Apesar de consagrado na vida cultural do Rio, o canecão, em Botafogo, Zona Sul, estava fechado desde 2010 e não abrigava mais do que uma péssima infraestrutura e lembranças de tempos gloriososAlexandre Brum / Arquivo Agencia O Dia

Rio – Foi aprovado, nesta quinta-feira (17), o projeto do novo Canecão, em reunião do Conselho Universitário (Consuni) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A proposta, apresentada à comunidade acadêmica em agosto deste ano, é uma das duas linhas de trabalho que integram o Projeto de Valorização do Patrimônio da UFRJ, uma iniciativa, tomada diante das restrições orçamentárias atuais, para concluir obras inacabadas e obter novos espaços. O Canecão, localizado em Botafogo, na Zona Sul, está fechado desde 2010 e atualmente apresenta uma péssima infraestrutura.

A ideia é que o antigo canecão seja demolido para a construção de um Equipamento Cultural Multiuso (ECM), com espaço flexível, que vai desde apresentações teatrais à shows de rock, com capacidade para até quatro mil pessoas de pé. No Consuni, 38 votos garantiram a aprovação da proposta. Os números de votos contrários e de abstenções não foram contados.


"O projeto do Equipamento Cultural, que está em votação, foi elaborado, foi pensado, a partir das áreas culturais da UFRJ, atendendo às demandas de áreas culturais da universidade. Então, o Espaço Ziraldo, que já foi apresentado aqui várias vezes, era apenas um espaço de exposição do painel. E ele virou o espaço para a reunião das atividades culturais da UFRJ", explicou o vice-reitor e conselheiro, Frederico Leão Rocha, que, ainda no início da sua fala, fez um breve histórico do projeto:

"Em 2010, a UFRJ retomou a área do Canecão. Aquela área foi retomada por falta de pagamento dos aluguéis. Naquela ocasião, havia um reitor exercendo a função, que era o professor Aloísio Teixeira, e que se comprometeu, frente à sociedade carioca, em devolver o espaço cultural para a sociedade. Esse compromisso do professor Aloísio Teixeira foi renovado pelo professor Carlos Levi. Posteriormente, também renovado pelo professor Roberto Leher. Esse último, em ata do Consuni. E este compromisso foi renovado pela atual reitora, Denise Pires de Carvalho. Portanto, não se trata de um projeto desta reitoria. É um projeto da UFRJ, porque quatro reitores, com pensamentos diferentes, tomaram essa decisão", afirmou.

A fala é uma resposta às manifestações estudantis contrárias, que acontecem desde a apresentação do projeto à comunidade acadêmica. Com frases como "A UFRJ não está à venda", os estudantes afirmam que o projeto entrega a Universidade à iniciativa privada. Nesse contexto, a representante discente Júlia Vilhena cedeu seu tempo de fala para o deputado federal Glauber Braga (Psol).

Braga, de maneira remota, disse que a UFRJ poderia rejeitar o projeto e financiar as contrapartidas elencadas por meio de recursos de emendas parlamentares. "Visto a contrapartida que foi aqui anunciada do que seria necessário, é plenamente possível realizarmos uma ação planejada. Já que teremos quatro anos de uma nova legislatura, temos a oportunidade de planejar os investimentos que são imprescindíveis para a Universidade Federal do Rio de Janeiro", esclareceu.

Além do ECM, o Projeto de Valorização do Patrimônio da UFRJ, prevê também a permuta das unidades do Ventura Corporate Towers, pela conclusão de mais de 70 mil metros quadrados em diversas infraestruturas, bem como a construção de novos prédios acadêmicos, entre eles um restaurante universitário, com capacidade para oferecer cerca de 2 mil refeições por dia. Para o vice-reitor da UFRJ, as oitenta salas de aulas previstas na construção de um novo prédio acadêmico são importantes porque irão substituir os contêineres utilizados, há mais de dez anos, como salas de aula no campus da Praia Vermelha.

