Santuário do Seu Zé Pilintra, na LapaPedro Ivo / Agência O Dia

Rio - Agora é lei: o dia de Zé Pelintra, homenageado dia 7 de julho, passou a fazer parte do calendário oficial da cidade do Rio de Janeiro. A proposta, de autoria dos vereadores Átila Nunes (MDB) e Tarcísio Motta (PSOL), foi aprovada pelo presidente da Câmara Municipal Carlo Caiado e publicada no Diário Oficial desta terça-feira (20). O Projeto de Lei já tinha sido aprovado na câmara em agosto e aguardava sanção do prefeito Eduardo Paes, que acabou estourando o prazo de 15 dias para vetar ou aprovar. Por isso, a proposta voltou para Casa.
Embora ainda não haja comprovações do dia exato, o dia 7 de julho de 1920 é apontado por muitos pesquisadores como a data da morte de José Pereira dos Anjos, que deu origem à Zé Pelintra. 
"Quando você consegue uma data como essa, não é simplesmente conseguir uma data, porque foi uma votação. Tiveram que votar, e as pessoas votaram a favor. Se elas votaram a favor, é porque elas respeitam a escolha e a religião do outro", afirmou Luzia Lacerda, diretora responsável pelo Instituto "Expo Religião", que entende a aprovação da lei como sinônimo de diálogo e, principalmente, de conhecimento.
"Em uma ação como essa, você tem que se reunir com as pessoas para conversar para conseguir o sucesso. Além do mais, você tem que fazer uma pesquisa, não é uma coisa aleatória. O conhecimento é o que desconstrói o racismo religioso, é o que desconstrói a intolerância e a ignorância", acrescenta ela
O Rio recebeu, no último fim de semana (16 a 18/9) o primeiro Congresso Inter-religioso Internacional organizado pelo Instituto. Para a diretora Luzia, a aprovação do dia do Zé Pelintra coroa uma semana de conquistas. "Temos que celebrar as pontes que estão sendo construídas. E o dia de Zé Pelintra foi uma ponte que foi construída muito bem construída", comemorou.
"O malandro é um ser muito mal interpretado pelo sistema. Quem trouxe esse termo 'malandro' foi Machado de Assis, ao ver o negro capoeira revolucionando as ruas do Rio de Janeiro, buscando defender um território que não era de ninguém e evitar que inibissem nossa cultura", explicou Jeff Duarte, de 45 anos. Ele é produtor cultural e um dos fundadores do Santuário do Zé Pelintra na Lapa, no Centro da cidade.
O Santuário, apesar de ter data de criação incerta, foi reconhecido em janeiro deste ano, pela prefeitura, como patrimônio cultural e incluído no Circuito da Diversidade Religiosa do Patrimônio Cultural Carioca, organizado pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), com a Coordenadoria Executiva de Promoção da Igualdade Racial (CEPIR) e a Coordenadoria Executiva de Diversidade Religiosa (CEDR). Ele recebeu a tradicional placa azul do patrimônio carioca para indicar que valoriza a importância das manifestações religiosas na formação das identidades brasileira e carioca.
Conhecido como Malandro Encarnado, Jeff, que ajudou na elaboração da lei, vê na data e no Santuário o resgate do "malandro", que para ele é utilizado, na maioria das vezes, de maneira pejorativa. "A cultura sempre viu o malandro como quem visualiza algo e tem uma opinião, não como quem participa da história - porque tem quem conte a história e tem quem viva a história. A nossa parte é de quem vive a história, porque a gente realmente vivencia essa a boemia, as escolas de samba, a gafieira e os terreiros. Essa cultura dos malandros nunca deixou de existir, é um movimento de resistência", defendeu. 
Sob os Arcos da Lapa, Zé Pelintra se faz presente para aqueles que vão ao seu encontro agradecer e pedir ajuda. Mesmo com as constantes manifestações preconceituosas, o local tornou-se ponto de peregrinação e refúgio para muitos. Há, inclusive, quem passe por lá e nunca deixe de saudar Seu Zé. A chef de cozinha Juliana Muniz, de 33 anos, é uma delas: "Tenho uma relação bem próxima com o Zé Pelintra. Sempre que dá no meu coração, que eu devo agradecer a ele de alguma forma, ou quando estou precisando de alguma ajuda, eu recorro ao santuário dele", explicou a jovem.
Feliz com a aprovação da lei e por ter um dia para celebrar a entidade, Juliana falou sobre a importância da nova data. "Para mim, é importante que a cultura da umbanda e do candomblé sejam reconhecidas popularmente, porque durante muito tempo foram religiões vistas com muito preconceito por religiões de matrizes europeias. Eu acho importante socialmente que ele seja reconhecido, porque ele é um das entidades importantes no mundo espiritual, de acordo com a minha crença", relatou a jovem, que é umbandista.
História
As histórias sobre a origem de Zé Pelintra são muitas. Uma delas baseia-se na ideia de que José Pereira dos Anjos, nome verdadeiro da entidade, nasceu no sertão pernambucano, mas que devido à seca, ele e sua família foram obrigados a mudar para a capital, Recife.
Com a infelicidade da perda brusca e precoce de sua família, José viu-se obrigado a morar na rua, trabalhando como garoto de recados e dormindo em locais não muito agradáveis. Por isso, cresceu em meio ao ambiente noturno, jogatinas e a arte da sedução. Além disso, era muito habilidoso com facas, sabendo defender-se muito bem, tornando-o temido.
Ainda jovem, alguns contam, teria decidido mudar-se para o Rio de Janeiro, onde rapidamente ficou famoso nas áreas boêmias da região. Andava trajado com um terno branco, gravata vermelha, chapéu panamá e uma longa bengala.
Apesar de ser muito conhecido, José dos Anjos teve um destino trágico: foi assassinado com um golpe nas costas. Algumas pessoas contam que, no momento da sua morte, teria virado um espírito de luz. Hoje, Zé Pelintra é cultuado em algumas religiões de matriz africana, mas principalmente na Umbanda e no Catimbó. Ali, acreditam que a entidade trabalha em favor daqueles que são marginalizados pela sociedade.
* Reportagem de Beatriz Coutinho sob supervisão de Thiago Antunes