Carro de família foi atacado a tiros em Guadalupe e músico Evaldo Rosa e o catador Luciano Macedo acabaram mortos. Testemunhas afiram que viram militares atirando contra o veículo - Reprodução Internet
Carro de família foi atacado a tiros em Guadalupe e músico Evaldo Rosa e o catador Luciano Macedo acabaram mortos. Testemunhas afiram que viram militares atirando contra o veículoReprodução Internet
Por Adriano Araujo e Renan Schuindt
Rio - Três testemunhas de acusação ouvidas nesta terça-feira durante a audiência que apura as mortes de Evaldo Rosa, que teve o carro fuzilado, e do catador Luciano Macedo, em Guadalupe, afirmam que viram os militares do Exército disparando contra o veículo do músico e que não havia confronto. Além delas, Sérgio Gonçalves de Araújo, sogro de Evaldo que estava no veículo atingido e foi baleado no ataque, também reforçou que viu a equipe do Exército atirando. Evaldo e Luciano morreram em decorrência do ataque.  

Sérgio foi o quarto a depor e, como a viúva Luciana, também estava bastante abalado. O sogro de Evaldo estava no banco do carona e precisou tomar a direção do automóvel quando o genro foi baleado. "Ele caiu desfalecido no meu ombro. Tentei guiar o carro por alguns metros, até conseguir puxar o freio de mão".
Ainda em seu testemunho, o sobrevivente disse que ao destravar a porta do carro olhou para o lado e viu os militares iniciarem novamente os disparos contra o automóvel da família. "Foi nesse momento que o Luciano deu a volta para socorrer o Evaldo e os militares começaram a atirar", concluiu. Ele também confirmou a fala da viúva Luciana de que "era para eles ficarem calmos", já que estariam seguros por ser uma área militar.
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Carro foi atingido por mais de 60 tiros - Reprodução de vídeo


A quinta testemunha foi Michele Neves, amiga do casal, que também estava no carro. Segundo a jovem, os militares não esboçaram qualquer reação de socorro aos feridos. "Buscamos abrigo em uma casa. No primeiro momento, não sabia nem que o Sérgio havia sido atingido. Eles permaneçam frios, mesmo depois que viram que o erro havia sido cometido".

As outras três testemunhas ouvidas são moradores do prédio Minhocão, que fica próximo ao local do ataque contra o carro da família. Duas delas foram taxativas ao dizer que viram toda a cena e reforçam a linha apresentada pela acusação e pelo Ministério Público Militar (MPM) de que os militares fizeram diversos disparos contra o veículo, inclusive no momento do socorro tentado pelo catador Luciano.

"Todos os depoimentos foram muito firmes de que não ouve trocas de tiros. Duas das testemunhas que moram no prédio deram riqueza de detalhes e disseram que viram da janela os militares atirando contra o carro, além da Michele e do Sérgio, que estavam no veículo", disse André Perecmanis, advogado que é assistente de acusação. As testemunhas também reafirmaram que os militares não prestaram socorro e ficaram debochando.

Um terceiro morador ouvido foi o responsável que pela gravação que mostrou o desespero dos familiares ao lado do carro fuzilado, com Evaldo e Luciano já baleados. Ele se abaixou quando começaram os disparos, mas continuou com a mão para fora e registrou o flagrante. "Todas as cápsulas que foram recolhidas perto do carro são dos militares, os veículos deles não foram atingidos por nenhum disparo", falou Perecmanis.

Os primeiros três depoimentos foram da vítima do assalto, Marcelo Bartoly, que ouviu a grande quantidade de disparos, mas não soube dizer quem eram os atiradores. Também foram ouvidas as viúvas de Evaldo e Luciano. Luciana dos Sanos Nogueira, mulher do músico, ficou visivelmente abalada no depoimento e desconfortável com a presença dos militares, ela pediu que eles saírem da sala de audiências, o que foi determinado pela juíza Mariana Aquino de Campos. A solicitação também foi feita por Sérgio e outras duas testemunhas.
O músico Evaldo Rosa foi morto atingido por nove tiros - Arquivo Pessoal


Habeas corpus será julgado na quinta-feira

Nesta quinta-feira será reiniciado o julgamento do habeas corpus solicitado pela defesa dos nove militares que estão presos. O Superior Tribunal Militar (STM) interrompeu o julgamento do pedido de liberdade após um dos ministros pedir vistas do processo, quando quatro magistrados já tinham votado, três favoráveis à soltura e um voto contrário.

No julgamento no STM, a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, a única que votou contra a concessão do habeas corpus, revelou que a perícia realizada mostrou que os militares fizeram mais de 200 disparos e que 63 deles atingiram o veículo do músico Evaldo Rosa.
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"É injustificável esse veículo ser alvejado por 83 balas de fuzil quando já havia parado completamente e não disparava contra a guarnição. É injustificável sobretudo porque os acusados não estavam em exercício da garantia da lei e da ordem, faziam apenas a segurança na área militar (...) Eles só poderiam ter atuado se o quartel ou os próprios tivessem sido atacados, o que não ocorreu. Investirem eles no papel de polícia, sem respaldo legal, para atuarem num suposto crime patrimonial é ilegal e inconstitucional", criticou a magistrada.
O DIA tentou ouvir a defesa dos militares, mas não conseguiu contato para falar sobre os depoimentos da acusação. Durante a audiência desta terça-feira, quando a vítima do assalto e as duas viúvas já tinham sido ouvidas, ele havia falado que "ninguém demonstrou que os militares são executores ou assassinos".
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"Faltam muitas diligências, muitos interrogatórios. Eles agiram em legítima defesa de terceiros, ficou claro primeiro depoimento e no depoimento das viúvas. A própria denúncia indica que houveram outros carros que alvejaram os militares. Os militares aparecem atirando no vídeo sim, mas em legítima defesa de terceiros", disse.
O próximo passo agora deve ser a defesa dos militares indicar testemunhas de defesa e até uma nova perícia deve ser solicitada. A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público Militar (MPM), no último dia 10, enumera os supostos crimes praticados pelos envolvidos: duplo homicídio qualificado e tentativa de homicídio, previstos no artigo 205 do Código Penal Militar (CPM), e omissão de socorro, descrito no artigo 135 do Código Penal Comum.
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Fazem parte do processo um tenente, um sargento, dois cabos e oito soldados, todos lotados no 1º Batalhão de Infantaria Motorizado, na Vila Militar.