Cariocas passam sufoco por causa da greve do BRTReginaldo Pimenta / Agência O Dia

Rio - A vida de quem depende do transporte público para trabalhar no Rio de Janeiro não é fácil. Nesta sexta-feira, os motoristas do BRT iniciaram uma greve em busca melhores condições de trabalho, segurança e um reajuste nos salários. Com isso, muitos passageiros encararam longas filas e aglomerações para conseguirem pegar um ônibus convencional para chegar ao trabalho, como é o caso da auxiliar de serviços gerais, Micaele Silva, de 22 anos, que até se machucou ao tentar entrar em um coletivo.
"Estou desde 4h da manhã tentando pegar um transporte para ir trabalhar. Uma bagunça, todo mundo esperando o BRT e nada. Por fim, quando foi 5h40, começou a rodar o semidireto, que foi bagunça pra entrar, gente empurrando, machuquei até meu braço. Essa é a vida do trabalhador", lamentou a moradora de Santa Cruz.
Por volta das 8h, Juliane Silva Perpétuo, também auxiliar de serviços gerais, ainda não tinha chegado ao trabalho, onde começa o expediente às 6h. A jovem de 23 anos, reclamou da falta de aviso sobre a paralisação e que toda a população está sendo prejudicada com isso.
"Venho lá de Paciência. Está uma luta desde 4h manhã tentando chegar aqui na Alvorada e não passava nada. Ninguém avisou da greve, não teve um comunicado. Sofremos e chegamos agora. Estamos indo pro Via Parque, na Barra. Estou muito atrasada, eu pego no trabalho às 6h e até agora não consegui chegar. Não sei como que vai ser, se vão abonar essas horas. Só sei que estamos sendo prejudicados. Fiquei duas horas esperando uma condução e está muito cheio. O ônibus veio batendo de lá até aqui batendo no chão. Está horrível", disse Juliane.
Após enfrentar transtornos para conseguir uma vaga no ônibus, o pedreiro Sebastião Elias de Medeiros, 49 anos, disse que está preocupado com a volta para casa.

"Tá complicado. Eu cheguei no ponto 5h45, um maior tumulto, ninguém conseguindo entrar. O problema agora é a volta pra casa, né? Porque chega aqui na Alvorada não tem ônibus nem pro Jardim Oceânico. Daqui ainda vou caminhar até a estação Ricardo Marinho, mais ou menos 17 minutos a pé. Ainda tem a
volta que a gente não sabe como é que vai ser".
No Terminal Paulo da Portela em Madureira, corredor Transcarioca do BRT, o movimento foi intenso nas primeiras horas da manhã. A bancária Letícia Soares, de 24 anos, mora em Coelho Neto, na Zona Norte, e trabalha na Barra da Tijuca, Zona Oeste. Segundo ela, o BRT é sua única opção para chegar no serviço.
"Eu só tenho a opção de ir ou por Sulacap, também é BRT, ou por Madureira. Saí de casa na expectativa de chegar aqui e ter pelo menos um ônibus mesmo se fosse a cada uma hora ou uma hora e meia, mas com uma expectativa de conseguir chegar ao meu trabalho. Infelizmente, me deparei com a estação fechada, não tenho parador, não tenho expresso e aí nesse momento eu tô sem opção de chegar ao meu trabalho. Vou tentar falar com minha chefe pra ver uma outra opção, um uber, não sei. Por enquanto, tá difícil", lamentou a jovem.
Entenda a paralisação
Há três corredores do BRT no Rio, mas apenas o Transoeste operava parcialmente, mas com ônibus regulares e apenas a linha Santa Cruz-Alvorada. "Transcarioca e Transolímpica estão paralisados", disse a prefeitura.
Com a greve, houve muitos registros de aglomerações nas estações e nos pontos das linhas regulares, fora do BRT, que estão circulando normalmente na cidade. 
