O ex-prefeito Zelito Tringuelê, por duas ocasiões, foi classificado como o pior gestor fiscal entre os 77 municípios fluminenses analisados pela FirjanDivulgação

Guapimirim – A prestação de contas de 2020 do ex-prefeito de Guapimirim Jocelito Pereira de Oliveira (PL-RJ) – Zelito Tringuelê – foi rejeitada pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) no último dia 25 de agosto. O documento insta que a Câmara de Vereadores reprove as contas. O documento tem 79 páginas e aponta três irregularidades, 13 impropriedades, além de emitir recomendações à prefeitura. Dos problemas listados, o principal agravante foi o fato de o ex-mandatário guapimiriense ter deixado um rombo fiscal no colo de sua sucessora.
Irregularidades
Zelito Tringuelê deixou um déficit fiscal de R$ 6.137.483,77, quando encerrou o mandato em dezembro de 2020, o que caracteriza descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar nº 100/2000. A prática é vista como irregularidade. Um governante não pode deixar débitos sem previsão orçamentária para seu sucessor.
De acordo com a relatora Andrea Siqueira Martins, conselheira substituta do TCE-RJ, foi apontada uma insuficiência de caixa no montante de R$ 5.861.394,04, no dia 31 de dezembro de 2020, último dia do governo Tringuelê. O ex-prefeito teria desrespeitado o artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, ao contrair dívidas nos dois últimos quadrimestres antes do término do mandato das quais não seria capaz de honrar.
O relatório do TCE-RJ também explicita a abertura de créditos adicionais no total de R$ 3.311.176,55, com base em excesso de arrecadação, sem vincular as respectivas fontes de recurso. Isso contraria o artigo 167 da Constituição Federal de 1988.
O somatório de repasses previsto do Poder Executivo para o Legislativo foi de R$ 7.253.100,00. Após devolução, o montante final foi de R$ 6.503.123,17, quando, na verdade, deveria ter sido de R$ 6.498.629,02. Isso também é caracterizado como irregularidade. O artigo 29-A da Constituição Federal estabelece que a verba destinada à Câmara de Vereadores deve ser o equivalente a 7% da receita tributária e de transferências do Município e da União.
Um ato é considerado “irregularidade”, quando é provocado por dolo ou má-fé e que resulte em perda ao erário, decorrente de ato de gestão ilegal de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial.
Impropriedade
Uma das impropriedades apontadas no relatório é que Zelito Tringuelê só investiu R$ 12 milhões em educação em 2020, o equivalente a 14,48% da arrecadação de 2019. Desse modo, ele violou o artigo 212 da Constituição Federal, que estabelece o mínimo de 25% de receitas e transferências, e o artigo 215 da Lei Orgânica do Município.
Em 2020, o governo Tringuelê só investiu 0,81% dos recursos dos royalties de petróleo na saúde e 0,20% em educação. Em ambos os casos, foi menos de 1%. Ele descumpriu a Lei nº 12.858/2013, que estabelece que 75% dessa receita sejam investidos em educação e os 25% restantes em saúde.
O ex-líder guapimiriense ultrapassou o limite de 54% da arrecadação com despesas de pessoal, tendo descumprido a Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo o relatório da corte tributária, isso ocorria desde o terceiro quadrimestre de 2019. A prática também foi considerada uma impropriedade.
O documento do TCE-RJ sinaliza outras impropriedades, por exemplo, a não publicação das contas referentes aos anos de 2019 e de 2020 no site da Prefeitura de Guapimirim.
Um ato é considerado “impropriedade”, quando não resulta em perda aos cofres públicos durante a inobservância ou descumprimento de princípios da administração pública.
Ministério Público de Contas endossa relatora do TCE-RJ
O Ministério Público Especial – conhecido como Ministério Público de Contas e vinculado ao TCE-RJ – endossou, no último dia 22 de setembro, parecer prévio do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro sobre a rejeição das contas de Tringuelê. A questão foi levada ao plenário nessa quarta-feira (17/11), mas a ata ainda não foi divulgada.
A partir da notificação, via ofício, por parte do TCE-RJ, a prestação de contas de 2020 de Zelito Tringuelê estará à disposição dos vereadores para votação sem prazo determinado.
A Câmara de Vereadores Guapimirim não é obrigada a seguir o parecer do tribunal de contas. O parágrafo 2º do artigo 31 da Constituição Federal, o parágrafo 2º do artigo 124 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e a Deliberação nº 285/2018, do TCE-RJ, determinam que o posicionamento da corte tributária só poderia ser anulado por maioria de dois terços dos parlamentares. Seria preciso que pelo menos seis dos nove parlamentares se opusessem à recomendação do TCE-RJ.
