Belo usa celular enquanto passa porrete para Dezenove continuar as agressões contra MoïseReprodução

Rio - Ainda com o corpo de Moïse Kabagambe estirado no chão, um dos homens que usou um porrete de madeira para bater na vítima enviou um áudio para o proprietário do quiosque Tropicália para indagar sobre o funcionamento das câmeras do local. Desconfiado, o dono do estabelecimento respondeu que elas estavam desligadas. O depoimento do proprietário foi essencial para ajudar na identificação de todos os agressores. Além disso, foi ele quem cedeu as imagens para a polícia.
Moïse, que em 2011 entrou no Brasil na condição de refugiado de guerra, foi morto espancado no quiosque, na Barra da Tijuca, no último dia 24. 
A reportagem apurou que o áudio foi enviado ao proprietário por Fábio Pirineus da Silva, conhecido como Belo. Nas imagens é possível contabilizar que Belo desferiu, pelo menos, 25 golpes de porrete em Moïse.
Também foi Belo quem usou uma corda para amarrar as mãos e os pés do congolês. Ainda pelas câmeras, ele é flagrado usando o celular enquanto entrega o porrete para outro homem, que desfere mais cinco golpes na vítima. Belo trabalhava em uma barraca na areia da praia e utilizava, inclusive, a blusa personalizada com o nome dela enquanto espancava o imigrante.
De acordo com o proprietário, Belo enviou o áudio pouco tempo após o proprietário receber uma ligação de um conhecido informando que Moïse havia apanhado de um grupo de pessoas e que, aparentemente, estaria morto. Ainda de acordo com o dono do quiosque, Belo pareceu aliviado ao ser informado de que as câmeras estariam desligadas. Após o crime, o proprietário solicitou que um técnico recolhesse as imagens e as entregou à polícia.
Foi através dessas imagens que o proprietário reconheceu os outros dois agressores pelos apelidos de Tota e Dezenove. Durante a investigação, eles foram identificados como sendo Brendon Alexander Luz da Silva e Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, respectivamente.
Procurada, a Polícia Civil não quis confirmar as identificações. No entanto, a reportagem apurou que foram esses os nomes enviados ao plantão judiciário com o pedido de prisão temporária. Ainda ontem, os três  foram indiciados por homicídio duplamente qualificado: por meio cruel e sem possibilidade de defesa.
Em coletiva, o titular da Delegacia de Homicídios da Capital, delegado Henrique Damasceno, afirmou que nenhum dos três indiciados trabalhava no quiosque. "Essas três pessoas não trabalham no quiosque. O próprio dono do quiosque auxiliou bastante nas investigações sendo solícito à Polícia Civil, fornecendo as imagens, inclusive auxiliando na identificação desses autores", afirmou.
Moïse trabalhava em quiosque vizinho ao Tropicália
Em depoimento prestado na Delegacia de Homicídios, o proprietário do quiosque concedeu detalhes como: a aquisição do estabelecimento; a contratação de funcionários e o motivo de ter dispensado Moïse do serviço, cinco dias antes do crime. O DIA não irá divulgar o nome do proprietário pois ele não possui envolvimento com o crime, segundo a polícia.
Segundo o relato do dono do local, ele comprou o quiosque em janeiro de 2019, mas somente há seis meses transferiu o estabelecimento do antigo proprietário para o nome do sogro, que o auxilia no trabalho. O sogro consta como proprietário porque o ajudou nos trâmites para a aquisição do ponto comercial, que é a sua única fonte de renda.
O proprietário relatou que não possui funcionários fixos, assim como a maioria dos quiosques da orla da Barra da Tijuca, que pagam diárias aos trabalhadores; alguns dos funcionários moram na própria praia.
Moïse, que tinha o apelido de angolano, trabalhou no quiosque no período de alta temporada, no sistema de diária, nos verões de 2019 e 2020. Por conta da pandemia, o quiosque não funcionou em 2021, mas reabriu neste ano. E, devido ao prejuízo causado pelas chuvas de janeiro, o local passou a ficar aberto 24 horas na última semana.
Apesar de Moïse nunca ter se envolvido em brigas, ele tinha o costume de consumir bebida alcoólica durante o serviço e ficar embriagado, de acordo com a versão do proprietário.
Por conta disso, no dia 19 de janeiro, após constatar o consumo de cerveja durante o turno de trabalho por parte de Moïse, o proprietário o dispensou, mas alegou que teria pago o valor da comissão referente ao dia.

Na data seguinte, Moïse passou a trabalhar no quiosque vizinho. No dia do crime, o dono do quiosque Tropicália, que estava no local desde às 8h da manhã, foi para casa por volta das 20h30. Um funcionário ficou para o turno noturno.
Ainda na noite do crime, quando o proprietário saía do local, ele disse que observara Moïse embriagado e o aconselhou a ir embora para evitar confusões. Moïse não atendera ao pedido.
Cerca de 2h30 após a saída do proprietário, ou seja, por volta das 23h, as imagens do estabelecimento mostram o congolês tentando abrir um geladeira do Tropicália, quando ocorre a discussão e a série de agressões por parte de Belo, Tota e Dezenove. Dezenove trabalharia no quiosque vizinho, já Belo e Tota em barracas na areia.
Ao ser informado do que ocorrera, o proprietário deixou os filhos pequenos na casa de um primo e foi até o local. Ao chegar no quiosque, foi informado de que o funcionário do turno noturno tinha ido até a delegacia e que o corpo de Moïse já havia sido levado por uma ambulância.