O Consuni também votou e aprovou o parecer favorável à concessão a título oneroso da área situada no Campus da Praia Vermelha, conhecida como "Campinho", o chamado projeto de cessão do ECM. Ainda de acordo com o vice-reitor, as árvores da área verde não serão afetadas "na sua quase totalidade": "Ainda que vá ser de gestão privada, essa área é de acesso públco. As edificações são de acesso restrito, mas o resto é obrigatório, por edital, que seja de acesso público. Estamos derrubando os muros e, ao contrário do que se possa pensar, estamos aumentando o acesso às áreas verdes", pontuou. 
Com a aprovação, os próximos passos são: a publicação do edital, com previsão de que seja publicado até segunda-feira (21), e o leilão, que é o processo licitatório em si. A previsão é que a licitação ocorra ainda em dezembro deste ano, embora a etapa dependa de outras, como a aprovação do projeto no Consuni. As obras devem ser concluídas em 2024.
Na quarta-feira (16), foi realizada uma Audiência Pública, organizada pelas partes contratuais, que faz parte do cronograma previsto em contrato com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o consórcio EY/Demarest/FAA e a UFRJ. A Audiência Pública é uma instância prevista em lei e tem como objetivo dar transparência aos atos dos órgãos públicos.

O Equipamento Cultural Multiuso
A proposta da Universidade é derrubar a antiga estrutura do Canecão para construir um Equipamento Cultural Multiuso (ECM), com espaço adaptável. De acordo com Rocha, a proposta foi feita usando quatro características. A primeira é de respeitar a legalidade. "A casa [de shows] estava de maneira ilegal, então aprovamos uma lei na Câmara de Vereadores para que ali pudesse ter uma casa", explicou o vice-reitor.

"A segunda é que o equipamento que fosse construído atendesse aos interesses da UFRJ, e também a preservação do painel do Ziraldo, que vai ficar com um edifício à parte", afirmou, fazendo referência ao painel de 23 metros. Rocha explicou que ali também será construído um pequeno teatro, no qual em três quartos do ano será utilizado pela Universidade: "É para garantir que os setores culturais da UFRJ tivessem um espaço maior para apresentar e ensaiar suas atividades."

A terceira característica é para que o espaço pudesse trazer retorno para as atividades acadêmicas. Dessa forma, está sendo projetada uma edificação com cerca de 80 salas de aula e espaço para a biblioteca, de uso integral da UFRJ, e o restaurante universitário para os alunos.

A quarta e última característica é que o projeto fosse de interesse também da sociedade carioca. "Nós consultamos a classe artística, mas também procuramos abrir o espaço para a sociedade carioca. A proposta é derrubar todos os muros em volta e deixar uma área de livre circulação de 15 mil por quadrados. Desses 15 mil, 70% do terreno tem que estar livre, que vai servir à toda a sociedade", esclareceu.

O modelo de cessão de ativos e contrapartidas não financeiras foi pensado ainda na gestão anterior, do ex-reitor Roberto Leher, que contratou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em 2018. A gestão atual mudou o projeto original após receber os estudos preliminares em 2020. Além disso, a UFRJ não assumirá risco de negócio, ou seja, não terá o seu orçamento aplicado para a concretização do ECM.

A importância do Canecão

O Canecão foi inaugurado em junho de 1967 como uma cervejaria, pelo empresário Mário Priolli. A mudança para casa de espetáculos veio dois anos depois, com o show da cantora Maysa, dirigido por Bibi Ferreira. De lá pra cá, estabeleceu-se uma briga judicial de quase 40 anos entre o empresário e a UFRJ, que recebeu o terrenos da União nos anos 1960 e alegava o não pagamento do aluguel por parte de Priolli.

Em 2010, a Universidade conseguiu a reintegração de posse do espaço. O Canecão chegou a ser cedido ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas, sem recursos para promover sua reforma, acabou retornando para a UFRJ. Desde então, ele permanece fechado.

Pelos palcos do Canecão, já passaram artistas nacionais e internacionais e nomes consagrados da nossa música. Embalado por artistas da Música Popular Brasileira, o público já prestigiou shows de Maysa, Tom Jobim, Toquinho, Vinícius de Moraes, Elza Soares e outros. Uma das grandes histórias envolve o cantor Elymar Santos, que vendeu seu apartamento e carro para conseguir alugar o espaço e se apresentar. Além disso, grandes nomes do rock nacional nos anos de 1980 fizeram shows memoráveis, como Paralamas do Sucesso, Engenheiros do Hawaii e Barão Vermelho.
* Reportagem da estagiária Beatriz Coutinho, sob supervisão de Thiago Antunes