Movimentação no IML após operação no Complexo da Maré que deixou sete mortosReginaldo Pimenta/Agência O DIA

Rio - A família de outro homem morto durante uma operação no Complexo da Maré, na Zona Norte, nesta sexta-feira (25), denunciou a suposta tortura e ação truculenta por parte de policiais militares contra suspeitos na comunidade Nova Holanda. De acordo com a tia de Marcelo Pereira Debrah, 24 anos, que esteve no Instituto Médico Legal (IML) do Centro, neste sábado (26), o sobrinho estava saindo de casa para comprar pão quando foi baleado e esfaqueado. Segundo a Polícia Civil, a ação deixou ao menos sete mortos, dentre eles Mário Silva Ribeiro Leite, traficante conhecido como Mário Bigode, Rodrigo da Silva Rosauro, que possui anotação criminal, Renan Souza de Lemos, que a família alega ser inocente e mais quatro pessoas, ainda não identificadas.

Ainda de acordo com a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), as mortes estão sendo investigadas e os agentes que participaram da ação foram ouvidos e tiveram as armas apreendidas para confronto balístico. Diligências estão em andamento para esclarecer todos os fatos.

A tia de Marcelo, que ainda não teria sido identificado pela Polícia Civil como um dos mortos na ação, alega que a PM não deixou que ele fosse socorrido após ser atingido por diversos tiros enquanto saía de casa.

"Os policiais pegaram ele saindo de dentro de casa e metralharam ele todo. A gente foi pra socorrer, mas eles meteram bala na gente. Esfaquearam meu sobrinho, arrancaram um pedaço do braço, mataram ele covardemente sem relatar se era bandido ou não. Tiraram a vida dele sem deixar a gente prestar socorro, jogaram gás de pimenta, granada...carregaram meu sobrinho vivo, tentando se levantar, deram tiro, puseram ele dentro do blindado, colocaram no Batalhão da Maré, quando chegou lá não deixaram meus tios verem, falaram que ele foi pro hospital. Quando chegamos lá ele já estava morto, cheio de tiro na barriga E sem um pedaço do braço. Tiraram a vida dele sem piedade, ele só estava saindo de casa para comprar pão e tomar café com a família dele", denunciou.

X. desabafou ainda sobre sentimento de revolta com a morte violenta do sobrinho, que deixa esposa e um filho de um ano. "Eles são policiais fardados para garantir a nossa vida, eles não têm que tirar nossa vida a troco de nada. Eles entram na comunidade pra matar todo mundo como se fosse bandido, nem todo mundo que mora na comunidade é bandido, tem trabalhador, tem pai de família, tem morador. Tem que respeitar a gente que mora na comunidade. Moramos na Nova Holanda porque somos pobres", disse.

"Eles chegam tirando a vida de todo mundo e ainda esculacham a gente que é morador e parente, que não podemos chegar perto porque ganhamos bala, tapa na cara e gás de pimenta. Eles mataram muito inocente e, independente se for bandido ou não, eles estão ali pra guarda a vida. Se é bandido leva preso, não mata, eles não têm esse direito. Entraram na minha casa e queriam levar meu marido pra delegacia. Meu marido é trabalhador, tem carteira assinada, a troco de quê? Queremos justiça!", relatou.


Assim com X., a irmã de Guilherme Villar Bastos, 19, também morto na Nova Holanda, denunciou as torturas e ações truculentas da PM com os jovens. Y. contou que o irmão era envolvido com o tráfico, mas que foi torturado e esfaqueado dentro de uma casa por policiais do Bope. 

“Quando eu estava chegando perto da casa, eles (policiais do Bope) começaram a atirar para cima da gente. Estávamos com pessoas da ONG Redes da Maré, que deram todo o suporte para minha família, ficaram o tempo inteiro comigo tentando passar e eles não deixavam passar. A gente pedindo pelo amor de Deus, que eu só queria ver meu irmão, para saber como meu irmão estava e os meninos que estavam com ele, e eles falando que não ia passar, xingando, foram agressivos com a gente", contou.

Durante a operação, 40 escolas municipais e uma Clínica da Família foram fechadas na região. Moradores ainda realizaram uma série de manifestações na Avenida Brasil. Pedaços de madeira, colchões, pneus e outros objetos chegaram a ser queimados no meio da via mais de uma vez. As pistas central e lateral chegaram a ser bloqueadas em alguns momentos no sentido Zona Oeste.

Após as denúncias, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) acionou o Ministério Público (MPRJ) que afirmou, por meio de nota, que o Grupo Temático Temporário (GTT) – Operações Policiais (ADPF 635-STF) respondeu ainda na sexta-feira que "todas a informações relativas às operações policiais mencionadas serão encaminhadas aos promotores de investigação penal, que têm a atribuição para apurar as circunstâncias das mortes".

Também na sexta-feira, outros nove suspeitos morreram em operações policiais, sendo seis delas no Morro do Juramento, no bairro de Vicente de Carvalho, na Zona Norte do Rio, e três no Morro do Estado, no município de Niterói, na Região Metropolitana. Neste sábado, o policiamento foi intensificado nas comunidades e no Complexo da Maré. Não há relatos de novos confrontos.

Procurada, a Polícia Militar ainda não se pronunciou sobre as denúncias.

Apreensões

Na operação, agentes e cães farejadores do Batalhão de Ações com Cães (BAC) apreenderam cerca de três toneladas de maconha. Além disso, policiais da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM) apreenderam centenas de equipamentos eletrônicos piratas em galpões no interior da comunidade Nova Holanda. Oito carros roubados também foram recuperados por equipes do 22ºBPM (Maré).