A Justiça reconheceu a morte presumida do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza - Arquivo/Agência Brasil
A Justiça reconheceu a morte presumida do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de SouzaArquivo/Agência Brasil
Por Agência Brasil

Rio - Um pedido de vista feito pelo desembargador Eduardo Gusmão levou a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a adiar para o dia 28 deste mês o julgamento dos recursos que questionam a indenização a ser paga à família do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza. Detido por policiais e levado para a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha no dia 14 de julho de 2013, Amarildo desapareceu e seu corpo nunca foi encontrado.

Os desembargadores Lindolfo Marinho e Marco Aurélio Bezerra de Melo votaram a favor da sentença proferida em 2016, pela qual a viúva de Amarildo, Elizabete Gomes da Silva, e os seis filhos do casal serão indenizados em R$ 500 mil, cada um. Os quatro irmãos do pedreiro deverão receber R$ 100 mil, cada. Os dois desembargadores negaram, entretanto, indenização para a sobrinha e a mãe de criação de Amarildo, porque não havia provas suficientes.

O advogado da família de Amarildo, João Tancredo, disse que vai recorrer.

Sociedade punida

Ao comentar o caso, o procurador do estado do Rio de Janeiro, Flávio Willeman, disse que trata-se de um julgamento complexo. Willeman disse à Agência Brasil e à Rádio Nacional do Rio que o estado só vai emitir um pronunciamento ao final do julgamento. “O julgamento ainda não foi terminado. Nós temos dois votos; um desembargador pediu vista, e temos que esperar a próxima sessão para o julgamento ser concluído.”

Flávio Willeman considerou exagerados os valores estabelecidos para os parentes de Amarildo e afirmou que, no final, quem pagaria a indenização, estimada em R$ 5 milhões corrigidos, seria a sociedade. “[A sentença] dá a entender que a sociedade está sendo punida”, afirmou o procurador.

O advogado da família do pedreiro, João Tancredo, manifestou espanto diante dos argumentos da procuradoria sobre os valores da indenização. “Vida não tem preço. Você tem que levar em vista um fato concreto. É de uma gravidade extrema você pegar alguém, torturar, matar, desaparecer. Não é uma batida de carro. É isso que o Tribunal tem que levar em consideração”, disse o advogado.

Responsabilidade da Justiça

Para Tancredo, a Justiça tem uma grande responsabilidade nesse processo. “Quando ela reduz o valor que foi fixado, ela está contribuindo para que o Estado diga: 'eu posso falar pelos meus policiais, que eles podem continuar agindo dessa forma, porque é barato'. Acho muito ruim como exemplo para a sociedade”, afirmou o advogado.

João Tancredo disse esperar que o desembargador Eduardo Gusmão chegue à conclusão de que o valor fixado pela Justiça é um valor razoável para o caso, apesar de a 16ª Câmara Cível ter concedido valores menores em casos de morte. Ele ressaltou, contudo, que o caso de Amarildo não é um caso de morte comum. “Eles têm que levar em consideração o fato como um todo.”

O advogado informou que levará ao desembargador Gusmão material mostrando que a “sentença é razoável e deve ser mantida”. É um trabalho de convencimento, explicou. Se, no próximo dia 28, os três desembargadores que se manifestaram hoje votarem a favor da sentença, o processo “acaba aqui”, disse Tancredo. Se Gusmão divergir dos outros dois desembargadores, será marcado novo julgamento, do qual participarão os cinco desembargadores da 16ª Câmara Cível. Caso o governo do estado recorra ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Tancredo também entrará com recursos defendendo a indenização para Elizabete e os demais parentes de Amarildo.

Luta até o fim

Elizabete lembrou que hoje completaram-se cinco anos e um mês do desaparecimento do marido. Ela enfatizou que o caso de Amarildo não aconteceu só com ele, mas com a família inteira, e que a morte dele não foi uma "morte normal".

"Meu marido foi morto pela tortura. Sumiram com o corpo do meu marido. Hoje está fazendo cinco anos e um mês que a gente não tem resultado dos restos mortais do Amarildo”, disse Elizabete, cobrando justiça para ela e toda a família. "A gente está com as mãos atadas, porque o Amarildo era o esteio da casa, era ele que dava comida para meus seis filhos. Hoje em dia, piorou a situação da gente”, afirmou a viúva.

Ela ressaltou que uma filha, de 11 anos, está traumatizada, tem medo de policiais e não quer ir à escola. “O Estado não apoiou a gente em nada. É muito complicado para a gente o caso do Amarildo. E eu quero que não aconteça com outros Amarildos, porque há muitos Amarildos no Brasil.”

Elizabete destacou que a indenização não trará Amarildo de volta à vida, embora entenda que a justiça seja feita pelo erro do Estado. “Foi a polícia que matou meu marido e sumiu com o corpo dele até hoje. A gente vai lutar até o fim.” Atualmente, o filho mais velho de Amarildo trabalha com mototáxi; outro filho começou a trabalhar como gari comunitário, na organização não governamental (ONG) Olho no Lixo, e um terceiro faz biscates na comunidade.

Culpados

Vinte e cinco policiais foram acusados de torturar e matar Amarildo, desaparecendo em seguida com seu corpo. Destes, 13 foram condenados pela 35ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2016, entre os quais o major Edson Santos e o tenente Luiz Felipe Medeiros, subcomandante da UPP na época. 

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