Na imagem, Felipe com os pais, Geraldo Coelho, 73 anos, e Osélia Coelho, 72 anosArquivo Pessoal

Rio- “Foi um deboche com minha dor e da minha família”. O desabafo é do professor de inglês Felipe da Silva Coelho, após audiência de instrução realizada nesta segunda-feira (26), que colheu o depoimento do seu ex-namorado, o militar da Marinha Cristiano Lacerda, acusado de matar os pais do docente, Geraldo Coelho, 73 anos, e Osélia Coelho, 72, encontrados sem vida em um apartamento no Jardim Botânico, na Zona Sul do Rio. Ainda durante a audiência, familiares e amigos do acusado assistiram aos depoimentos com uma camiseta escrito “estamos com você”, em apoio a Cristiano, o que deixou Felipe ainda mais indignado.

Felipe contou ao DIA que após a tragédia, que ocorreu em junho deste ano, ele retornou a Fortaleza, no Ceará, cidade natal dos pais, onde vive com uma irmã da sua mãe e tenta retomar a vida. Ao voltar ao Rio nesta segunda (26), ele relatou o sofrimento que passou.

“Eu fui chorando o caminho todo do voo até o hotel. Foi muito doloroso estar novamente no Rio. Ao chegar com meus advogados no local da audiência percebi a presença de alguns familiares e amigos dele vestindo uma camiseta branca, não reparei de início, mas logo após me falaram que a camiseta estampava a foto do assassino dos meus pais com a frase “estamos com você”. Meu amigo que veio me acompanhar e ficou no plenário falou que eram umas 20 pessoas. Eu fiquei em choque sem reação, numa sala reservada, à tamanha desumanidade dessas pessoas. Foi um deboche com minha dor e da minha família, uma falta de respeito gigante com o nosso sofrimento, no mínimo. Foi pisar na nossa ferida. Era como se ele fosse a vítima, e não o autor de um crime tão brutal que destruiu minha família”, relatou.

Felipe disse ainda que até mesmo nos bastidores do tribunal comentaram sobre nunca terem visto pessoas vestindo uma camisa em defesa de um assassino.


Acusado alega não lembrar no crime

Felipe relatou que ao ouvir o depoimento de Cristiano ficou em choque, pois o militar alegou não se lembrar do que tinha acontecido.

“Fui o primeiro a dar o depoimento e entrar naquela sala foi extremamente duro. Depois foram os policiais mas não presenciei o testemunho de ninguém, apenas ouvi o que dava pra ouvir da sala que eu estava esperando. Até então não se tinha ideia do que o assassino iria falar, desde os crimes não houve nenhum depoimento dele. O que quer que ele falasse sabia que iria doer muito, mas foi pior do que imaginei. Ele usou o depoimento inteiro pra falar mal de mim e se colocar como vítima e dizer que não se lembra de nada”, contou.

O professor de inglês disse ainda que Cristiano não demonstrou nenhum remorso, empatia, ou compaixão. “Ele disse que tentou tirar a própria vida e não se lembra de nada. A atitude dele, das testemunhas, e da plateia de amigos e familiares que estavam no plenário foi de total desprezo com o nosso sofrimento”, informou.

De acordo com Felipe, sua resposta virá na Justiça e Cristiano pagará por todo o sofrimento que causou e tem causado a sua família no mais alto rigor da lei.
Dias difíceis, alega Felipe

Segundo Felipe, os três meses após a morte dos pais não têm sido fáceis, mas que ele tem tentado retomar sua vida.

“Eu acordo todos os dias e por alguns segundos eu acredito que só é mais um dia normal, e logo em seguida me dou conta que estou vivendo um pesadelo e que não vou acordar mais dele. À noite é a pior parte quando lembro dos meus pais e frequentemente choro compulsivamente. Mas Deus tem me dado forças e tenho tido uma rede de apoio. Estou morando com minha tia irmã da minha mãe. Tenho focado nos exercícios entre academia e corrida. E graças a Deus estou fechando um contrato pra ser produtor de conteúdo pra maior escola online de línguas da América Latina. Então tudo isso tem me ajudado a continuar. Além de terapia e assistindo os cultos online na Igreja Betesda de SP. A minha fé em Deus é o maior legado dos meus pais e é isso que tem me mantido de pé”, disse.

Felipe retornou para a Fortaleza na manhã desta quarta-feira (28).

Próximos passos

Durante a audiência desta segunda-feira (28), o juiz Alexandre Abraão, da 3ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), ouviu todas as testemunhas de defesa e de acusação, assim como os depoimentos de Cristiano e de Felipe, que está no processo como assistente de acusação.

Entre as testemunhas, foram ouvidos os dois policiais militares que estiveram no apartamento no Jardim Botânico e realizaram a prisão em flagrante de Cristiano; um amigo do acusado que esteve com ele momentos antes do crime; além da ex-mulher e da filha de 17 anos do oficial da Marinha.

O próximo passo é saber se o juiz vai decidir se Cristiano vai ou não a júri popular. Além disso, mais uma sessão deve ser marcada para as alegações finais dos advogados de defesa e da promotoria.

Relembre o caso

Oselia e Geraldo estavam no Rio a passeio e retornariam à capital cearense na próxima semana. Segundo Felipe, os pais estavam muito felizes durante o tempo em que estiveram na cidade. Os dois já haviam morado anteriormente no Rio, mas retornaram ao Ceará nos anos 70. Esta foi a primeira vez em que eles voltaram à capital carioca desde quando foram embora.

Na noite do crime, Felipe havia saído para curtir a sexta-feira com amigos. Inconformado, Cristiano teria atacado os pais do ex-namorado a facadas. Em seguida, ele teria ligado para Felipe dizendo que os idosos estariam passando mal. Ao chegar no apartamento, Felipe encontrou Oselia e Geraldo mortos, além de Cristiano desacordado.

Cristiano foi preso em flagrante, mas em 27 de junho, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro converteu sua prisão em preventiva. Já no início de julho, o MP denunciou o militar da Marinha por homicídio triplamente qualificados