Por bianca.lobianco

Rio - Uma mulher foi agredida na Lapa, no Centro do Rio, por dizer não a um homem. A mulher estava acompanhada do namorado e, mesmo assim, o agressor insistiu. Ele não respeitou a vontade dela, não a respeitou como mulher e nem como cidadã. Ao ver que ela reagiu, o homem foi em sua direção, desferindo dois socos em seu rosto e fugindo em seguida. A vítima, que estava com um body escrito "Feminist" no peito, ficou com a face ensanguentada e levou dois pontos no nariz.

O fato acima ocorreu no fim de semana do Carnaval, mas é uma cena que vem se repetindo constantemente em várias situações do dia a dia: desde uma ida à padaria até entrar em uma boate.

"O "Não" é uma palavra inexistente para alguns homens. Apesar de o tema do assédio e da violência contra a mulher estarem sendo cada vez mais discutidos, o Brasil ainda é uma sociedade patriarcal e profundamente machista", diz a psicóloga Adriana Nunan.

Jovem foi acredita após dizer não a um homem durante bloco na LapaReprodução Internet

O pensamento de que as mulheres só existem para servir aos homens ainda está muito enraizado nos países latino-americanos. Além disso, esse aumento de visibilidade de agressão contra a mulher causa uma reação nos agressores, que se veem perdendo espaço. No caso da vítima, houve também uma intolerância por ela se declarar feminista.

Para o psicoterapeuta sexual Oswaldo Rodrigues, o assédio ocorre por conta da criação de homens que foram treinados desde criança a enxergar mulheres como uma propriedade. "Por não aceitarem esse período de transição pelo qual as mulheres estão passando, onde estão ganhando mais voz e mais liberdade e consciência do que querem, os homens não entendem que já não são mais eles que decidem tudo. Assim, alguns ignoram as vontades e opiniões das mulheres para fazer valer o seu desejo".

"Existem setores da sociedade que estão reagindo às minorias para defender seus direitos de uma forma violenta. É como se a autoafirmação dessas minorias (mulheres, feministas, gays, lésbicas) fossem vistas por eles como uma afronta", comenta a psicóloga Olivia Porcaro.

Dra. Olívia também relata que a intolerância é um fator crucial que contribui para que o assédio seja recorrente. "As pessoas não têm sabido conviver com a diferença. A intolerância atravessa um momento muito difícil em termos de humanidade. Se a mulher diz não, mas o homem ignora isso, ele está anulando o desejo dela, porque apenas o que importa é satisfazê-lo".

O psicoterapeuta Oswaldo Rodrigues também comenta que o Carnaval é um ambiente que aumenta e estimula os homens a assediarem as mulheres: "Esse tipo de festa potencializa esta percepção masculina de superioridade na tomada de decisões sobre o sexo, pois também pressupõe que quem participa está disponível para isso. Tudo ao redor do Carnaval supõe sexo, mesmo que não aconteça da forma nem na quantidade que todos pensam", explica. "Assim, alguns homens já chegam e não perguntam ou não cortejam, pois para esses tipos de indivíduos, há a certeza de que a resposta da mulher seria o sim, afinal, todo homem aprendeu que às vezes as mulheres dizem não quando querem dizer sim", complementa.

No entanto, uma relação só pode acontecer quando ambos desejam e chegam a um acordo. O não dito pela vítima, foi uma recusa à abordagem do agressor. Não existe mais a ideia de que um não pode representar um outro significado a não ser o que a palavra representa: ato de negação.

A mulher que é assediada se sente violada fisicamente e psicologicamente. Vários grupos no Facebook estão sendo criados no intuito de apoiar as vítimas de assédio e outras situações, como relacionamentos abusivos, mulheres com baixa autoestima entre outros problemas pessoais. Mulheres que nunca se viram, mas que sentem empatia pelo que ocorreu e que praticam a sororidade para ajudar vítimas de atitudes machistas. É o caso de uma página no Facebook com 146 mil seguidoras.

Ana Christina, de 25 anos, criou a página "Meu Deus do céu, que macho chato do c***" para satirizar algumas abordagens machistas, mas a fanpage cresceu e hoje conta com um grupo para ajudar outras mulheres. 

"A Intenet e o próprio Facebook estão sendo usados como um canal de voz. Tanto é que no Carnaval do ano passado já havia relatos de vários assédios. Com a Internet as mulheres ganharam voz e poder e assim ficou mais fácil expor o agressor. O que acontece no Carnaval, acontece todos os dias, só que apenas alguns casos ganham repercussão na mídia. A luta é diária. Há também essa questão de que no Carnaval pode tudo, o que acaba afrouxando essa questão de responsabilizar o homem pela culpa", disse a dona da página.

"Eu acho que o fato dela (a vítima) estar com um body escrito "feminist" contribuiu ainda mais para a intolerância dos homens em relação à posição das mulheres. Foi um misto de coisas, tanto por ela estar com a roupa, como pelo fato de ser mulher. Os xingamentos começaram por conta de ela se assumir feminista, como a vítima relatou em seu perfil. Nossa página sempre é atacada com xingamentos e pessoas infiltradas para descredibilizar essa onda de ajuda", ressalta.

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