E assim eu comprovei que a lição está certa: se andarmos por aí com o coração aberto às histórias do caminho, faremos muitas outras escalas na vidaArte: Kiko
Escalas da vida
E assim caminhamos por mais alguns metros até que ele precisou seguir adiante. Foi quando eu me lembrei de perguntar o seu nome. Já a uma certa distância, ele acenou e disse: "Ronaldo".
Faz um tempinho que a vida me deu uma lição. Não sei se aprendi por conta do faro jornalístico, pela essência curiosa ou simplesmente pela minha atual fase tagarela. Mas o fato é que acredito que uma experiência pode ter várias escalas e conexões, além daquela que inicialmente planejamos. Foi o que aconteceu num dia de verão em que eu e a minha amiga Tainara chegamos à Zona Portuária do Rio. Já passava do meio-dia e procurávamos pelo Passeio Ernesto Nazareth.
Ainda no carro, identificamos o lugar pelas artes pintadas na parede. Estacionamos e andamos alguns metros até o local em que palavras e imagens dão vida ao caminho. Cumprimentamos o segurança na entrada. Eu não resisti e logo contei para ele que estava ali para fotografar a minha poesia exposta no concreto urbano: “Só existe razão se houver sentimento”. Foi o bastante para conhecer um novo universo.
“A minha filha também adora essas coisas. Ela é cantora, cursou Letras na Uerj”, contou-me. “Sério? Que legal!”, respondi, enquanto andávamos pelo percurso adornado por arte de todos os lados. “Ela é tradutora de grego”, prosseguiu. “Grego?”, eu repeti, já fascinada pela história. “Sim, foi escolha dela. Ela gosta”, comentou. “Ela tem Instagram? Vou procurar o perfil dela”, continuei. “Tem sim. O nome dela é Jessica Volpi”, ele respondeu. E assim caminhamos por mais alguns metros até que ele precisou seguir adiante. Foi quando eu me lembrei de perguntar o seu nome. Já a uma certa distância, ele acenou e disse: “Ronaldo”.
No dia seguinte, encontrei no Instagram a menina do orgulho do Seu Ronaldo. E foi assim que o passeio na Zona Portuária ganhou uma escala virtual em Mesquita, na Baixada Fluminense, onde a Jessica mora. “Só queria contar que o seu pai tem muito orgulho de você!”, escrevi para ela. Em poucos minutos, uma resposta emocionada surgiu: “Ahhhhh, que coisa mais incrível ver essa mensagem vindo, assim, de surpresa! Veio até uma lágrima tímida, viu? Meu pai é um cara e tanto. Queria ser professor de História, mas por conta da vida depositou o sonho dele em mim”.
Jessica ainda enviou um vídeo em que cantava e me explicou sua escolha pelo grego — por unir sua paixão pela mitologia e, depois, pela gramática: “Descobri que me ajudaria muito nos dois e arrisquei”. E assim eu comprovei que a lição está certa: se andarmos por aí com o coração aberto às histórias do caminho, faremos muitas outras escalas na vida.
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