Moradores vivem rotina de violência e medo devido aos confrontos no Morro do FubáReprodução/Redes Sociais

Rio - Moradores do Morro do Fubá, que fica entre os bairros de Cascadura e Campinho, na Zona Norte do Rio, vem relatando a sensação de insegurança desde que traficantes e milicianos entraram em uma disputa pelo controle da região, no início do ano. Na noite desta terça-feira (9), um intenso confronto entre os criminosos deixou três feridos e um suspeito morto. Entre as vítimas, um turista americano atingido por uma bala perdida no pescoço, que está internado em estado grave no Hospital Municipal Salgado Filho. As outras duas estavam em um ônibus.

O local era chefiado pela milícia do 'Tico e Teco', comandada por Leonardo Luccas Pereira, o 'Leleo' ou 'Teco', mas foi invadido pelo Comando Vermelho, em janeiro deste ano, liderado pelo gerente do Morro do 18, Rafael Cardoso do Valle, o 'Baby', depois que as milícias do Campinho e do Morro do Fubá foram traídas por um ex-integrante. Agora, os traficantes dominam a parte alta da comunidade, mas a parte baixa segue sendo comandada pelos paramilitares. Desde então, os criminosos vivem uma guerra pelo controle total da região.

Um faxineiro de 42 anos que vive na Rua Alberto Silva, no Morro do Fubá, relata que há três meses a violência na região se intensificou. Morando com a mãe e os sete filhos, o homem conta que os tiroteios frequentes têm se tornado um transtorno na rotina da família, que fica impedida de estudar e trabalhar. "Um dia meu de falta, 'é' R$ 70 descontado. 'É' três pacotes de arroz e uma garrafa de óleo que eu consigo comprar", disse ele. Nesta quarta-feira (10), o homem vai precisar fazer hora-extra no trabalho, porque teve que se atrasar.

"Hoje mesmo eu já tomei uma chamada do meu patrão. Ele sabe, mas como eu sou novo na empresa, é aquele negócio, dá seu jeito para chegar no trabalho. Eu entendo, ele não vai pagar funcionário para não trabalhar. Minha filha, desde que começou essa guerra, está há duas semanas sem ir para a escola. Eles não vão para a escola, minha filha à noite não consegue ir para o curso. A gente está vivendo à mercê, é Deus por todos e todos sem ninguém. Já faltei ao trabalho, já perdi oportunidades de emprego, por não ter com quem deixar eles. Já teve polícia no meu portão, já teve gente baleada. Como vou sair?", desabafou o morador.

Ainda segundo o faxineiro, ele também já precisou dormir no trabalho diversas vezes para não ficar no meio do fogo cruzado na comunidade. Nessas ocasiões, ele costuma alertar os filhos para que não saiam nem para comprar pão, para evitar que eles sejam vítimas de balas perdidas. O morador afirmou ainda que tem vontade de se mudar do Morro do Fubá com a família para fugir da violência constante.

"A gente sai de manhã e não sabe se vai voltar. Eu tenho medo de sair, não é demagogia, eu realmente tenho medo. Eu saio todo dia de manhã e de noite se está tendo tiro, eu nem volto. Mas, eu estou protegido, e a minha família que está aqui? Minha casa fica na 'Faixa de Gaza', se tiver um tiroteio, a minha casa vai ser alvejada. A gente sabe que a violência está em todo lugar, mas aqui está demais. Já falei com os meus filhos, que minha vontade é sair daqui, tirar eles, tirar minha mãe. Eu estou lutando para isso, mas as coisas estão difíceis. A cada dia que a gente vê essas coisas acontecendo, fica mais preocupado". 

A vontade de se mudar é a mesma para uma secretária escolar de 40 anos, que diz que apesar de viver em uma casa própria entre as ruas Alberto Silva e Cajuru, em Cascadura, tem perdido o sono com a guerra entre os criminosos. A rota escolar que levava e buscava sua filha não quer mais fazer o serviço, porque pais de outros alunos têm se queixado de passar pela região. Hoje, ela se atrasou para o trabalho por precisar levar a menina ao colégio.

"A minha casa é grande, boa, tem quintal, mas está muito difícil viver ali, porque agora os confrontos não têm dia, não têm hora. Hoje mesmo, eu tive que chegar atrasada no trabalho, por conta do transporte que não quer mais levar a minha filha, porque os pais dos outros alunos estão reclamando e com razão. Está muito difícil. Ontem, eu fui fazer a unha e não consegui voltar para casa. Nem fiz a unha, de tão nervosa que eu fiquei. O confronto começa no Morro e desce para o asfalto. Minha casa é própria, desvalorizada, e eu não tenho condição de sair e pagar aluguel. Se eu sair, tenho que deixar a casa alugada, senão invadem", lamentou a secretária.

De acordo com a moradora, toda vez que sai de casa, a família vai preparada para caso não consiga voltar. No último domingo (7), eles estavam em um evento na quadra da escola de samba da Portela, em Madureira, também na Zona Norte, mas um confronto de mais de seis horas fez com que eles retornassem somente na segunda-feira (8). "Eu tenho que ficar monitorando, tenho que ficar ligando para saber se chegaram bem, se está tudo calmo. Fico em contato com os meus vizinhos todo o tempo. Um vai avisando ao outro. A rotina da minha família mudou completamente", declarou a mulher.

A casa de um autônomo de 39 anos, na Rua Diniz Barreto, que fica entre Madureira e Campinho, já foi alvejada durante troca de tiros. Ele conta que estava em um supermercado com a filha, nesta terça-feira, e precisou voltar para casa por conta do confronto entre traficantes e milicianos no Morro do Fubá. Segundo o morador, desde janeiro, há tiroteios quase todos os dias.

"De janeiro pra cá não temos mais paz, é tiroteio quase todos os dias, nem ao mercado se pode ir, que fica próximo ao Morro. A casa onde eu moro já teve perfuração de bala perdida. É uma sensação de medo de uma bala perdida. Eu moro no entorno e os tiros parecem que são na minha sala. Uma hora vamos ter que faltar ao trabalho ou à escola porque está cada vez pior o tiroteio. Moro há bastante tempo (na região) e nunca tinha visto uma situação como estamos vendo, é assustador. Se eu pudesse, sairíamos dessas redondezas", disse o autônomo.

Morando na Rua Cajuru, no Morro do Campinho, um professor de 36 anos também tem enfrentado dificuldades com o transporte escolar e já faltou ao trabalho ao menos cinco vezes este ano. "A rotina está bem complicada, já tive que faltar ao trabalho umas cinco vezes. Aquele clima de insegurança, por toda a parte. O transporte escolar não que mais prestar serviços, até oferecemos um maior valor, mas o medo é constante. Isso já virou rotina, os familiares ficam preocupados. E com tanta guerra, você não sabe nem quem é que está de frente", disse o morador.

De acordo com a Polícia Militar, as comunidades do Fubá e do Campinho permanecem ocupadas e o policiamento foi intensificado nesta quarta-feira. Não há relatos de novos tiroteios, prisões ou apreensões no local.