Abstinência, isolamento social e rotina religiosa como “tratamento”: esse é o modelo adotado nos estabelecimentos destinados ao acolhimento de pessoas com transtornos decorrentes do uso de substâncias químicas, popularmente conhecidos como "comunidades terapêuticas". Foi o que revelou um novo estudo divulgado esta semana pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).
Espalhadas por todo território nacional, as comunidades existem desde a década 60, mas vêm ganhando força durante a gestão de Jair Bolsonaro. No início de 2018 o governo federal financiava 2.900 vagas, já em dezembro de 2021 esse número aumentou para 10.657. O valor financiado para essas CTs, que antes era uma média de 40 milhões por ano, aumentou para um total de 193,2 milhões somando os anos de 2020 e 2021, uma média de 97 milhões por ano.
A pesquisa chamada “Imposição da fé como política pública: comunidades terapêuticas no Rio de Janeiro”, realizada por Paula Napolião, doutoranda em Sociologia e Antropologia pela UFRJ e pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania" e Giulia Castro, assistente social formada pela UFRJ, mestranda em serviço social e desenvolvimento regional pela UFF, foi pauta da última edição do PodCast do Tá Na Rede, apresentado por André Oliveira e Carina Petrenko.
Sem eficácia comprovada
Além de não ser um modelo pautado pelo SUS, não possui nenhuma comprovação de eficácia, foi registrada nessa pesquisa diversas violações cometidas pelas CTs, tais como homofobia, transfobia, a falta de atuação da Vigilância Sanitária, que deveria atuar na fiscalização desses estabelecimentos mas afrouxava e fazia "vista grossa" para diversas insalubridades com a justificativa de que 'qualquer lugar é melhor que a rua' para os dependentes internados nas clínicas.
'Disciplina, espiritualidade e trabalho', essa é a rotina de um dependente químico internado em uma CT. Na prática, para que o tratamento proposto surta efeito, o indivíduo precisa participar de todas as atividades, que incluem uma rígida rotina religiosa. Além do isolamento do convívio com amigos e família (e proibição do uso de celulares), o interno precisa cessar com todos os usos de substancias químicas (incluindo álcool e cigarros) e práticas sexuais.
"Não há evidencias cientificas no Brasil que esse seja um método de abordagem eficaz", comenta a pesquisadora Paula Napolião em entrevista ao podcast do Tá Na Rede. "O isolamento e abstinência completa não é um método que funciona para todos e uma política pública não pode ser excludente", completa.
Falta de preparo
Em tese, o acompanhamento médico deveria ser rotineiro, mas não é o que foi relatado na pesquisa. Muitas CTs dependem do acompanhamento voluntário, ocorrendo de forma pontual. "A principal diferença entre as CTs e o CAPS AD (Centro de Apoio Psicossocial ao Álcool e Drogas) é justamente a falta de acesso à políticas públicas nas Comunidades Terapêuticas", completa Paula.
Os gestores, geralmente ligados direto ou indiretamente a igreja acabam reduzindo o tratamento a moral e religiosidade, onde o indivíduo precisa se despir de questões mundanas para se livrar dos vícios.