Sala de aula da Escola Municipal José Mauro de Vasconcellos: mesas quebradas - arquivo pessoal
Sala de aula da Escola Municipal José Mauro de Vasconcellos: mesas quebradasarquivo pessoal
Por Bernardo Costa

Rio - A vontade de estudar dos alunos da Escola Municipal José Mauro de Vasconcelos, em Bangu, merece nota dez, mas, em matéria de conservação, o colégio seria reprovado. Pintura descascando, banheiros sem porta e vasos sanitários sem assentos, rede elétrica aparente e até a calçada incompleta são alguns dos problemas enfrentados diariamente pelos estudantes. Um mutirão de mães faz a limpeza da escola, já que faltam serventes. O cenário dramático retrata a maior parte da rede municipal. Inspeções feitas pelo Tribunal de Contas do Município (TCM-RJ) no ano passado revelam que 72,96% das unidades escolares em funcionamento estão em condições estruturais precárias: mais de sete em cada dez. Nenhuma foi encontrada em condições boas. É o pior resultado desde o início das fiscalizações, em 2008, quando 14,40% dos colégios eram considerados precários.

Houve aumento expressivo do percentual de colégios precários em comparação com 2017: de 57,90% para 72,96%. Em boas condições eram 3,6% naquele ano. O levantamento mais recente do TCM-RJ concluiu ainda que 12,24% das escolas estão em “condições razoáveis com risco”, 14,29% foram avaliadas como “razoáveis” e 0,51% passavam por obras. A taxa atual de 0% referente aos estabelecimentos em “condições boas” quer dizer que não foram encontrados casos dentro dos parâmetros pré-definidos pelo programa de visitas do órgão. Foram visitadas, ao longo de 2018, 195 unidades escolares de 6º ao 9º ano em um universo de cerca de 400. O relatório ainda será concluído, mas os dados já foram consolidados. Esse é o panorama apresentado no sexto capítulo da série de reportagens ‘Rio da Esculhambação’, que aponta as fragilidades do governo Marcelo Crivella.

A calçada da escola municipal José Mauro de Vasconcelos está tomada por vegetação - arquivo pessoal

“As mesas e cadeiras estão quebradas e a escola tem aparelho de ar-condicionado, mas não tem rede. Como posso ter tranquilidade em mandar meu filho para uma escola onde a qualquer momento pode acontecer uma tragédia?”, questiona o barbeiro Maximiliano da Silva, pai de aluno da Escola Municipal José Mauro de Vasconcelos. As donas de casa Marcele Félix e Rosana Ferreira, junto com outras mães de alunos, fizeram um mutirão de limpeza no fim de semana. “A limpeza é precária. No sábado teve um mutirão das mães que lavaram a escolas. Eu mesma lavei os banheiros, até porque minha filha usa. Até o momento a escola está limpa, graças ao mutirão, já que o pessoal da limpeza estava sem pagamento desde dezembro”, afirma Marcele Félix. Na escola George Sumner, no bairro Riachuelo, alunos contam que os aparelhos de ar-condicionado e carteiras também estão quebrados.

O DIA não teve acesso aos nomes das escolas avaliadas. A classificação não significa que as consideradas “razoáveis com risco” e “precárias” não possam funcionar, mas que funcionam de maneira não satisfatória para alunos e funcionários, sinalizando a necessidade de medidas pela Secretaria de Educação. As principais irregularidades são sanitários com problemas (observado em 93,33% das escolas), pintura (91,28%), lâmpadas queimadas (80,51%), janelas e/ou portas danificadas (74,87%), mobiliário danificado (66,15%) e diversas infiltrações (64,61%). Fiações expostas (59,49%), rachaduras (39,48%) e queda de reboco com ferragem exposta (33,85%) também colocam estudantes, professores e demais funcionários em risco.

