Em cartas, crianças pedem o fim da violência nas favelas - Reprodução/ Redes da Maré
Em cartas, crianças pedem o fim da violência nas favelasReprodução/ Redes da Maré
Por O Dia
Rio - A ONG Redes da Maré emitiu uma nota pública, nesta sexta-feira, criticando a postura do governador do Rio, Wilson Witzel. Ela já havia emitido uma nesta quinta-feira, citando também o presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Claudio de Mello Tavares. Em nota, a ONG afirmou que as declarações dadas pelas autoridades mostram "total desrespeito pelos moradores de favelas, em especial às crianças", e não assumem a "responsabilidade pela escalada de violência e morte" causadas pelas políticas públicas adotadas pelo atual governo do Rio.
Em evento oficial, Witzel afirmou que as cartas escritas pelas crianças, moradoras da comunidade atingida pela violência, foram, na verdade, fruto da "manipulação" de "grupos criminosos". O presidente do TJ-RJ, Cláudio de Mello Tavares, já havia indagado se as crianças teriam escrito as cartas a mando do tráfico ou da milícia. "Foi a criança que fez a carta, o desenho? Ou algum traficante, ou algum miliciano fez com que ela fizesse isso para fazer com que a polícia parasse de agir como está agindo, com rigor?", contestou.
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A Redes da Maré escreveu que as declarações chocam "pela agressividade, irresponsabilidade e total falta de preparo para o cargo que exerce". "Ao nos depararmos com essas falas, preconceituosas e discriminatórias, fica claro o grande abismo que temos entre uma parte da sociedade e a grande maioria da população que sofre os efeitos das desigualdades do nosso país", afirma a nota. "Até o sentir e a inocência das crianças das favelas é colocado em dúvida, é negado".
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Confira, na íntegra, as notas da ONG Redes da Maré:
Nota pública 16/8/2019
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Hoje dia 16/8, em uma evento oficial, o governador do Estado do Rio de Janeiro mostra, mais uma vez, seu total desrespeito pelos moradores de favelas, em especial às crianças, quando afirma de forma leviana que as cartas onde elas falam da violência que vivenciam diariamente são o fruto da manipulação dos grupos criminosos. Por outro lado, não assume sua responsabilidade pela escalada de violência e morte causadas por sua política de segurança que tem como método a violência e a morte. Suas declarações chocam pela agressividade, irresponsabilidade e total falta de preparo para o cargo que exerce.

A Redes da Maré se coloca a favor da vida e defenderá sempre os direitos dos moradores e o Estado democrático de direito.

Nota pública 15/8/19
A mobilização que resultou nas 1509 cartas endereçadas à presidência do Tribunal da Justiça do Estado – TJE - é fruto da luta por direitos e reconhecimento da importância de cerca de 140 mil vidas que moram no conjunto de 16 favelas no Rio de Janeiro: a Maré. Essas cartas descrevem a dura realidade, o medo e as violências que atingem a população durante confrontos entre agentes da segurança pública e integrantes de dois grupos que controlam o comércio de drogas no varejo na região.

A ideia de convidar os moradores a se manifestarem por meio de cartas surgiu no momento de busca de alternativas coletivas sobre como reagir com a notícia da suspensão da Ação Civil Pública – ACP. Uma conquista da população da Maré que, de fato, contribuiu para diminuir o número de homicídios na região. Esse trabalho foi feito a partir da mobilização das muitas parcerias que a Redes da Maré já estabeleceu ao longo de mais de 20 anos de trabalho no território. Foram muitos adultos, jovens, crianças, homens e mulheres, que de maneira espontânea, participaram dessa ação.

Neste sentido, nos causa muita indignação ouvir do governador Wilson Witzel que a manifestação articulada por instituições e moradores das favelas da Maré foi fruto de manipulação de integrantes de grupos armados. Ficamos estarrecidos e nos sentimos afrontados, também, com as insinuações do presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Claudio de Mello Tavares, que colocou em questão a veracidade das cartas escritas pelas crianças da Maré. E ele não para por ai ao indagar: “Foi a criança que fez a carta, o desenho? ou algum traficante, ou algum miliciano fez com que ela fizesse isso para fazer com que a polícia parasse de agir como está agindo com rigor?”

Ao nos depararmos com essas falas, preconceituosas e discriminatórias, fica claro o grande abismo que temos entre uma parte da sociedade, aquela que, historicamente, ocupa espaços de poder e a grande maioria da população que sofre os efeitos das desigualdades do nosso país. É espantoso o modo como não reconhecem a complexidade da vida nas favelas: quem são essas pessoas? O que elas desejam? Que lutas tem no seu dia a dia? É importante refletir sobre as representações que moldam pessoas e lugares a ponto de se definir as políticas públicas de acordo com o lugar onde se vive. As favelas e as periferias, não são historicamente reconhecidas como territórios de direitos como qualquer outro lugar rico da cidade. Até o sentir e a inocência das crianças das favelas é colocado em dúvida, é negado.

É importante frisar, que a Redes da Maré é uma instituição de longa atuação no conjunto de favelas da Maré. Fundada por pessoas oriundas da região, onde construiu sua história com respeito e legitimidade a partir de um trabalho social ancorado em ações estruturantes que em médio e longo prazo tem beneficiado os moradores da Maré. Dessa maneira, é que produz conhecimento, formula ações e cria advocacy em políticas públicas em cinco áreas prioritárias, quais sejam: educação, arte e cultura, memórias e identidade, desenvolvimento territorial e segurança pública.

Nosso trabalho, por fim, deseja que o Estado reconheça os direitos dos moradores das favelas e que todas as ações policiais sejam pautadas pelo respeito às leis e a legalidade como deve ser num estado democrático de direito.