Casada e mãe de dois, ela conta com consultoras em diversas áreas profissionais e sociais para respaldar sua pesquisa de campo e lhe garantir o lugar de falaDivulgação

Por Irma Lasmar
SÃO GONÇALO - Com seu quinto livro previsto para ser lançado no próximo dia 28, intitulado Kaledoscopio, a escritora gonçalense Clara Artemis é um caso raro e peculiar de sucesso. Heterossexual e cisgênero (denominação de quem se identifica com o gênero de nascimento), ela escreve romances de temática LGBTQIA+ de aceitação unânime. O segredo da qualidade de suas obras, além do potencial criativo e sua narrativa envolvente, também está no cuidado e no respeito com a linguagem deste segmento de público. Para isso, Clara conta com consultoras em diversas áreas profissionais e sociais, que respaldam sua pesquisa de campo e lhe garantem o lugar de fala. Casada e mãe de um rapaz de 17 anos e uma menina de 10, a escritora começou a escrever textos diversos na adolescência, vivida nos anos 1990, ainda sem publicá-los de forma oficial. Já naquela época, participava dos roteiros do teatro da escola, demonstrando aptidão para as letras e seu gosto pela cultura em forma de entretenimento. Dentre tanta variedade existente no mundo literário, seguindo um caminho na época pouco explorado no Brasil, enveredou pelo estilo que lhe alçou a um lugar diferenciado no meio editorial, fora dos clichês predominantes. Assim também notou a carência de representatividade do público LGBTQIA+ na literatura, retratado através de personagens secundários e estereotipados. Autora de Para sempre em mim, Marca-me, Libertat e Cores em você, todos primeiro lugar de vendas no site Amazon, teve este último título temporariamente recolhido das prateleiras da Bienal de 2019, censurada pela Prefeitura do Rio. Mas conseguiu dar a volta por cima e, após resgatá-los, se esgotaram antes do fim do evento. 
Nesta entrevista exclusiva, Clara conta de onde veio o interesse por esta literatura específica, como se dá seu processo de criação e os preconceitos que enfrenta.
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- De onde surgiu seu interesse por histórias deste público? 
CLARA ARTEMIS - "Sempre gostei de ler e ver histórias com personagens LGBTQIA+. Lembro que eu era bem jovem quando assisti a um filme sobre uma menina transgênero que reencontrava com o melhor amigo de infância que não sabia da mudança de sexo dela, pois a conheceu homem, e achei maravilhoso. O assunto me interessou, mas eu não achava muito material nessa temática, e a maioria não era real, pelo contrário, até caricata, ou então com tramas voltadas somente para o conteúdo erótico e pouco romântico. Quando encontrava personagens LGBTQIA+ em histórias comuns, eram sempre secundários, quase sempre cômicos, e não davam o devido valor à diversidade. Assim comecei a escrever o que eu queria ler".
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- Como foi recebida inicialmente por estes leitores e de que modo te tratam agora?
C.A. - "Achei que haveria resistência ao meu trabalho, por ser uma mulher hétero CIS, e que eu seria vista como alguém se metendo num assunto que não era meu, mas fui muito bem recebida. Pessoas vêm falar comigo para dividir suas experiências, não só desse público como pais de LGBTQIA+ contando a dificuldade que tiveram para aceitar os filhos que se assumiram. Os homens héteros que, curiosamente, acham que escrevo por fetiche, ou outro motivo oculto, e não porque gosto. Meus leitores são tão fofos que os apelidei de coelhinhos. Posso assegurar que sou uma escritora muito afortunada por ter os melhores leitores do mundo".
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- Qual a maior dificuldade de falar sobre este universo?
C.A. - "A maior dificuldade não é falar do tema em si, pois faço muita pesquisa, assisto a entrevistas, converso com pessoas, para trazer o máximo de veracidade para meus livros, por mais que tenham elementos de ficção. Meu problema é o preconceito justamente dos heterossexuais por eu ser uma mulher hétero e cis, casada e com filhos, que enveredou por esse tipo de literatura. São pessoas que nunca leram nenhum livro LGBTQIA+ e falam mal sem conhecer". 
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- E qual o maior prazer em trabalhar com o assunto?
