Ângelo Gustavo está preso desde o dia 2 de setembro de 2020. Ele é acusado de roubar um veículo, em 2014, no Flamengo, na Zona Sul do RioReprodução / Redes Sociais

Rio - O Quarto Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) decidiu, em videoconferência nesta terça-feira (31), pela absolvição de Ângelo Gustavo Pereira Nobre, de 30 anos. O produtor de eventos está preso desde o dia 3 de setembro do ano passado, acusado de participar do roubo a um veículo em agosto de 2014, no Flamengo, na Zona Sul do Rio. Na segunda-feira (30), durante o julgamento do pedido de revisão criminal, três desembargadores votaram por sua absolvição e outros três contra. O desempate só aconteceu hoje, por 4 votos a 3.
Ângelo Gustavo foi preso após ser reconhecido pela vítima em uma foto no Facebook, dois meses após o crime. Para a sua defesa, ele foi preso injustamente, já que a única prova do caso é a palavra da vítima. O produtor chegou a ser condenado em segunda instância, mas a defesa pediu revisão do processo.

"Gustavo, apesar de ter seus antecedentes criminais limpinhos, foi processado e condenado pela prática do crime de roubo, sem provas. Ele foi condenado a uma pena de 6 anos, 2 meses e 7 dias de reclusão. A prova existente contra ele? A declaração da vítima que diz tê-lo identificado em uma foto do Facebook que sequer aparece nos autos e feita mais de 2 meses após o crime pelo qual injustamente cumpre pena", explica a defesa do produtor.
Em um vídeo publicado no perfil do Instagram "Liberdade para Gugu", familiares e amigos do produtor se emocionaram e celebraram sua absolvição. Agora, eles aguardam o alvará de soltura para buscar Ângelo Gustavo no presídio. "Obrigada, meu Deus! Por que tanto sofrimento?", desabafou a mãe dele nas imagens. "Acabou! Vitória! O Gustavo está livre", comemorou outra pessoa que aparece no vídeo.


Ontem, a família do produtor cultural fez uma manifestação, no Largo do Machado, na Zona Sul do Rio, para pedir mais uma vez pela liberdade dele. Em novembro do ano passado, personalidades negras do segmento da cultura participaram de uma campanha que pedia a liberdade de Ângelo Gustavo. Ele também fez parte de uma campanha da OAB nas redes sociais que tem a narração de Caetano Veloso. 

 
Reconhecimento por foto gera acusação de inocentes
Desde outubro de 2020, Alberto Meireles Santana, um homem negro de 40 anos, sem antecedentes criminais, tenta provar sua inocência após ter prisão preventiva decretada por ser acusado de participação em um assalto à mão armada, em Bangu, na Zona Oeste do Rio, no dia 13 de abril de 2019. Assim como Ângelo Daniel, ele foi acusado pela vítima do roubo, que afirma ter o reconhecido através da foto 3x4 de sua Carteira Nacional de Habilitação, documento que perdeu na mesma data ao sofrer um assalto no mesmo bairro. Desde então, o homem sofre com a ameaça de ser preso e conta com a Defensoria Pública para provar que é inocente.
Segundo consta o inquérito policial, o documento de Alberto foi encontrado em um Toyota Corolla, mesmo modelo de carro utilizado pelo grupo que o havia assaltado. A carteira de habilitação foi então apresentada pela polícia à mulher vítima do outro roubo, que o identificou como autor do crime apenas pela fotografia da CNH. Inicialmente, ela havia descrito o assaltante como uma pessoa "de cor negra, altura aproximada de 1,70m, cerca de 25 a 30 anos, gordo, sem barba, cabelo crespo". O acusado tem 1,80m.
Também reconhecido por testemunhas através de uma foto, Danilo de Oliveira Silva, um homem negro, foi acusado de ter participado de uma série de assaltos a moradores de um condomínio na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, em 2009. Na época, testemunhas afirmaram que os três autores do crime eram pardos ou 'morenos claros'. A foto foi mostrada às testemunhas nove meses após o crime. 
Para a defesa de Danilo, ele teria sido confundido com um homônimo. Ele soube do caso mais de 11 anos depois, no último mês de maio, quando um oficial de Justiça entregou uma notificação de intimação na casa de seus pais. Ele foi ao Fórum entender a história: descobriu que era acusado de roubo e que teria dez dias para apresentar um advogado de defesa.
"Fui pego de surpresa. Não tinha nem ideia de que meu nome estava nessa situação. Fiquei preocupado, com medo de ser preso. Às vezes a gente vê essas injustiças na televisão e não imagina que vai acontecer na nossa casa", lamentou Danilo, pai de uma menina. 
No último dia 8 de julho, a Justiça absolveu o montador de móveis Pablo Vieira de Carvalho, preso no dia 17 de maio, acusado de participar de um roubo de carga, em Niterói, Região Metropolitana do Rio, em 5 de fevereiro de 2020. Segundo familiares, a única evidência que tinha sido apontada contra Pablo foi uma foto que estava na delegacia, em que ele teria sido reconhecido por vítimas. Mas, ele estava trabalhando em um prédio no momento do assalto, na Barra da Tijuca, a cerca de 46 quilômetros do local do crime. Na decisão, a juíza julgou improcedente a denúncia, uma vez que "a vítima não reconheceu o réu assim como afirmou que em sede policial quando fizera por foto não teve certeza."
Já no dia 9 de junho, foi a vez do violoncelista Luiz Carlos Justino ser absolvido da acusação de roubo que o levou à prisão, em setembro de 2020. O jovem foi preso após ter uma foto sua apresentada na delegacia a uma vítima de roubo, que o reconheceu em 2017. O músico teve a prisão preventiva revogada por uma liminar no plantão judiciário, mas o processo não foi arquivado e somente em junho ele foi absolvido. Para a defesa, o caso foi encerrado por falta de provas. "O juiz ficou convencido de que a prova era absolutamente ilícita e sequer poderia ter sido utilizada para oferecer a denúncia", alegou a defesa. 
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) já determinou que o uso de fotos para reconhecimento é apenas uma prova complementar e deve ser apresentada junto com outros meios para ratificar a autoria do crime. No entanto, o TJRJ alega que o uso de fotos é válido na fase do recebimento da denúncia por se tratar de um indício do crime. De acordo um relatório da Defensoria Pública do Rio, pelo menos 58 pessoas foram presas por crimes que não cometeram, entre 1º de junho de 2019 e 10 de março de 2020, após falhas no reconhecimento fotográfico nas delegacias, sendo a maioria delas de pele negra.