Menos verba nos últimos anos

A análise do TCM-RJ é de que o aumento do percentual de escolas em estado precário decorre de uma redução drástica que vem ocorrendo dos recursos destinados às unidades ao longo dos anos, principalmente da verba para manutenção. Durante a gestão do ex-prefeito Eduardo Paes, a taxa de escolas precárias variou entre 15,3%, em 2009, e 42%, em 2016. Crivella, em vez de cuidar do problema, reduziu os investimentos. Segundo dados do gabinete do vereador Tarcísio Motta (Psol), vice-presidente da Comissão de Educação da Câmara Municipal, os recursos previstos na Lei Orçamentária Anual de 2018 e de 2019 para manter, conservar e expandir a rede pública municipal de ensino caíram R$ 21 milhões ou 6%.

A verba passou de R$ 375,7 milhões no ano passado para 354,7 milhões no ano corrente. “Isso é sinal da anos de destruição da escola pública. Além da falta de planejamento do governo passado para construir escolões sem orçamento, a incompetência da atual gestão não garantiu recursos para a melhoria estrutural das escolas, causando a perda do direito à educação pelo cidadão carioca”, diz Motta. “O nível de piora é responsabilidade do governo Crivella e isso está claro no orçamento destinado por ele para ações de manutenção e revitalização das unidades caindo aos pedaços”. A Comissão convocará audiência pública após a divulgação do relatório.

Mães fizeram limpeza na Escola Municipal José Mauro de Vasconcelos - Daniel Castelo Branco

Diminuição do número de professores e do horário escolar

Além dos problemas estruturais, a rede enfrenta outros desafios. “Perdemos número de funcionários. Temos menos professores e não temos porteiros”, sinaliza Gustavo Miranda, coordenador geral do Sepe (Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação). De acordo com ele, existe quantidade significativa de colégios sem quadras e salas de aula muito quentes, passando por situações corriqueiras, como lâmpadas queimadas no ambiente de estudo e falta do cafezinho para professores. “As diretoras diziam que todas essas reclamações são fruto de contingenciamento de recursos pelo governo. Isso o Crivella acelerou, tanto que não temos reajuste há dois anos”, acrescenta.

Na Escola Orlando Villas Boas, no Centro, as turmas do 7º ano estão sem aulas de Espanhol desde o início do ano letivo. “A professora saiu de licença na primeira semana e não entrou substituta”, relata um adolescente. Na agenda ou no bolso dos estudantes, avisos de redução da carga horária pela metade. O lembrete informa que haverá apenas duas horas de aula. O motivo é o chamado Centro de Estudos Parcial. Segundo pais e alunos, os dias de carga horária reduzida se repetem quinzenalmente de forma alternada na semana. Uma menina de 9 anos da Escola Municipal Guatemala, mesmo bairro, fica desmotivada: “Duas horas não dá pra nada. Nem dá vontade de vir.”

Pais e alunos da Escola Municipal José Mauro de Vasconcelos reclamam que aparelhos de ar-condicionado não funcionam - Daniel Castelo Branco / Agência O Dia

Secretaria diz que unidades não têm risco

A Secretaria Municipal de Educação (SME) respondeu que as unidades de ensino são vistoriadas e não apresentam riscos. “Entre as 1.540 unidades, apenas duas escolas estão interditadas, sendo somente uma devido a problema estrutural”, afirmou. O órgão disse que está executando o Plano de Recuperação da Rede Física das escolas, após 16 anos sem investimentos de grande porte. “A Prefeitura já concluiu diferentes obras de reformas em 74 unidades e outras 19 estão em andamento. Mais 111 escolas estão em processo de licitação. Algumas terão as intervenções iniciadas a partir de abril”, destacou. Sobre o Centro de Estudos Parcial, esclareceu que não existem aulas perdidas, estando garantidos 202 dias letivos e 866 horas, acima do mínimo previsto. Segundo a pasta, é um aperfeiçoamento do processo da relação ensino/aprendizagem para dar mais eficiência às estratégias pedagógicas”.

* Estagiária sob supervisão de Herculano Barreto Filho

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