Dinheiro é encontrado na casa da delegada Adriana BelémReprodução

Rio - Quase R$ 2 milhões em espécie foram encontrados na manhã desta terça-feira (10) na casa da delegada Adriana Belém. A ex-titular da 16ª DP (Barra) foi alvo da Operação Calígula, que mira o grupo criminoso de jogo do bicho liderado por Rogério de Andrade e seu filho, Gustavo de Andrade. A organização tem como membro Ronnie Lessa, preso no Presídio Federal de Campo Grande pela execução da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes.
No apartamento de Belém, em um condomínio na Barra da Tijuca, foram apreendidos quase R$ 2 milhões em espécie alocados em bolsas de sapato de marcas de luxo. A delegada entregou a titularidade da 16ª DP em janeiro de 2020, durante a operação Intocáveis II, também do Gaeco do MPRJ. Na ocasião, seu braço-direito Jorge Luiz Camillo e o inspetor Alex Fabiano Costa de Abreu foram presos por atuarem contra investigações que envolviam a milícia do Rio das Pedras e Muzema, na Zona Oeste do Rio.
A ligação do chefe de investigação da 16ª DP com o grupo paramilitar era tão grande que ele era conhecido como o "Amigo da 16" pelos criminosos. O policial foi flagrado em várias conversas com o PM reformado Ronnie Lessa.
Também em 2020, Belém foi candidata a vereadora do município do Rio, pelo Partido Social Cristão (PSC). Ela recebeu mais de 3,5 mil votos, mas não se elegeu. A campanha da delegada contou com apoio de personalidades como os ex-jogadores de futebol, Adriano Imperador, Amoroso, Deco, Djalminha, Edmundo, além dos artistas David Brasil, Dudu Nobre, MC G15 e Xande de Pilares. 
Desde o mês passado, a ex-titular da 16ª DP ocupava o cargo de assessora na Secretaria Municipal de Esportes e Lazer do Rio (SMEL), onde recebia salário de R$ 8.345,14, segundo informações do Portal da Transparência. Entretanto, de acordo com a pasta, ela será exonerada do cargo nesta terça-feira (10). Nas redes sociais, a delegada compartilhava fotos em festas, passeios de barco e em camarote na Sapucaí.
Em uma publicação desta segunda-feira (9), Belém aparece presenteando o filho com um carro de luxo blindado. "Para quem andava de bicicleta elétrica até ontem, estar de blindado agora (...) 'Passa nada'. Agora dá licença que o pai 'tá on'", brinca o jovem no vídeo. "Agora não vou mais para a faculdade de bicicleta, estou habilitado. E tudo graças a uma pessoa: minha mamãe linda do meu coração", comenta ele em outro vídeo. 
Ao todo, 12 pessoas foram presas na Operação Calígula, 24 pedidos de prisão foram expedidos, 119 mandados de busca e apreensão foram cumpridos e 30 pessoas foram denunciadas pelos crimes de organização criminosa, corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A operação foi fruto de investigação da Força Tarefa do Gaeco para o caso Marielle e Anderson, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
Segundo as denúncias, Rogério e Gustavo de Andrade comandam uma estrutura criminosa voltada à exploração de jogos de azar não apenas no Rio de Janeiro, mas em diversos outros Estados, fundamentando-se em dois pilares: a permanente corrupção de agentes públicos e o emprego de violência contra concorrentes e desafetos. A organização é suspeita da prática de homicídios.

Entre os agentes públicos corrompidos estão agentes da Polícia Civil e da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Os integrantes do grupo mantinham contatos permanentes com policiais civis com pagamento de propinas. Em contrapartida, o grupo liderado por Rogério Andrade. Por outro lado, oficiais da PMERJ serviam de elo entre a organização e batalhões, que recebiam valores mensais para permitir o livre funcionamento das casas de aposta do grupo.

Em um destes episódios, segundo a denúncia, o delegado de polícia Marcos Cipriano intermediou um encontro entre Ronnie Lessa e a delegada Adriana Belém e seu braço-direito, o inspetor Jorge Luiz Camillo. A reunião resultou em um acordo que viabilizou a retirada em caminhões de quase oitenta máquinas caça-níquel apreendidas em casa de apostas. O pagamento foi providenciado por Rogério de Andrade.
Também foi denunciado o policial civil aposentado Amaury Lopes Junior, elo do grupo com diversas delegacias. O inspetor de polícia Vinícius de Lima Gomez foi apontado como receptor de propinas, agindo em favor de integrantes do alto escalão da PCERJ.
A parceria entre Rogério de Andrade e Ronnie Lessa é apontada nas denúncias como antiga, havendo elementos de prova de sua existência ao menos desde 2009, quando Ronnie perdeu uma perna em atentado à bomba que explodiu seu carro. Ele já atuava como segurança do contraventor. Em 2018, ano da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes, os dois denunciados se reaproximaram e abriram uma casa de apostas no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca. Segundo os investigadores, elementos indicavam a previsão de inauguração de outras casas na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
O bingo financiado por Rogério de Andrade e administrado por Ronnie Lessa, Gustavo de Andrade e outros comparsas foi fechado pela Polícia Militar no dia de sua inauguração. No entanto, as máquinas apreendidas foram liberadas e a casa foi reaberta após atos de corrupção com policiais civis e militares.
Rogério disputa espólio de Castor de Andrade
Rogério de Andrade é sobrinho de Castor de Andrade, que dominava o jogo do bicho entre as décadas de 1970 e 1980. A partir da morte do patrono, em 1997, Rogério e o genro de Castor, Fernando Iggnácio, disputavam o espólio do patriarca na Zona Oeste do Rio. Fernando Iggnácio foi assassinado em novembro de 2020 e a Justiça chegou a mandar prender Rogério, que é patrono da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel. O contraventor no entanto, está foragido da Justiça.
A defesa de Rogério de Andrade afirma que a operação não deixou demonstrado a necessidade da prisão cautelar. "Se mostra claramente uma afronta ao STF que acaba de conceder o trancamento de uma ação penal contra ele. Isso vem ocorrendo desde juízes como o De Sanctis, Marcelo Bretas e Sérgio Moro, que tentam burlar as decisões do STF", afirma o advogado Ary Bergher.
Em nota, a Polícia Civil informou que os delegados alvos da operação não têm cargos na Polícia Civil atualmente. "Adriana Belém está afastada de licença e Cipriano trabalhando em outra instituição. A Corregedoria solicitará acesso às investigações para dar andamento aos processos administrativos necessários", diz o texto.