Em nota, a Prefeitura do Rio informou que não recebeu qualquer comunicado, por parte do Sindicato ou qualquer outra liderança, sobre a intenção dessa paralisação ou a pauta de reivindicações. "Portanto, trata-se de uma greve ilegal. A Prefeitura do Rio, por meio da empresa Mobi.Rio, orienta à população que procure outra alternativa de transporte público para se locomover".
A prefeitura montou um plano de contingência e conseguiu manter em operação apenas a linha Santa Cruz x Alvorada, do BRT Transoeste, que é operada por ônibus comum. 
Ainda segundo a prefeitura, a presidente da Mobi.Rio, Cláudia Seccin, tentou, "sem sucesso", iniciar uma negociação com os grevistas. "Mas eles se negaram a conversar".
No Twitter, o prefeito Eduardo Paes se manifestou sobre a greve e disse que o movimento é obra dos empresários que faziam parte do consórcio cujo concessão foi caducada.
"Tem empresário de ônibus insatisfeito com a encampação e usando trabalhadores do BRT para tentar reconquistar a concessão. Lamento informar que não serão bem sucedidos. Vamos prosseguir. Estamos trabalhando para restabelecer o sistema", disparou Paes.
O Rio Ônibus repudiou o posicionamento de Eduardo Paes e ressaltou "que a paralisação é uma das consequências do que a inércia e a falta de governança do poder público são capazes de fazer, deixando milhares de passageiros sem ônibus. Mesmo ignorando as necessidades das linhas circulares e investindo milhões no BRT, o sistema vive apenas de promessas não cumpridas há um ano, desde que a Prefeitura assumiu a gestão dos corredores".
Por meio de nota, o Sindicato dos Rodoviários do Rio informou que cerca de 480 motoristas que trabalham nos três corredores do BRT cruzaram os braços nesta manhã. Eles reivindicam que seja realizado um novo contrato que garanta todos os direitos dos funcionários, incluindo férias, 40% do FGTS em caso de demissão, auxílio desemprego, reajuste salarial, ticket alimentação, plano de saúde, pagamento de horas extras, além da contratação dos funcionários que estão afastados pelo INSS.
De acordo com Sebastião José, presidente do sindicato, a entidade também foi pega de surpresa com essa paralisação, já que as negociações estão bem adiantadas.
"As tratativas com a prefeitura está andando, mas claro que ainda existem pontos que precisam ser discutidos, como a demissão dos cerca de 60 funcionários que estavam pelo INSS, que para nós e inadmissível. Que fique claro que nem a prefeitura nem os empresários usarão os profissionais da categoria como massa de manobra", explicou, que ainda completou:
"Essa paralisação do BRT pegou todos nós de surpresa, inclusive o sindicato. A gente só tomou conhecimento da mobilização através de redes sociais ontem à noite. Já procuramos a prefeitura, as negociações estão em aberto e o restante da pauta que foi colocada já está praticamente negociada. Então, o sindicato jamais convocaria uma greve sentado na mesa resolvendo os problemas com a Mobi. Rio que é o que tem acontecendo. Só essa semana nós tivemos três rodadas de negociações e 80% dessa pauta já foi solucionada".
A secretária de Transportes, Maína Celidônio, disse ao 'RJTV', da TV Globo, disse que a questão dos funcionários que estavam afastados pelo INSS e foram demitidos já estava sendo discutida com o sindicato. "São 25 funcionários, que foram convocados para a demissão do consórcio e readmissão na Mobi.Rio, mas que não compareceram. Mas já está certo que ele têm vaga garantida".
Maína falou que a volta para casa vai contar com 250 motoristas e com a operação de alguns ônibus articulados. Segundo ela, 10 motoristas já se comprometeram a voltar ao trabalho.
"É tudo muito esquisito. O sindicato diz que não sabia da greve e nenhum interlocutor apareceu para negociar. Então, estamos ligando para cada motorista, convencendo ele a voltar ao trabalho. Ninguém se apresentou como interlocutor. Então, esses motoristas foram cooptados por alguém que não tem interesse trabalhistas. Todos foram demitidos e recontratados pela Mobi.Rio, os salários estão em dia, com todas as garantias. Não consigo entender essa greve", disse a secretária.
