Ao lado da tia Marcela, Mateus encontra o apoio que tanto precisa para se recuperarFoto: Arquivo pessoal

Rio - Há 18 dias, a vida do jovem Mateus Domingues Carvalho, de 21 anos, mudou completamente após ser baleado no McDonald’s da Taquara, na Zona Oeste. Ao invés de trabalhar, cuidar dos seus bichos de estimação e sair com os amigos, a rotina do rapaz agora se resume a idas ao médico, curativos, troca das bolsas de colostomia, remédios e celular na mão. "Dependo dos outros para tudo. Preciso de ajuda pra levantar, me canso rápido, sinto dores. É tudo muito difícil. Acho que ainda estou processando, digerindo tudo o que aconteceu comigo. Minha vida parou. Agora, só tenho o celular para me distrair e, graças a Deus, o apoio da minha tia", diz ele que, desde que teve alta, passou a morar em Itaguaí, Região Metropolitana do Rio, na casa da tia Marcela Costa, de 39 anos, a quem Mateus tem como mãe. "Ela é tudo pra mim".
No último dia 9, enquanto trabalhava como atendente na famosa rede de fast food, ele foi agredido e baleado pelo sargento-bombeiro Paulo César de Souza Albuquerque, após uma breve discussão. Segundo o rapaz, Paulo César fez o pedido, no entanto, só após o atendente finalizar a compra, mostrou o cupom de desconto. Como o sistema da empresa exige que esse procedimento seja feito antes de efetuar o pedido, Mateus explicou que não poderia mais aplicar o tal desconto. Paulo então se exaltou e entrou armado na lanchonete. "Quando ele chegou no drive, já chegou estressado. Reclamou, me deu dois tapas na cara. Achei que ele tivesse ido embora. De repente, do nada, vejo ele entrando atrás de mim e aí me deu um tiro. Achei que ia morrer lá mesmo no chão da lanchonete. Comecei a sentir a boca muito seca, um calor danado e muita, muita dor. Foi desesperador", relembra.

Carinho de 'mãe'
Com o tiro, Mateus perdeu um dos rins, parte do intestino, ficou nove dias internado e precisou fazer colostomia. O procedimento cirúrgico consiste na ligação do intestino grosso diretamente à parede do abdômen, permitindo a saída de fezes para uma bolsa, as chamadas bolsas de colostomia, como as que Mateus está usando. Essa colostomia pode ser reversível ou não. A expectativa é que ele consiga fazer a reversão num prazo entre 3 ou 6 meses, mas tudo vai depender de sua recuperação. "Estou tentando ser otimista, né? Quero conseguir fazer logo essa nova cirurgia, mas só Deus sabe. Os médicos dizem que eu preciso estar mais forte e que por isso é tão importante eu me alimentar bem. Dessa parte aí, minha tia cuida bem", diz ele apresentando um leve sorriso, o único ao longo de toda a entrevista.
A tia Marcela é o anjo da guarda, a mãe do coração para Mateus. Ainda garoto, quando veio de Minas Gerais para o Rio, morou com a tia. Há quase um ano, consegui alugar um apartamento, na Taquara, e curtia a vida de independência. Após a tragédia, teve que voltar a morar na casa da tia. É ela quem está à frente dos cuidados diários que o rapaz precisa, como medicação, curativo e as idas ao médico. Mas uma das tarefas o rapaz diz que ela cuida como ninguém: "Como os médicos disseram que eu tenho que fortalecer meu organismo e como a colostomia me obriga a ter uma alimentação mais regrada, ela me mima toda hora. Pergunta o que eu quero comer e faz o que pode para preparar uma comida gostosa pra mim", diz emocionado.
Nova alimentação
Antes, ele admite que comia muita besteira. Fritura, refrigerante, biscoito e sanduíche eram o forte da sua alimentação, desde que passou a morar sozinho, na Taquara, bairro onde era seu trabalho. Agora, no pós alta, como ainda tem limitações físicas e precisa de cuidado 24 horas por dia, teve que voltar a morar com a tia Marcela, que cuida com mãos de ferro da sua nova alimentação.
