Casal tinha planos de se casar e sair da comunidadeArquivo Pessoal

Rio - Após a morte de Diego Willian da Silva Dias Lima, de 30 anos, baleado durante uma ação da Polícia Militar na comunidade Caixa D'água, em Queimados, na última terça-feira (5), sua mulher, Maria de Lourdes dos Santos Neto, de 22 anos, tenta se reerguer para lidar com a nova vida.

O casal estava prestes a marcar a data do casamento. Na segunda-feira (4), Maria foi até um cartório buscar um documento de isenção para que os dois pudessem escolher a data da união. Diego não teve tempo de assinar os papéis.

"Eu fui no cartório na segunda-feira e peguei o papel da isenção para poder dar entrada na data do casamento. Ele (Diego) ainda falou: 'amor, eu tenho que tirar a carteira de trabalho online', porque precisava da carteira para casar. Eu falei para ele que a gente faria isso na terça e não deu tempo nem de preencher o papel, porque ele iria trabalhar e, quando ele voltasse, eu ia pegar o telefone dele e ia tirar a carteira de trabalho para poder levar ao cartório e a gente se casar", relatou ao DIA.

Ela ainda contou que os dois já estavam fazendo os preparativos para a cerimônia e a festa, que seria realizada em um restaurante junto a amigos do casal.

"A gente estava organizando as coisas para o casamento, ele comprou para mim uma sandália que era para usar no dia do casório no cartório, a minha líder me presenteou com um vestido lindo. Estávamos marcando com os amigos de jantar no restaurante aqui no Centro de Queimados. Ia ser um negócio muito maneiro, mas infelizmente a gente não conseguiu nem preencher o papel", lamentou.


Maria de Lourdes ainda revelou que, além do casamento, o casal tinha muitos desejos. "Tínhamos muitos planos, a gente queria comprar uma casa, ia mobiliar e arrumar, ia deixar essa casa no nome dos meus irmãos. Depois que a gente fizesse isso, íamos sair dali do morro, comprar uma casa para gente ou fazer uma casa. A gente já ia estar casado, nosso desejo era ter um bem material para poder deixar para minha filha e para o filho dele, que tem 13 anos", detalhou.

"A gente também pretendia abrir um salão, porque eu trabalho com cabelos e maquiagem. Ele estava pagando os meus cursos e nem sei o que vai ser agora. Como que vou conseguir pagar os meus cursos? Não sei como vou continuar minha vida daqui para frente, não sei como vou continuar com todos os planos que a gente tinha. Ele tinha objetivo, ele tinha sonhos, ele era um homem querido, a gente sonhava também em ter um carro, ter uma vida bem estabilizada, ter nossas coisas conquistadas pelo nosso suor e nosso trabalho juntos".

Os dois também planejavam a vinda de um filho, mas um problema de saúde de Maria impediu que o sonho fosse realizado. Segundo ela, a notícia de que poderia não engravidar outra vez abalou o marido, que tinha o desejo de formar uma família.

"Nós pretendíamos, sim, ter filhos, há uns três meses achei que estava grávida e ele ficou todo feliz, mandou mensagem para todo tinha no telefone, ele falou com a mãe dele, falou com a pastora dele, com os meus pastores e todo mundo se alegrou. Mas aí quando eu fui fazer a ultrassonografia para ver se eu estava grávida mesmo, descobri que estava com cisto nos ovários e ali o mundo dele desabou, ficava se perguntando quando Deus ia nos dar um filho".

A mulher foi a primeira pessoa a ver Diego baleado em frente à sua casa, a cerca de 10 metros do portão. Em seu relato, disse não conseguir entender o motivo do assassinato, já que o jovem estava saindo para trabalhar, e o porquê da PM ter afirmado se tratar de um bandido muito perigoso que supostamente atuava na região.

"Se falassem que era bala perdida, eu acho que até me conformaria.  Porque ele saiu para trabalhar, o meu esposo saiu com vassoura no ombro, o meu esposo saiu com a bolsinha dele com o telefone e com o dinheiro dele para comprar mais vassouras. O meu esposo saiu com a identidade dele de dentro de casa e do nada eu encontro o corpo do meu marido no chão estirado, as vassouras longe do corpo dele, ele sem as coisas que saiu, sem chinelo, como se ele fosse marginal, sabe? E agora eles falam no depoimento que meu esposo estava com arma, meu esposo estava com drogas, com granada, que meu esposo era frente de não sei o quê, que meu esposo era bandido perigoso. O Diego estava vivendo uma nova história".

Lourdes, que também perdeu a mãe por conta da covid-19, lamentou passar por outro baque pela segunda vez em dois anos. Na época do ocorrido, ela e Diego se reconciliaram e, a partir daí, ele se tornou seu alicerce.

"Pergunto muito para Deus se é isso mesmo que Ele queria para minha vida, porque eu não sei explicar. É uma dor tão fora do normal. Nunca senti isso, sabe? Eu perdi minha mãe em 2020 e também doeu muito, minha mãe morreu de covid e é uma dor, mas foi uma dor que a gente já esperava. A dele foi diferente, porque depois que minha mãe faleceu eu passei por um período muito difícil da minha vida e o Diego foi a minha base para eu ser a base dos meus irmãos, ele me ajudou muito".

Maria ainda relembra dos momentos de tensão que viveu ao ser abordada e ameaçada por PMs com um "tiro na cara" caso não voltasse para dentro de casa. A ocasião a abalou tanto que atualmente ela não consegue dormir sozinha e sempre acorda durante a noite com lembranças de tudo o que vivenciou.

A Polícia Militar foi questionada sobre as ameaças que um dos agentes teria feito à esposa de Diego e informou que a corregedoria da corporação acompanha o caso.

No início da tarde desta quarta-feira (6), familiares e amigos de Diego se reuniram na Praça dos Eucaliptos, em Queimados, para uma manifestação conta a sua morte. Durante o ato, sua esposa carregava as vassouras que estavam com ele no momento em que foi baleado e reiterou que não pretende se desfazer de suas coisas.

"As vassouras que eu usei no lá no dia do protesto, eram as vassouras que ele estava no ombro. Eu pretendo sim guardar essas vassouras, vou guardar as roupas, vou guardar os perfumes dele, que ele fazia coleção de perfume, o homem era vaidoso, gostava de se cuidar. Eu não vou jogar nada fora dele, nada. São lembranças boas que eu tenho dele".

A Polícia Civil foi procurada para esclarecer fatos sobre a investigação, mas até o momento da publicação desta matéria não respondeu aos questionamentos da reportagem.