O Centro de Operações Rio (COR) disse que a cidade entrou em Estágio de Mobilização às 06h45, por causa dos problemas na mobilidade. Confira as recomendações:

- Quem puder, evite se deslocar nas regiões atendidas pelo serviço;
- Caso precise se deslocar, opte pelos trens, metrô e ônibus regulares;
- Mantenha-se informado através dos meios de comunicação e canais oficiais do COR.
O porta-voz do Rio Ônibus, Paulo Valente, disse que não tem condições de absorver as demandas extras, mas as empresas de ônibus convencionais estão reforçando a frota de linhas que operam paralelas ao BRT.

"Apesar da crise que o setor está atravessando, que é de ciência da prefeitura, as empresas de ônibus estão tentando colocar o máximo de frota possível pra operar nas linhas que são paralelas aos eixos do BRT. Tentando atender melhor um pouco a população que realmente hoje vai por grande dificuldade", disse Paulo.
A Polícia Militar informou que os agentes estão posicionados nas estações do BRT, "para garantir a segurança da população e evitar desdobramentos violentos nesta paralisação ilegal".
Concessão
Na semana passada, o sistema BRT passou a ser operado pela Prefeitura do Rio, através da empresa pública Mobi.Rio. O modal estava sob a intervenção do executivo municipal desde março do último ano. Antes, a responsável era a empresa BRT Rio, formada por consórcios de ônibus.
A expectativa é que uma nova empresa privada assuma a gestão do sistema. A previsão é que o edital para a licitação para a concessão da operação do BRT seja publicado no final de março e haverá o prazo de 60 a 90 dias para propostas. No final de junho os envelopes devem ser abertos e o novo operador já assume o sistema no segundo semestre deste ano.
Mesmo após a definição do vencedor, a Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) continuará à frente do planejamento do sistema.
Além da licitação para uma nova concessão, a Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) fará outras duas, sendo uma delas para a aquisição de 307 ônibus, que teve o edital publicado no último dia 14, e, no segundo semestre, outra para a compra de mais 250 veículos. A previsão é que os 307 sejam entregues a partir de outubro e os 250 restantes, no segundo semestre de 2023.
Descumprimento dos concessionários
A caducidade representa a extinção parcial do contrato de concessão do BRT, assinado em 2010, e a devolução ao município do serviço público de ônibus na cidade, em relação à operação do sistema BRT. A ação é motivada pelo descumprimento por parte dos concessionários de obrigações contratuais de prestação de um serviço de transporte público adequado.
Após a constatação de inúmeras falhas, como frota abaixo do determinado, manutenção precária e sucateamento, o município decretou a intervenção no BRT, em março do ano passado. Para isso, a Câmara Municipal aprovou uma lei autorizando o Poder Executivo a utilizar recursos do Tesouro Municipal no sistema, com previsão de ressarcimento ao erário pela Sociedade BRT Rio S/A, seus acionistas e concessionários.
O sistema BRT já chegou a ter, em seu auge, 384 veículos licenciados. Da frota operacional de 297 articulados, no início de intervenção, apenas 120 rodavam, em estado precário. Mesmo com a intervenção da prefeitura no modal, o desgaste dos veículos continua sendo o principal problema da atual frota operante, que conta com 210 ônibus. Ainda são utilizados na operação, 33 ônibus convencionais alugados pela prefeitura nas duas linhas do corredor da Cesário de Melo, e outros 56, nos horários do pico da manhã e da tarde, para os serviços eventuais Alvorada x Santa Cruz e Alvorada x Pingo D'Água, os chamados diretões.
Desde março de 2021, a média diária de passageiros do BRT, em dias uteis, passou de 169 mil para 248 mil, em dezembro de 2021. Além dos ônibus em mau estado de conservação, havia ainda 46 estações fechadas. Todas elas foram recuperadas e reabertas em 2021. Após essa fase, iniciou-se a reforma gradativa nas outras 79 estações operantes. Até agora, 15 delas já foram revitalizadas.
*Colaborou Reginaldo Pimenta