"Eu odiava brócolis e nunca fui muito fã, por exemplo, de cenoura, inhame, chuchu. Agora, tenho que comer essas coisas, não tem jeito. E o médico disse que brócolis, que eu odeio, era bom. Brócolis, couve.... Não tem jeito, não gosto, mas agora a minha tia faz e faz com tanto amor, tanto cuidado e carinho que aprendi a comer essas coisas", surpreende-se Mateus. No cardápio, pra adoçar a vida do sobrinho, ela prepara também alguns quitutes. "Essa semana, fez um pudim de leite pra mim. Estava maravilhoso, mas tudo eu como em menor quantidade, agora. Não cabe muita coisa e, também, ainda estou conhecendo melhor meu organismo agora com essa colostomia. Não posso abusar".
Medo x alívio
Ainda se acostumando à nova realidade imposta por tanta violência vivida, Mateus diz que além das dores físicas, lidar com o emocional é ainda mais difícil. Segundo ele, o medo é algo que o persegue, agora. Mas admite: ficou aliviado com a prisão de Paulo César, que está no Grupamento Especial Prisional (GEP) do Corpo de Bombeiros, onde permanece preso, à disposição da Justiça. Ele também poderá ser expulso da corporação. "Mesmo quando estava internado, eu sentia muito medo. Pensa só: se uma pessoa dessas vai numa lanchonete e faz o que fez, ela é capaz de qualquer coisa. Então, enquanto ele estava solto, eu me sentia inseguro. Em casa, o portão batia, tinha um barulho qualquer, eu já ficava sobressaltado e com medo. Foi um alívio saber da prisão dele".
Sobre seu agressor, Mateus admite que sente um misto de raiva e de medo. O rapaz conta que sempre foi uma pessoa tranquila, que evitava briga. O pai sonhava que ele fosse policial, fato que o jovem nunca cogitou. “Não combina comigo.”. Por ter esse lado mais tranquilo, afirma que sempre evitou guardar rancor das pessoas, mas agora é diferente. "Não foi uma bobeira, uma violência verbal ou coisa assim. Ele me deu um tiro por causa de um desconto de R$ 4 que ele não conseguiu. Ele quis me matar. Tento entender, mas não encontro resposta. Tento não guardar raiva, mas é impossível".
Sonho interrompido
Falar sobre a violência que sofreu ainda mexe muito com Mateus. Ele fica nervoso e pede para mudar de assunto. Apesar de abalado com tudo o que aconteceu, ainda tenta manter a esperança de realizar os sonhos que tem pela frente. "A caminhada vai ficar bem mais longa e bem mais difícil, mas eu não desisti, não. Vou correr atrás e vou conseguir. Fecho os olhos, penso no futuro e me vejo na minha clínica veterinária fazendo o que amo".
Outro sonho que ele quer realizar é comprar uma casa própria pra ele e pra tia. "Ela merece tudo de bom, sempre. Um dia, quero poder dar uma vida mais tranquila a ela".
O trabalho como atendente no Mc Donald’s - seu primeiro com carteira assinada – era justamente para investir nos estudos. O rapaz parou no 1º ano do Ensino Médio e planejava fazer um supletivo para poder entrar logo na faculdade. "Agora, estou assim, dependente dos outros pra tudo....ele fez minha vida parar, mudar de uma hora pra outra. Interrompeu meus sonhos".
'Gratidão'
Em sua caminhada de recuperação física e psicológica, ele agradece à tia Marcela, em primeiro lugar. Emocionado, faz questão de agradecer também às pessoas que mesmo sem o conhecerem estão contribuindo com a "vaquinha" virtual criada por familiares e amigos para ajudar nas despesas com sua recuperação. "Minha tia é autônoma. E como está parada, só cuidando de mim, é difícil, né. Por isso, o pessoal teve a ideia da "vaquinha". Achei que não ia funcionar, mas depois que saiu na imprensa, as pessoas começaram a ajudar tanto. Gratidão a todo mundo que me ajudou e a todo mundo que ainda vai ajudar. Eu vou retribuir seguindo em frente com meus sonhos".