Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, é velado no Palácio da Cidade, em Botafogo, na Zona Sul - Daniel Castelo Branco / Agência O Dia
Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, é velado no Palácio da Cidade, em Botafogo, na Zona SulDaniel Castelo Branco / Agência O Dia
Por NADEDJA CALADO

Rio - O corpo do adolescente Marcos Vinicius da Silva foi velado, na tarde desta quinta-feira, no Palácio da Cidade, sede da Prefeitura do Rio em Botafogo, Zona Sul do Rio. O estudante de 14 anos morreu após ser baleado na barriga no Complexo da Maré, na Zona Norte. Marcos Vinicius foi sepultado no início da noite no Cemitério São João Batista, no mesmo bairro.

O espaço foi oferecido à família pela Secretaria Municipal de Educação. A mãe, o pai, a irmã e a avó materna de jovem, além do Secretário Municipal de Educação, César Benjamin e outros representantes da pasta, estiveram na cerimônia. Moradores da Maré, a maioria estudantes uniformizados, chegaram ao local com cartazes com pedidos de paz. 

Amigos e familiares prestam homenagem ao adolescente morto no Complexo da Maré - Daniel Castelo Branco / Agência O Dia

"Essa é bandeira do meu filho, vai ser com esse pedacinho de pano que eu vou pedir justiça para o meu filho. Vou usar essa blusa aqui para pedir um país melhor, porque esse país está matando os inocentes, os inocentes estão sumindo. Isso aqui quem fez não foi a polícia despreparada, foi um policial despreparado", declarou a mãe do adolescente, a diarista Bruna Silva, erguendo a camisa do uniforme escolar ensanguentada sobre o caixão do filho.

O estudante Marcos Vinícius da Silva - reprodução

Bruna conta que não tinha ambulâncias na UPA e o adolescente precisou ser socorrido por moradores. "A culpa é desse estado doente que está matando nossas crianças, que não estão roubando, não estão se prostituindo, estão estudando. Ele disse que viu quem alvejou ele. Disse 'foi o blindado, eles não viram que eu estava com roupa de escola'. Mataram meu filho com roupa de escola, com mochila de escola, que não é uma arma. Ele foi operado, a bala estragou tudo dentro dele."

"Meu filho lutou, ele não queria morrer, foi um guerreiro. Dizem que a minha comunidade é violenta, ela não é violenta, é muito boa. A operação quando vai lá vai com muita truculência. Tem trabalhador indo e vindo, criança indo e voltando da escola. Eu tô enterrando meu filho, meu luto ainda nem chegou. Vai chegar na hora que eu enterrar ele. E a morte dele não vai ser mais uma, nós vamos lutar por justiça. Operação naquele horário não é operação, é extermínio, invasão", completa a diarista. 

O Prefeito do Rio, Marcelo Crivella, esteve na cerimônia para prestar solidariedade aos familiares de Marcos Vinicius. "Tiros do helicóptero sobre as escolas, isso eu não consigo, nenhum cidadão consegue entender. Tenho certeza de que essa criança está com Deus que há de guardá-la já que nós não soubemos guardá-la. Não é possível que outros pais, outros amigos, outros diretores, outros prefeitos voltem aqui para lamentar a morte de crianças inocentes. Não é justo que ele não tenha conseguido chegar à escola. Hoje estamos aqui não para achar culpados porque isso não vai resolver a situação, mas para lamentar, amargurar. Não vamos permitir que a morte de nossos alunos sejam mais um fato banal que seja esquecido. Esperamos que a perícia seja rigorosa", declara. 

Ainda de acordo com Crivella, é necessário averiguar as denúncias recebidas de que tiros vindos de helicópteros atingiram telhados de escolas.

O advogado da família, João Tancredo, diz que a Delegacia de Homicídios está no local do crime analisando onde vai ser feita a perícia. Ele acredita que ainda que não seja possível saber quem atirou, pode-se identificar de qual força veio, e a partir daí pedir a devida indenização.

O fundador da ONG Sou da Paz, Antônio Carlos Costa, também esteve no velório do adolescente para prestar apoio à família. "De 2007 pra cá 50 crianças foram vítimas de bala perdida no Rio de Janeiro. Nos últimos dois anos, 28. Este ano, oito. A maioria pobres, moradores de favela que têm sua vida interrompida em razão de tiroteio entre policiais e bandidos ou entre facções rivais. Que ganho para a segurança pública do estado justifica a morte do Marcus Vinicius? Quem daria a vida de um filho em troca da prisão ou morte de um bandido?", indaga. 

Família acusa a Polícia Civil como responsável pela morte 

Nesta manhã, os pais do adolescente acusaram a Polícia Civil de ser a responsável pelo disparo que atingiu Marcos Vinicius. "Como eles não viram o uniforme escolar? Uma mochila abóbora? Eles viram meu filho e mesmo assim atiraram", lamentou José Gerson da Silva, pai do menino. 

O pedreiro contou que o filho saiu atrasado para a escola, mas resolveu voltar para casa ao ouvir os disparos da operação da Polícia Civil na comunidade. No entanto, de acordo com o pai, o estudante foi alvejado por policial que estava no veículo blindado conhecido como "caveirão" quando chegava na residência. "Eu estava trabalhando, quando voltei só o vi o meu filho respirando com a ajuda dos aparelhos, eu não consegui falar com ele", declarou.

Corpo de adolescente é velado no Palácio da Cidade. Na imagem, José Gerson da Silva e Bruna Silva, pais do menino de 14 anos - Daniel Castelo Branco / Agência O Dia

"O Estado alvejou uma criança indo para escola. Eles entram na comunidade para destruir família", afirma a mãe do menino, Bruna Silva. "Polícia homicida? Eles entram para matar?", questiona a diarista.

"Ele era meu mais velho. Minha caçula, de 12 anos, está chorando e dizendo: 'Tiraram meu irmão'. Eu espero justiça. Calaram meu filho, mas não vão me calar. Por ele, eu vou falar", afirma Bruna. Segundo ela, testemunhas relataram que pediram para que policiais não atirassem. Uma moça me disse que gritou: 'Não atira, é uma criança, ele está com roupa de escola'. Só que eles não ligaram e atiraram", lamenta.

Marcos Vinicius foi atingido por uma bala perdida nesta quarta-feira, durante uma operação da Polícia Civil com o apoio das Forças Armadas na Maré. Ele foi foi socorrido para o Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, Zona Norte, chegou a passar por uma cirurgia e teve o baço removido. Ele iria realizar uma nova intervenção na sexta-feira, mas não resistiu.

Na foto, a mãe do adolescente, a diarista Bruna Silva - Daniel Castelo Branco / Agência O Dia

DH vai investigar morte de adolescente

A Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro informa que a Delegacia de Homicídios da Capital abriu inquérito para apurar as circunstâncias da morte de Marcus Vinicius, ferido na manhã de quarta-feira, no Complexo da Maré. Uma perícia já foi feita no local e está prevista uma reconstituição para determinar de onde partiram os tiros que atingiram o estudante.

Em nota, a Polícia Civil disse que a utilização do helicóptero em operações, como as ocorridas na quarta-feira, "se dá para a garantia da segurança de toda a população, entre eles os moradores da comunidade envolvida e os policiais que desempenham suas atividades. Não há qualquer registro de que alguém tenha sido atingido por tiros vindos da aeronave empregada na operação na Maré", diz o texto.

 

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