Em 2020, a Prefeitura de Guapimirim arrecadou R$ 199,9 milhões e teve orçamento final de R$ 226,2 milhões, por conta dos créditos suplementares. A previsão, feita em 2019, era de R$ 186,1 milhões. Já as despesas foram de R$ 210,2 milhões.
Breve análise
As contas de 2019 de Zelito Tringuelê também tiveram parecer contrário do TCE-RJ, em dezembro de 2020, e foram rejeitadas pela Câmara Municipal, em sessão ocorrida em setembro de 2021, após O Dia questionar a demora da votação.
Tanto em 2019 quanto em 2020, Zelito Tringuelê não usou corretamente os recursos dos royalties de petróleo. No primeiro ano, os utilizou com percentuais invertidos, sendo 75% para a saúde e 25% para a educação. A prática foi considerada uma impropriedade.
Já em 2020, dos mais de R$ 49,4 milhões arrecadados com verbas desse hidrocarboneto, o ex-prefeito investiu menos de 1% cada nas duas áreas, tendo gastado o restante em outras despesas correntes, de acordo com o parecer do TCE-RJ.
Em 2019, o ex-chefe do Executivo guapimiriense só investiu 21,95% da receita obtida em 2018 com educação. Já em 2020, o percentual foi menor ainda, 14,48%, em relação ao orçamento de 2019.
Em janeiro de 2020, Zelito Tringuelê atrasou em três semanas o salário dos servidores. Entre novembro e dezembro de 2019, o ex-prefeito promoveu três festividades: aniversário da cidade, natal e queima de fogos de réveillon.
Em maio de 2020, o governo Tringuelê anunciou o corte de até 50% do salário de parte dos servidores. A medida não afetou secretários nem subsecretários. Não se sabe quais critérios foram adotados na seleção dos funcionários prejudicados. O comunicado era feito verbalmente, nada por escrito para não vincular diretamente à imagem do então prefeito que concorria à reeleição.
Para um município que teve o montante orçamentário de R$ 206,9 milhões, em 2019, e que por vários momentos extrapolou o limite de 54% da arrecadação com despesas de pessoal, impressiona como conseguiu reduzir pela metade o salário dos funcionários.
Ao largo de quatro anos, Zelito Tringuelê nunca construiu uma escola, um hospital nem um viaduto, por exemplo. Nenhuma obra importante. A única creche que inaugurou em seu mandato, a Cléber Diniz Cajão, no bairro de Várzea Alegre, só faltava ser finalizada, algo que seu antecessor, Marcos Aurélio Dias, não conseguiu.
Em vez de legado, Zelito Tringuelê deixou dívidas para a sua sucessora. Ele a presenteou com um rombo fiscal de mais de R$ 6,1 milhões e débitos pendentes com a concessionária de energia elétrica e com a empresa que fazia a coleta de lixo no município, por exemplo.
Por duas vezes, em 2018 e 2020, Zelito Tringuelê foi considerado o pior gestor fiscal entre os 77 prefeitos fluminenses analisados – do total de 92 – pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). O relatório dessa entidade, divulgado a cada dois anos, só reforça o que na prática se comprova, quando se faz um diagnóstico de seu mandato.
Para piorar, o governo Tringuelê, supostamente, tentou superfaturar a compra de álcool em gel, de cama hospitalar e de outros itens essenciais no combate à pandemia de coronavírus (Covid-19), em 2020. Depois que o caso foi noticiado na imprensa, foram feitas supostas correções de valores.
Inelegibilidade
O ex-prefeito Jocelito Pereira de Oliveira teve seus direitos políticos cassados por duas decisões da Comarca de Guapimirim, uma em 18 dezembro de 2020 e outra em 28 de abril de 2021. As sentenças são de três anos cada. Somadas, dão seis anos. Ele foi denunciado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) por suposto descumprimento da Lei de Transparência e Lei de Acesso à Informação. Durante seu mandato, não constavam informações completas acerca da folha de pagamento dos servidores nem de contratos licitatórios no site da prefeitura. O Dia noticiou em primeira mão.
O ex-chefe do Executivo guapimiriense teve suas contas de 2019 reprovadas pelo Poder Legislativo. Desse modo, poderá ficar inelegível por até oito anos por atos de improbidade administrativa. Resta saber se as contas de 2020 também serão rechaçadas.
A Lei Complementar nº 184/2021 – que flexibiliza a candidatura eleitoral de agentes públicos e políticos que tiveram contas julgadas irregulares – não favorece a Zelito Tringuelê. A nova legislação só é válida para governantes e ex-governantes em casos que não houve danos ao erário, sem dolo nem má-fé, e com condenação exclusiva ao pagamento de multa.
A nova legislação foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, em setembro deste ano, e altera trechos da Lei Complementar nº 64/1990, que trata sobre inelegibilidade.