C.A. - "Meu maior prazer é ouvir o feedback positivo das pessoas. Elas vêm contar que estavam passando por momentos difíceis e a leitura de meus textos as ajudou de alguma forma. Vendo-se retratadas, sentem-se menos sozinhas e mais esperançosas por um mundo mais diverso. Ficam felizes por saber que alguém as compreende. Muitas mulheres lésbicas leem meus livros e se identificam com as histórias, mesmo sendo meus personagens majoritariamente masculinos. Muito prazer sinto também quando acontece de algum heterossexual me procurar para me dizer que se identificou com situações de algum dos meus personagens. Afinal, há problemas do âmbito amoroso comuns a quaisquer relacionamentos a dois, como a paixão, a traição, a ilusão, a solidão". 
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- Já teve experiências homossexuais?
C.A. - "Tive quando era adolescente e acho supernormal. Quando se tem dúvidas ou curiosidades quanto à própria sexualidade, não se deve ter medo de explorar isso ou de ser julgado. Pelo contrário, é essencial para se descobrir e encontrar nosso lugar no mundo. No meu caso, foi uma experiência muito válida para eu ter certeza de que não era o que eu queria. Não me arrependo. E me ajudou inclusive a compreender as demais pessoas. Mas é fundamental ser sincero com a outra pessoa com quem se relaciona, sempre, sem iludir ou dar falsas esperanças".
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- Qual feedback de leitor mais te tocou positivamente?
C.A. - "Entre tantas incontáveis respostas, me marcou especificamente um comentário, mesmo curto, deixado no site de vendas Amazon. Um rapaz escreveu que tinha preconceito com esse estilo literário, mas depois de ler meu livro ele entendeu que não era nada absurdo. Lembro que fiquei muito feliz porque se tratava de alguém que nunca quis se aproximar desse tipo de história e depois se abriu ao novo, tornando inclusive pública a experiência que teve ao registrar o feedback no site. Ele se deu conta de que o mundo é plural e todos temos algo em comum: queremos encontrar alguém para amar e sermos amados, e sermos felizes".
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- Já recebeu críticas de pessoas do seu próprio círculo de relacionamento pessoal?
C.A. - "Sim, mas o que acontece com mais frequência foram perguntas tipo: 'você está escrevendo romance gay?' em tom depreciativo, vindas de conhecidos. Só que nunca me deixei abalar, principalmente porque tenho o apoio da minha família, diferentemente de escritores em geral, que não recebem o estímulo familiar. Minha filha caçula não tem idade para ler e entender o meu trabalho, mas, quando me pergunta, eu respondo dentro do que é compreensível para ela, e ela fica feliz por mim. Isso me ajuda muito a não me incomodar com os comentários negativos ou as perguntas críticas. E sei que minha família, quando indagada, me defende. Pessoas que não respeitam o meu trabalho nem a opção sexual dos outros, eu não quero mesmo por perto. Essas situações, apesar de desagradáveis, me ajudam a identificar quem merece ter a minha amizade". 
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- Qual aprendizado leva dessa experiência?
C.A. - "Aprendi que 'colocamos panos quentes' em pessoas que não merecem. Amenizamos o machismo e a homofobia ao absolver pessoas considerando o ambiente em que cresceram e a criação que receberam, como forma de justificar o preconceito que manifestam. Quando na verdade vivemos em uma época em que a informação está por toda parte e acessível a todos em questão de minutos de pesquisa e leitura na internet. Muitas pessoas não querem aprender, preferindo alimentar seus preconceitos com piadas, ou rindo das piadas dos outros. Mantêm ideias preestabelecidas e se incomodam com questões que não lhes dizem respeito. A verdade é que há pessoas que não vão mudar, e por isso não vale a pena perder tempo com elas. O negócio é se afastar. E eu, como autora LGBTQIA+, uma literatura ainda tão marginalizada, sinto na pele o preconceito".
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A autora de 'Para sempre em mim', 'Marca-me', 'Libertat' e 'Cores em você' - todos campeões de vendas no site Amazon - teve este último título censurado durante a Bienal de 2019 pela Prefeitura do Rio - Divulgação
A autora de 'Para sempre em mim', 'Marca-me', 'Libertat' e 'Cores em você' - todos campeões de vendas no site Amazon - teve este último título censurado durante a Bienal de 2019 pela Prefeitura do RioDivulgação