber afirmou que os motoristas são autônomos e têm liberdade para recusar ou aceitar viagens. Uma ferramenta dentro da plataforma impede chamados em áreas e horários inseguros, como o Centro da cidade à noite.
A plataforma 99 informou que "a classificação de áreas de risco é feita através de dados coletados junto às Secretarias de Segurança Pública, informações internas do app e a colaboração de condutores parceiros. Os dados são dinâmicos e as zonas de risco".
A plataforma disse que "os condutores são notificados sobre corridas em região de área de risco e podem aceitar ou não, sem qualquer tipo de penalização". Ainda segundo a 99, a taxa de cancelamento de corridas é semelhante com o índice em outras regiões da cidade.